quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A censura dos direitos


Parece que vivemos tempos difíceis no que toca a estas questões da liberdade de expressão, seja com o Wikileaks à escala transnacional, seja a Ensitel, à escala nacional ( e esqueçamos os delírios direitistas anti-socratinianos).

Como o próprio nome indica, liberdade é já uma palavra que assusta, com ou sem acréscimo de outro léxico. Tende-se associar as questões da liberdade à esquerda e as questões da censura (o antónimo essencialista de liberdade) à direita. Tal relação, nem sempre exacta ou pacifica, é herdeira de um passado salazarista (a nível nacional) e nazi-fascista (a nível europeu) que restringe esta visão de restrição de liberdade à direita. Todo o tipo de direita? Não, só a um tipo: a direita conservadora, à direita do CDS (e o próprio). A outra direita (a neoliberal, elitista, empresarial, libertaria, sofisticada, etc) é pro-liberdade, pró-globalização. Como poderia defender tais conceitos e dinâmicas institucionais com recurso à censura? Ora, aqui está um bom exemplo. Como refere Helena Garrido, «(…) a Ensitel sentiu-se suficientemente poderosa para ir a tribunal solicitar que fossem apagados os "posts" da cliente no seu blogue pessoal. Sentiu-se poderosa o suficiente para interferir na vida pessoal de uma pessoa com quem teve um conflito. É bem revelador da desproporção que existe entre os poderes dos consumidores e de (algumas) empresas (…)». E aqui está o problema: o poderio das grandes empresas, muito mais interessadas no lucro do que nos direitos dos/as consumidores/as, tornou-se tão abrangente e elevado (muitas empresas tem mais dinheiro do que o PIB de muitos países) que há uma pretensão de “tudo se pode fazer”, de que até mesmo para a obtenção de lucros, pode-se “dar ao luxo” de entrar em conflito com (alguns/as) clientes. É legitimo apontarmos o dedo ao aumento dos impostos (água, luz), bens essenciais (pão) e bens fulcrais (gasolina, transportes), mas também é legitimo apontarmos o dedo a este abuso das empresas sobre as pessoas.

Mais do que uma discussão clássica do direito à liberdade de expressão (constitucionalmente e eticamente inviolável), trata-se dos direitos dos e das consumidores/as. Trata-se pois (e sobretudo) de uma questão política onde, na perspectiva de Nancy Fraser e na minha, quer as politica de redistribuição (igualdade económica, livre acesso a bens, justiça social), - opostas ao desenfreado neoliberalismo e capitalismo desorganizado -, quer as politicas de reconhecimento (cidadania, direitos) possuem o mesmo valor. Onde é evidente que não é só a liberdade (de expressão, individual, corporal, etc) que se encontra ameaçada no espectro da direita conservadora mas também no da direita neoliberal porque, toda e qualquer liberdade se encontra ameaçada quando as hierarquias sócio-económicas (o Estado é um mero regulador, não produtor), numa lógica de acumulação excedentária, esmagam os direitos e as garantias de cada um/a de nós.

Só espero que não me processem porque não irei apagar o meu poste…

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