quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A "caridadelogia"


O discurso politico pode assumir, tal como outro qualquer tipo de discurso, vários estilos: exortatório, persuasivo, desinteressado, etc. Contudo, há uma característica que o distingue de qualquer outro tipo de discurso: a necessidade de chegar às massas e por isso conquistar a sua intangibilidade, isto é, tornar-se plenamente aceite, interiorizado e irrefutável.

Ora, para conseguir tal feito, esse discurso precisa - além de usar denominadores comuns como bem-comum, coesão social, desenvolvimento, progresso, de uma forma pouco esclarecedora, alienada e despropositada -, falar uma linguagem comum e, acima de tudo, atingir o pensamento inequívoco do povo (como se este fosse homogéneo).

A saber: este povo não é a elite. Este povo é, sobretudo, as classes médias e baixas (essencialmente falando). É para este povo que este discurso (da esquerda à direita) se dirige, independentemente das pretensões ideológicas subjacentes pois a maioria da população “pertence” a estas classes.

Ora, é reconhecível que o que realmente preocupa aqueles/as que tem menos (na esmagadora maior parte dos casos) é a possibilidade dos bens básicos de sobrevivência (comida, bebida, condições sanitárias, etc) se esvaírem, possibilidade bem real nos tempos de crise. E aqui está o ponto do discurso.

O discurso político precisa então de tocar na questão da pobreza, das necessidades basilares, das carências e das ditas misérias humanas. Tudo isto com o sempre conveniente sentimentalismo e apego emocional (se possível com uma certa metafísica inerente). É o abre-alas para as políticas da caridadezinha e do assistencialismo. E de notar: esse discurso político não tem que ser coincidente com aquilo que realmente almeja (os clichés: emprego, igualdade de oportunidades, etc) até porque problemas estruturais como a pobreza (que sempre existiu, de forma implícita e/ou explicita mas que só ganha estrategicamente enlevo em contextos de crise) não se resolvem com (pretensas) medidas conjecturais mas mudanças de fundo, isto é, profundas mudanças na organização económica nacional e mundial.

As Presidenciais (as campanhas eleitorais no seu todo) são timings perfeitos para a exploração dos pequenos grandes dramas e existem políticos (que pela sua situação ideológica) tiram dividendos através desta grande estratégia que é profundamente perversa (quem se atreveria a afirmar que tudo isto é um embuste de forma a instrumentalizar os/as pobrezinhos/as, como o fez – e muito bem – o primeiro ministro?!).

É a utilização da “caridadelogia” – a ciência que estuda a caridade – em detrimento de ganhos políticos. E é uma estratégia funcional e perene porque a pobreza sempre vai existir. Não deixa de ser irónico que seja precisamente a direita neoliberal (capitalista, oh yeah!), muito preocupada com os/as pobrezinhos/as, a quer privatizar isto e aquilo, isto é, a querer travar o acesso destes/as aos seus bens comuns. Perante a ciência da caridade, mais vale as ciências que desconhecemos e que, pelo andar da carruagem, não a podemos (e devemos!) negar.

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