Parece que o meu poste “o dilema das pessoas feias exigentes” teve alguma repercussão.
De facto, apesar de estar incompleto e, por natureza, a minha “teoria” estar sempre aberta a refutação/reformulação, não invalida o facto de a minha perspectiva ser coerente e/ou fazer algum sentido no que se relaciona com os processos de engate (especificamente, gays, aos quais estou mais habituado lidar, por razões obvias).
O Pedro do “Quilt” decidiu reformular a minha “teoria” substituindo a dimensão (subjectiva) da beleza física pela atracção (ambas dimensões essencializadas). Isto é, o Pedro não deixa de considerar a beleza física um factor bastante valorizado nos processos de engate mas focaliza (ou prefere adoptar uma outra terminologia) a atenção especialmente na atracção (centra-se portanto na origem do processo – a força magnetizada a que chamamos atracção - e não no(s) alvo(s) desse mesmo processo – a beleza física, por exemplo). Esta perspectiva permite-lhe, ao mesmo tempo relativizar a beleza física e introduzir, de uma forma bastante original, um novo pólo de atracção que pode ou não actuar em conjunto com a beleza física – o magnetismo garbeniano (o Pedro chama-lhe o “culto de Garbo” mas a denominação parece ter a ver com uma ritualização e um treino modelar especifico em torno de um conjunto de posturas daí que prefira o termo “magnetismo garbeniano” para designar o inatismo da coisa e “culto de Garbo” para designar o treino performativo). Posto isto, e em termos práticos, uma pessoa pode ser bonita fisicamente mas se não tiver este magnetismo garbeniano, bem pode esquecer. Ou ao contrario: pode ser feia e, tendo este magnetismo, pode compensar ou ate mesmo “encobrir” a dimensão da beleza física. É esta a reformulação do Pedro (em termos gerais e segundo o que eu entendi).
Em certa parte concordo com esta estratégia do Pedro (relativização da dimensão da beleza física e introdução de um novo pólo de atracção). Discordo no entanto em equiparar estes dois pólos no mesmo nível (não que o Pedro o tenha feito). Isto é, a beleza física continua a ser uma força motriz primária. Tome-se o exemplo das redes sociais. Nas fotografias estanques (do facebook ou gaydar, por exemplo) não se tem a percepção exacta da postura, dos movimentos e do “ar” da pessoa mas (e apesar de também muito da beleza física envolver estas micrologias) da beleza física pode-se ter uma ideia mais vasta. Ela está patente no formato da cara e do corpo. Muitos dos friend request de face ou mensagens de gaydar/manhunt (reveladoras de interesses subterrâneas – in - confessáveis) baseiam-se neste factor. Não retiro valor ao culto de Garbo mas existe uma hierarquia entre ele e a beleza física onde esta apresenta-se como a dimensão primordial. O culto de Garbo é um excerto, um apêndice. Mais: o culto de garbo (eu continuo a preferir o termo “magnetismo garbeniano”) pode exigir um treino e a beleza física não. Poderar-se-á refutar que a beleza física de facto exige um treino (ginásio, plásticas, estratégias de utilização de vestuário, etc) mas, a priori, ela é muito mais natural – biologizada pois trata-se de corpos - do que o culto em si. Pode-se admitir também que o culto também é natural (quantas pessoas nós conhecemos repletas de charme sem nada terem feito?) mas não deixa de exigir uma regulação de determinadas posturas que só fazem sentido no campus social (sendo por isso artificializadas e interiorizadas por este). Em termos práticos pode-se então exemplificar: se uma pessoa bonita não tem o magnetismo garbeniano (exemplo daquilo que podemos chamar de “pessoas sem sal”) ela continua a ter a atracção advinda da sua beleza “natural” mas se uma pessoa feia tem o magnetismo garbeniano, pode seduzir/atrair mas os esforços empregues serão muito maiores. Esta posição (ilustrativa da supremacia da beleza sobre o “culto de Garbo”) carece de exemplos empíricos, dados científicos e sofre de generalizações abusivas (cada caso será um caso) mas não invalida a minha análise como sendo uma possibilidade bem real.
Convêm ainda salientar que as dimensões da beleza física podem ser múltiplas (cara, corpo, órgãos genitais, etc) assim como do magnetismo garbeniano (a postura, o comentário, o timing, o flirt, o charme, o distanciamento, as temáticas da conversa, etc). Por outro lado, o Pedro preferiu ignorar (propositadamente ou não) o factor “exigência” que complexifica a equação das atracções.
(Outras) dimensões de poder nos processos de engate
O Pedro abriu-me o apetite e decidi então discorrer sobre outras dimensões (para além - da ditadura - da beleza física e do magnetismo garbeniano) que se encontram (ou não) presentes nos processos de engate. Algumas delas podem-se integrar no culto de Garbo e/ou coexistir externamente a ele. A notar:
a) Factores imediatos e convenientes;
b) Factores mais pragmáticos (orientados sobretudo para o inicio/manutenção da estabilidade e regulação da relação ditas monogâmicas);
c) Factores etiológicos.
