segunda-feira, 30 de abril de 2012

Insólita Frustração

Parece que nos últimos tempos os homofóbicos (ou para usar um termo mais corriqueiro porque isto do “socialmente correto” é uma chatice: a “homofobicagem”) decidiram sair do armário se, em boa verdade, alguma vez nele estiveram. Já não bastava a neurose esquizóide de José António Saraiva e os seus fetiches homoeróticos tensionais de cariz pederástico, tinha que se juntar à festa o já “nosso” conhecido (ou como se diz na gíria, rodado) José César das Neves que, para quem não sabe, está para os gays em Portugal como o Adolf Hitler para os judeus ou a Merkel para os gregos. Uma pessoa dotado do seu perfeito juízo racional poderia simplesmente ignorar e não dar azo a controvérsias que precisam da contra-reação para se visibilizarem mas também considero que ignorar é reificar a legitimidade dos discursos alheios. Ou como diz o povo, quem cala consente e uma mentira contada muitas vezes ganha contornos de verdade. Em causa está um artigo (um dos seus muitos artigos sui generis) que José César das Neves escreveu no “Diário de Notícias”. O mesmo começa o artigo em tom sarcasticamente perplexo. Refere o dito cujo que é surpreendente que a questão da homossexualidade, assunto do foro privado como sempre foi (excepção feita às leis contra a prática homossexual, claro), tenha subitamente adquirido um determinado status quo (no caso de José César das Neves, status “cu”) no sentido da sua normalização. De facto, pensar que os maricas e as fufas são pessoas como outras quaisquer é algo bastante aterrizador principalmente quando esses maricas e essas fufas, minoria que de tão parca merece tamanha problematização, elimina a heterossexualidade como referência legal com o acesso ao casamento civil. Who these faggots think they are? Nesse sentido, já nos podemos dar por vitoriosos tal é o ressentimento. Mas a questão que merece a minha particular atenção é outra. Passo a transcrever:
“Alguém que é desprezado por ser judeu, mulher ou negro sofre por algo inevitável, que não depende da sua escolha. Mas isso é muito diferente da crítica contra atitudes pessoais, como cristão, comunista ou engenheiro. Em ambos os casos, a injustiça é comparável, mas no primeiro existe pura arbitrariedade, enquanto o segundo visa actos da responsabilidade da pessoa, que deve assumir as suas escolhas. Como diz o velho provérbio jurídico, "ninguém é preso por ser ladrão, mas por ser apanhado a roubar".”
A estratégia discursiva passa por rebuscar o histórico e eterno binómio “homossexualidade = escolha” para dela se atribuir uma determinada problematização moral ao mesmo tempo que distancia a identidade gay da identidade mulher ou da identidade negra (que é como quem diz, as mulheres e negros merecem direitos porque não tem culpa da sua condição, os gays não!). João César das Neves desconhece portanto que nem o sexo biológico nem a cor de pele são, hoje, caraterísticas que possamos admitir que são imodificáveis (e de facto não vejo nenhuma Igreja a tentar “curar” negros ou ateus ou minorias como os católicos que vão à missa). Mas presumindo que o/a leitor/a não é entendido/a em histografia gay passo a elucidar: na história das discursividades anti-gay e pro-gay (passo a dicotomia), os anti-gay e particularmente aqueles/as que são movidos por ideologias religiosas, defendem que a homossexualidade é uma escolha. Tal atribuição ao campo da escolha permite responsabilizar o indivíduo e atribuir-lhe uma carga moral. Algo do género: “se escolheste ser assim é porque quiseste; podias não ter escolhido”. O seu inverso, isto é, a ideia de que a homossexualidade é uma caraterística resultante de uma condição (como ter olhos castanhos por exemplo) e portanto a ideia de que a orientação homossexual estaria ligada a um qualquer dispositivo biológico (e vamos abstrair-nos do facto de existirem caraterísticas que trazemos de infância que, não sendo biológicas, são imutáveis como a linguagem), é o maior argumento dos ativistas gays e das ativistas lésbicas. Compreende-se porquê. Para lidar com tamanho ódio contra os/as homossexuais, admitir que o desejo homossexual não depende do indivíduo é automaticamente desresponsabiliza-lo. “Se ele/a já nasceu assim que culpa tem?”