terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Esclarecendo a "tradição"


Numa converseta (ok!), numa discussão acalorada com opositores político-ideológicos no facebook, sujeito x argumentava comigo na defesa da ideia de uma tradição.
A esclarecer: para sujeito x (que defendia uma posição típica da direita conservadora [PNR]), existiram, há algum tempo (sujeito x não situa historicamente), três tipos de blocos políticos: o socialismo, o comunismo e (pasme-se) o tradicionalismo, sendo que sujeito x defendia este último.

Percebi posteriormente que sujeito x nutria um ódio imenso ao comunismo e, mais resguardado, ao socialismo. Percebi também que o tradicionalismo que sujeito x defendia (aliás, estava a debater com um conceito “estranho” para mim ou, no mínimo, poderia despoletar um certo desfasamento conceptual porque o que é “tradição” para mim, pode não ser para sujeito x e vice-versa) se referia às tradições senso comunizadas: touradas, subordinação das mulheres, casamento entre pessoas de sexo diferente, isto é, o tradicionalismo de direita conservadora ligados às políticas dos costumes. Percebi ainda que sujeito x culpava o comunismo pela perda desse tradicionalismo.

Ora, comecei a minha argumentação precisamente pela contradição desta última premissa (e relembrando as aulas de “intervenção comunitária e desenvolvimento local” com o professor João Caramelo): o comunismo é também defensor da tradição. É um absurdo dizer que o comunismo é o responsável pela perda do tradicionalismo.

A explicitar (e falando de sociedades ocidentais): as tradições seculares, fortemente influenciadas pelo pensamento judaico-cristão, ergueram-se e mantiveram-se, da época pós-clássica, atravessando a época medieval (alta e baixa) até à pré-modernidade, graças à promiscuidade entre mecanismos jurídico-legais, defesa de uma ideia de moral religiosa e ordenamento estatal - republicano ou monárquico -, isto é, uma lei de um estado era uma lei religiosa; uma lei maioritária, que obedecia a princípios normativos universais (ou pretendia faze-lo), era uma lei inquestionável e absoluta. Estávamos no plano das grandes narrativas.

A Revolução Francesa (sec. XIX) põe em causa, embora lentamente, estas formulações, a partir do momento em que a mundialização e a industrialização se tornam modelos hegemónicos e a revolução dos transportes, expandindo as redes de comunicação, contribui para todo este processo.

Os ideais revolucionários espalham-se por toda a Europa, projectando (é verdade) a luta operária (fortemente rural e reaccionária) e os movimentos de emancipação (como o feminismo e o republicanismo, suportado pela ideia progressista da laicização do Estado).

A tradição - ou certa ideia de tradição - (assumindo que tradição se prende com ideais-tipo morais/religiosos católicos) é desfragmentada por processos de deslocação no sistema-mundo, pelo veiculo de novos ideais e mentalidades que, hoje em dia, (com o avanço das novas tecnologias – computador, internet, redes sociais, etc - e da dita “sociedade do conhecimento”), estão absolutamente intensificadas. Esses processos estão ligados ao comunismo? Não! Esses processos estão ligados à globalização como processo estratégico de expansão do capitalismo desorganizado, que por sua vez estão ligados a políticas neoliberais de direita.

Assim, a globalização desfragmentou identidades e sistemas sócio-culturais, em parte, devido às lógicas de mercado (marketing, diversidade de produtos, incremento da competitividade, monopólio cultural, etc).

Um exemplo típico é o do MacDonald’s: tem um prato típico de várias partes diferentes do mundo. Em certa medida, houve uma apropriação de determinados elementos culturais (como a alimentação), de diferentes culturas, em detrimento do lucro desenfreado. Essa apropriação desenraizou os elementos culturais da cultura de “origem” (ou cultura-tipo), isto é, rompeu com os cânones da tradição.

Parece evidente pois que a ruptura com a tradição relaciona-se directamente com a direita neoliberal. Porque é que não se relaciona com o comunismo? Precisamente porque o comunismo é, na sua origem ideológica, anti-capitalista e anti-globalização. Determinadas formas de comunismo são até muito radicais na defesa de determinada ideia de tradição, por exemplo, no que toca à regionalização e concessão de soberania ao poder local (desvinculando-o de um poder supra-unitário como o poder central/estatal). Estas medidas são ideais fortemente de esquerda porque contrariam lógicas hierárquicas de tipo top down e um (certo tipo de) desenvolvimento hegemónico global that happens to be o capitalismo. Razão pela qual PNR e BE (partidos, à partida, “opostos” ideologicamente), ambos, defendem o comércio tradicional (embora com motivações diferentes).

De facto sujeito x esta errado quando responsabiliza o comunismo com rupturas com a “tradição” e quando retira o papel da direita (há muitas direitas!) dessa ruptura. Parece-me que sujeito x foi levado pela sua onda anti-comunista (e pró-fascista) ao extremo num ataque irracional desproporcionado (“no comunismo é tudo de mau”) nem que para isso tenha que insurgir em mil e uma falácias. Espero que atitudes como a de sujeito x não resistam (lá está) à tradição…

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