Conjunto A
Este conjunto é o agregado dos dados imediatos, isto é, aquelas informações que são necessárias para o estabelecimento (ou não) de um interesse que se quer mutuo. É a montra da loja e, pelo seu carácter decisivo e precoce, exige uma breve apresentação posterior. Este processo é muito comum nas redes sociais de Internet (ou outras: chats de televisão, etc) – espaço privilegiado de encontros gays – ou onde, pelos menos, estes dados, que devido ao desconhecimento do outro, fazem sentido. Convêm salientar que o nome, apesar de ser o primeiro factor a ser mencionado (por questões essenciais de identificação/referencia), não é decisivo para o suscitar de interesses. Não é por alguém se chamar Marcelo (e Marcelo é, à priori, um nome chic!) que suscitará algum interesse (embora esta hipótese não fique descartada!).
Idade
A idade é um factor decisivo e, quer queiramos quer não, quanto mais jovem mais apetecível (com os limites impostos em relação à idade do consentimento que ditam a sua legalidade/legitimidade). O fulgor erótico da adolescência nas comunidades gays é transversal (com muitas excepções, naturalmente). Idade está estereotipadamente ligada a beleza física. Fica fácil de perceber porque é que os gays mais velhos tem alguma dificuldade de arranjar alguém e recorram a outros tipos de estratégias de engate (prostituição, por exemplo. declarada ou implícita). O factor idade pode ser uma base para muitas discriminações na comunidade gay.
Localidade
É um factor a prezar pela acessibilidade a um/vários (possível/possiveis) encontro(s) publico(s). Neste insere-se o local de estudo/trabalho. Conhecer gays da mesma faculdade pode ser excitante para gays assumidos (principalmente pela gaydarização que isso transporta) ou um pesadelo para gays não assumidos. No trabalho (e pela ligação sacrossanta com o dinheiro que este estabelece) é mais complicado…
Conjunto B
O Carro
A posse de um carro, não sendo determinante para se obter conhecimentos, amizades, relações (casuais e/ou estáveis, etc), é fundamental. Por vezes, a posse de um carro (que exige alguma independência economica sendo per si uma mais-valia e representativo de um certo status de classe) suplanta a beleza física e/ou o magnetismo garbeniano (mg). Conhecem-se muitos casos de pessoas feias com muitos namorados e/ou amigos que desfrutam (usam e abusam) da posse do carro. Este representa mobilidade e esta é essencial, quer para visitar sítios não usuais, quer para as saídas nocturnas, quer para as oportunidades sexuais. Na comunidade gay, o carro tem (já teve mais) uma função crucial para a formação de relações pederasticas: o rapaz jovem de zonas interiores (ou suburbanas) que é levado pela promessa de emancipação para o centro noctívago por um homem mais velho em troca de algo mais que poderá ser uma relação (o carro é uma conveniência primaria ou secundaria então) ou sexo ou até mesmo amizades (e a quantidade de amizades define a popularidade de um sujeito, particularmente quando somada à dimensão da beleza física). Em suma (e esta é a perspectiva subterrânea – crua, reconheço -): ter carro é fundamental e constitui uma dimensão de poder determinante para o engate.
O dinheiro: a classe, a imagem, o ritual e a popularidade
O dinheiro move montanhas. Esta pequena frase do senso comum ilustra bem a importância que o dinheiro possui no iniciar de novas relações de todo o tipo. Relaciona-se não só com as possibilidades que o dinheiro permite/amplia (viagens, frequência de bares, etc) mas também com a imagem a que ele nos transporta (postura, roupas, etc). Podemos então delinear uma pressuposição: rapazes com dinheiro são populares (muitos amigos e namorados) particularmente se forem giros.
Conjunto C
Por exemplo, as posturas (algumas delas especificamente gays): o distanciamento (de outras pessoas gays, da comunidade gay – bares -, etc), ligado à inacessibilidade (desdém, por vezes, que pode assumir varias formas, desde do camp ao másculo), ou aproximação (embora o distanciamento seja, de longe, mais “homo-socialmente” atraente), os papéis sexuais (a sua ocultação) ou exarcebação do papel “activo” (ou passivo), o poder simbólico (intelectual, locus de controlo, conhecimentos estratégicos), etc. São estratégias de distanciamento/proximidade.
Papéis sexuais
Os papeis sexuais são cruciais na definição das relações sexuais mas também no estabelecimento de relações de amizade (até porque muitas relações de amizade podem derivar de anteriores relações sexuais). Sobretudo, é o poder simbólico associado aos papeis sexuais (e performance sexual) que (re) define a identidade de alguém na comunidade LGBT por motivos que exigiriam outros 500 postes.
1 comentário:
Fantástico! Só ontem é que vi o post. Este tema é fascinante, pela forma como o tratas. Faltam mais posts assim na blogosfera gay. Espera resposta minha no quilt, vou escrevê-la asap ;) abraço
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