. Esta concepção é tão nítida que quando se refere que a homossexualidade é uma escolha; imediatamente um gay ou uma lésbica com o dedo em riste ripostará: “não é uma escolha! Eu não escolhi ser assim!”. Ora, a construção deste binómio tem que ser desconstruída urgentemente. Em primeiro lugar, porque a aproximação à gramática genética é meio caminho andado para a patologização da homossexualidade (“o gay já nasceu assim como um portador de Síndrome de Down também”). Na verdade, foi através do discurso beaviouriano da “biologia é destino” (coitada da Simone que nesse tempo ainda não era nascida…) que a homossexualidade emergiu no discurso médico em 1870. Tal concepção biocrática originou inequivocamente o despertar cínico da semi-tolerância; em segundo lugar porque é ridículo atribuir ao conjunto de desejos ou práticas sexuais uma raiz biológica (é a prostituição hereditária? Está nos meus genes que quero fazer sexo na praia?) quando não existe nada que seja mais sócio-construído do que a sexualidade pautada por valores, práticas, sentidos, experiências, discursos, regulações, normatividades, etc. Da mesma forma, podemos dizer que a heterossexualidade é natural se constantemente reafirmamos a necessidade da sua perpetuação? Aliás, a própria nomenclatura da heterossexualidade como “o modelo” arrasa com qualquer espontaneidade natural da mesma. A esse respeito, recordemos o discurso de Manuela Ferreira Leite aquando da sua interrogação da sua opinião sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo:
“eu não sou suficientemente retrógrada para ser contra as ligações homossexuais, aceito, são opções de cada um, é um problema da liberdade individual pelo qual não vou pronunciar: pronuncio-me sim, contra tentar-se atribui o mesmo estatuto àquilo que é uma relação de pessoas do mesmo sexo ao estatuto de [uma relação entre] pessoas diferentes (…) acredito que esteja a fazer uma discriminação porque é uma situação que não é igual (…) a sociedade está organizada e tem determinado tipo de benefícios, regalias e até de medidas fiscais no sentido de promover a família e a família tem como objectivo a procriação (…)”.
De facto, precisamos de promover o que é natural? Promoveremos os lírios! Promoveremos a gripe! Promoveremos a imbecilidade do César das Neves. Já Foucault – o bom e velho Foucault – dizia na sua obra “História da Sexualidade – A Vontade de Saber” que não devemos preocupar-nos em elaborar minuciosamente ontologias e regimes de verdade mas sim suster-nos nas descontinuidades e falácias do discurso que pretende ser o princípio universal. Nesse sentido, temos que romper com a concepção do discurso biologizante e reapropriar-nos do discurso de outrem, isto é, o discurso da escolha. Seguindo esta linha estaremos em condição de (re) afirmar que se a homossexualidade é uma escolha é tao legítima como escolher comer batatas assadas com bacalhau ou ir ao um restaurante chinês; como escolher ter ou não ter filhos; como um homem escolher ter ou não ter sexo oral com uma mulher; escolher votar ou não votar num partido de extrema-direita ou rezar ou não rezar a Deus; ler ou não ler a crónica do César das Neves (ou como escolher ou não escolher uma escola privada, como certamente concordaria o Governo). Enfim, afinal de contas, a liberdade de escolha é um princípio basilar das sociedades democráticas. Nesse ponto, concordo integralmente com José César das Neves, embora lamentavelmente não da forma como ele gostaria que concordasse (é nesta altura que cedo à tentação de colocar um smile no fim da frase). Mais adiante, outra frase suscita o meu interesse:
“Chamando "homófobo" a quem quer que, sem prejudicar ninguém, considere a prática uma perversão, confundem-se as coisas e comete-se uma outra discriminação, aqui por delito de opinião.”
Já muito disse eu num outro poste sobre “homofobia” e “liberdade de opinião” mas novamente concordo inteiramente com César das Neves. Na verdade, não se pode restringir alguém de não concordar com a prática heterossexual. Devemos sim tolerar os praticantes da heterossexualidade (como por exemplo aqueles/as que praticam o coito interrompido) mas devemos ter liberdade (a mesma que César das Neves procura vedar aos gays e às lésbicas) de não concordar com as práticas heterossexuais. Porque deveríamos? É legítimo um homem violar uma menina – como a sua própria filha – para manter a reprodução? É legítimo um heterossexual legalizar a poligamia para aumentar as probabilidades de reprodução? Na verdade, se concedemos liberdade de expressão a um homofóbico porque não a um assassino (Brievik, olá!), a um padre abusador de crianças, a um skinhead espancador de pessoas ou a economista espalhador de ódio. Na mente rebuscada dos homofóbicos, existe uma separação idílica entre a homofobia legítima e a homofobia ilegítima assim como os assassinos legítimos e os assassinos legítimos; o anti-catolicismo legítimo e o anticatolicismo ilegítimo. Ora, dizer-se que a homossexualidade é uma aberração e espalhar esta ideia doentia como um vírus é, além de irracional e ultra-subjetiva (está-se a adjetivar algo; é o mesmo que dizer que macarrão é uma aberração porque não gosto), equivocada. A ideia de que o discurso é neutral é profundamente errada. Não existem discursos neutrais pois todos os discursos produzem efeitos nem que seja silêncios. Mesmo quando se opina e se remata com um “é apenas a minha opinião”, já se está a influenciar outrem. Nesse sentido, dizer que a homossexualidade é uma perversão como um direito a uma opinião (dizer que o sol é castanho com bolas cor-de-rosa ou Jesus virá à Terra um dia) é simultaneamente ser a favor da sua patologização, criminalização, etc. em suma, suscitar o ódio contra outros seres humanos; a extinção das pessoas homossexuais. Ou vão-me dizer que uma pessoa que acha a homossexualidade uma perversão concorda com a adoção de crianças por parte de casais do mesmo sexo? E já agora, ocorreu-me: será que César das Neves considera o sexo anal heterossexual uma perversão? Pois, pormenores… Esta discursividade é o mesmo que dizer que aceitar que os gays respirem, tudo bem (doutra forma seríamos anti-vida), agora conceder-lhes os mesmos direitos quando já tem os mesmos deveres (afinal de contas até os “doentes” tem deveres…) é que não. Tem que haver uma escala hierárquica e os gays tem que estar na escala mais baixa e (mais importante que isso) ter consciência do seu estatuto. Nada de andar por aí a dizer-se que se é gay nessas marchas exuberantes e ultra-sexuais (excepção feita às marchas anti-gays como na Rússia, Letónia ou (pasme-se) Portugal (!) assim como às marchas católicas ou à beatitude do Carnaval do Rio de Janeiro). Como se sabe, a homossexualidade é um assunto privado como o “estado civil” no Bilhete de Identidade, o casal heterossexual na rua aos beijos e o José César das Neves porque afinal de contas não precisamos de saber que o mesmo é heterossexual (cof, cof). Como dizia no início, parece que a homossexualidade deixa de ser do escrutínio privado quando alguém se revolta por ela reivindicar o espaço público e… (tchan!) a retira do privado. É uma situação semelhante àqueles/as que referiam que existia coisas mais importantes para resolver do que o casamento entre pessoas do mesmo mas de artigo em artigo, de coluna para coluna, só falavam disso. Aliás, basta fazer uma contagem das temáticas exploradas por José César das Neves e trazidas a público pelos media para perceber este insólito interesse no tema; uns media que, a ter em conta a liberdade de opinião tao apregoada por César das Neves, se coíbe de apresentar contrarrespostas mesmo que transgressivas (imagino como sofrem todos/as aqueles/as que são contra a heterossexualidade e não se podem manifestar pela intolerância dos media e censura do “socialmente correto” e até mesmo por parte dos/as ativistas gays/lésbicas). Em suma, insólita inversão esta. De pessoas de bem, preocupadas com a dignidade da vida humana, com os elevadíssimos padrões da comunidade, a homofobia tornou-se uma caricatura de si mesma, apregoando um ultra-relativismo gritante e um ódio camuflado (na verdade, demasiado explícito) a pessoas que escolhem não seguir os seus padrões morais mas sim viver as suas vidas sem interferências nas vidas legítimas de outrem, esperando com isso, claro, algum resultado palpável que, mesmo em contexto de crise e neoconservador, continua a ser aquele que toda a gente conhece: gays a marcarem pontos, a homofobia a chorar na bancada. Insólita frustração.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Amo esta mulher.


E só não difo que é fogo porque faz mau contato com a Repsol!

O início do fim da crise?

Dedicado aos "pro-liberdade de expressão" do Sizzla



Forma original de protesto contra a lei russa que proíbe qualquer referência à orientação não heterossexual (chegando a equiparar a homossexualidade à pedofilia) com multas ou sanções até 7 anos de prisão. O video inspira-me!

Vaca Le Pen

Interrogada sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, Marine Le Pen, candidata da extrema-direita às Presidenciais Francesas responde ironicamente: "e porquê não a poligamia?". Alguém mate esta mulher? Obrigado.




Até porque matamos galinhas e vacas e cabras. Porquê não Marine Le Pen?

segunda-feira, 9 de abril de 2012

“Heteros, eu digo: morram!”


A frase que dá título a este texto tende a ter, no leitor ou leitora, efeitos ambivalentes que, por norma, oscilam entre o choque e o gozo. O choque porque parece-nos, à partida, desumano desejar a morte a quem quer que seja, particularmente em detrimento da sua heterossexualidade, e o gozo porque parece-nos ridículo e até arrojado que o sujeito ocultado (presumivelmente “não heterossexual”) possa ter o desejo de atacar heterossexuais, além de que a frase nos parece atípica por contraposição ao seu oposto (“Paneleiros/Fufas, eu digo: morram!”). Na verdade, não são todos os dias que se ouve que “os/as heteros deveriam morrer”. Em qualquer um dos casos, choque ou gozo, a frase suscita a perplexidade.

Não deixa de ser curioso que o seu homólogo, a frase “paneleiros/fufas, eu digo: morram” (note-se que nem sequer existem termos pejorativos para heterossexuais, de ambos os sexos), pelo contrário, se apresente como uma frase recorrente, banal, comum, e ainda hoje, presente no vocabulário de muita e “boa” gente. Na verdade, ao contrário do que acontece com outros termos derivados do calão e/ou assentes em qualquer tipo de discriminação como “puta” ou “preto/a”, usar-se termos negativos para a identidade homossexual e desejar a sua repressão, isolamento, violentação ou até mesmo morte parece ser bastante habitual. Mesmo com a desculpa que ao dizer-se “maricas” ou “sapatona” a intenção subjacente não é, de todo, ser-se contra os/as homossexuais, por detrás do termo, se esconde a carga estigmatizante da homofobia simbólica. E sejamos francos/as, nunca se poderá comprovar que num determinado contexto, uma pessoa não use esses termos para atacar implicitamente alguém homossexual para que depois possa rematar cinicamente: “oh, eu nunca teria usado esse termo se soubesse que você estava aí a ouvir…” quando, de facto, foi esse, desde do início, o propósito da pessoa. Normalmente é isso que acontece em casos de despedimentos de pessoas gays e lésbicas. A questão não deveria ser: “como se prova que se está a despedir alguém por ser homossexual?”, a questão deveria ser: “como se prova que não se está a despedir uma pessoa por ser homossexual?”. O efeito é o mesmo.

Ora, perante a frase que alimentou os meus dois últimos parágrafos, invertendo o termo “heteros” pelo termo “paneleiros” ou “fufas”, fica-se diante das rimas de uma das canções do cantor Sizzla cujo concerto foi na passada quinta-feira. Por isso mesmo, associações de defesa dos direitos de gays e lésbicas protestaram contra o concerto: Sizzla, cantor jamaicano de reggae, tem rimas nas suas canções que expressam um discurso de ódio contra os/as homossexuais, entre outro tipo de desigualdades (i.e., o sexismo). Nem sequer contra a homossexualidade (protejo-me antevendo discursos religiosos que idilicamente separam “ato” de “identidade”), contra as pessoas homossexuais. Fãs do cantor, perante a contestação das associações de defesa dos direitos gays e lésbicos que exigiam o cancelamento do mesmo, alguns/mas mais homofóbicos/as, outros/as menos, argumentaram que afinal de contas se trata de uma questão de liberdade de expressão, tentando desvalorizar os discursos que são claramente de ódio (não vejo que outro tipo de demonstração de ódio seja mais forte do que desejar a morte a alguém), argumentando que não é porque o Sizzla prega a morte dos/as homossexuais que alguém que o ouve vá matar de facto homossexuais (como se o discurso de “morte aos/às pretos/as!”, categoria na qual o Sizzla se parece encaixar, fosse menos grave porque afinal de contas eu até o ouço e não quero matar pessoas negras…), e tentando dramatizar a atitude dos coletivos gays e lésbicos fazendo deles umas virgens ofendidas (trata-se do argumento do gay panic conservador) ou, em última instância, um lobby opressor (trata-se do argumento relativista) que procura a todo custo censurar quem lhes opõe (claro está, as leis contra a violação sexual censuram os/as violadores/as e a proibição dos homicídios censura os serial-killers…) Em todos os casos, independentemente do argumento, o principal veículo legitimador do ódio homofóbico é a liberdade de expressão.

É nesta altura que me interrogo (esquecendo momentaneamente as directivas dos grupos de defesa dos direitos humanos que referem que liberdade de expressão não se pode, nunca, confundir com discurso de ódio): se um sujeito ou sujeita pode, no usufruto da sua liberdade de expressão, invocar a morte dos/as homossexuais porque raio de razão não pode um/a outro/a, também no usufruto da sua liberdade de expressão, desejar a morte aos/às heterossexuais? É essa a mensagem provocatória que procuro passar aos arautos da liberdade de expressão que, claro está, confundem “liberdade” com “vale tudo”. Com a minha estratégia sarcástica e, sobretudo, performativa, procuro abalar o argumento da liberdade de expressão, colocando o/a heterossexual no lugar do/a “Outro/a”, do/a estigmatizado/a, do/a diferente, do exótico, em suma, daquele/a que também é discriminado/a. Parece pois que a minha estratégia se distancia do apelo à tolerância pregada por ativistas gays e lésbicas que não anula, de forma alguma, a heterossexualidade de ter o poder de tolerar (note-se que a menção ao artigo 13 da Constituição da República Portuguesa não serve como motivo de cancelamento do concerto). Uma clara forma de dizer suplicando: “por favor não nos matem, senhores heteros!” e que soa, além de ser verdadeiramente humilhante, de forma ridícula a quem a ouve pois repercute a vitimização excessiva e sublinha o carácter vitorioso da homofobia (“eles/as sofrem!”), vitimização essa que, em muitos momentos históricos, serviu de justificação para salientar a patologização da própria homossexualidade (cf. os trabalhos de Evelyn Hooker). A título de exemplo ilustrativo, em conversa com um sujeito sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo e que se mostrava absolutamente contra, este diz-me: “vocês, gays, nunca vão ser felizes! Irão sempre sofrer!”.

Tenho plena consciência que a minha reação é perigosa. É perigosa porque pode cumprir algum dos propósitos da própria homofobia ao ser interpretada (convenientemente ou não) não como sarcástica mas como ontologicamente realística fazendo cumprindo a profecia auto-realizável da própria homofobia (“Estão a ver como os homossexuais são? Merecem ser discriminados!”) mas, mesmo correndo-se o risco de fomentar o preconceito com uma escalada de violência ímpar, não deixa de ser poderosa porque para discriminar é preciso TER O PODER de discriminar. Ter o poder de nomear. Ter o poder de julgar. Ora, historicamente os/as homossexuais não tiveram o poder de o fazer. Pela primeira vez na História, hoje mais do que ontem, os gays e as lésbicas tem o poder de se transformarem em objetos de discurso a sujeitos/as de palavra (o que tem acontecido nas últimas décadas), uma palavra que, claro está, é heterogénea e plural mas que não é por causa disso que é menos válida.

Quando eu uso a frase “os/as heteros deveriam morrer” eu devolvo (sim, soa pretensioso) aos/às homossexuais esse poder que lhes foi retirado extraindo a hegemonia do poder aos/às heterossexuais. Um poder de nomear, de julgar, de controlar. É por isso que a frase causa indigestão afinal de contas trata-se de “paneleiros com poder” (fufas seria ainda mais atípico). Essa indigestão é visível nos comentários que me são dirigidos nos grupos do facebook por indivíduos que não se atrevem a criticar a homofobia (quem cala, consente) e cinicamente, fazendo uma interpretação leviana ou falsamente ingénua (aquilo que eu chamo de “má fé”) da minha ironia, simulam o papel das virgens ofendidas, as mesmas virgens ofendidas que os/as fãs do Sizzla tentam fazer dos gays e das lésbicas. Interrogo-me se essa indignação alguma vez se canalizou para a homofobia. Afinal de contas eu não tenho a projeção de um Sizzla e pareço ser peça rara na comunidade LGBT (ou não).

Numa outra perspetiva, os ativistas gays (e agora falo para os gays), invés de representarem unidade, preferem contrariar e focalizar no meu discurso “heterofóbico”. Essa estratégia, penso, é uma forma socialmente correta de mostrar à sociedade (essa amálgama de gente que parece mais uma entidade abstrata mas heterossexualizada do que uma composição de sujeitos heteros, gays, lésbicas, trans, negros/as, ciganos/as, judeus/ias, etc) e portanto aos/às heterossexuais como é ser, como dizia o Foucault, o bom sujeito queer, o bom gay, o homossexual exemplar que acredita no mundo gandiniano como descreve Lennon em “Imagine”. Ora, nada melhor do que ser-se “o bom gay” fazendo dos outros gays “maus”, porque, já se sabe, que uma realidade só pode ser definida por oposição a outra que é discursivamente produzida como não sendo da mesma substância (homem/mulher, negro/branco, pobre/rico, etc). As definições reiteram-se nas suas não definições, isto é, algo se define expressando aquilo que não é.

Este binarismo “gay bom/gay mau”, fictício mas desigual quanto às lógicas do poder, encontra-se muito presente nas discursividades do género: “eu sou gay mas não sou bicha”. A bicha, identidade subalterna (ou subalternizada) surge, além de uma identidade fantasmagórica (afinal de contas, fala-se de algo que nunca se materializou; penso nos jovens gays e os seus medos e estratégias de aceitação pós-coming out), como um corpo abjecto, perfeito escape goat que expia a “condição” homossexual do gay e procura justificar a tolerância do hetero. Uma estratégia que, claro está, é desigual (em nenhum momento, ouvi um hetero a exclamar: “eu sou hetero mas não sou machão”) e que representa toda a tentativa justificadora dos gays. Tomemos o caso da pretensa promiscuidade gay (assumindo “promiscuidade” como conceito adquirido, sujeito a juízos de valor morais no sentido da sua condenação; lembro que este texto é um artigo de opinião e, embora, reflita as minhas leituras teóricas, não é certamente um texto científico). Perante uma acusação deste género, uma pessoa gay diria comummente: “há estudos que demonstram que não somos promíscuos”. Ora, em nenhum momento ela ataca a heterossexualidade: “e vocês, heteros? Pornografia, prostituição, engates em festas universitárias, publicidade, etc, etc, etc?”. Voltando à questão do “sou gay mas não bicha”, argumentando que o sistema de sexo/género é uma forma simbólica de enunciado da orientação sexual (What’s public? What’s private?), a crítica à bicha, o gay efeminado (note-se que a palavra “efeminado” representa uma anti-naturalidade e não uma ontologia como “feminino”; portanto dizemos menos frequentemente lésbicas “masculinizadas” , mais “lésbicas masculinas”, também porque o ponto de vista é sempre masculino-heterossexual) mantém o sistema heteronormativo intacto: há homens que tem práticas heterossexuais e homens que tem práticas homossexuais, todos eles são masculinos. Se todos são masculinos logo todos serão heteros (o que é infundado de facto, mas em termos de imagem do social é a heteronormatividade que prevalece). Defendo por isso a separação “gay/bicha” e a defesa dos direitos das bichas do preconceito de heteros, e gays. Além deste exemplo, posso usar outros exemplos em que discursividades que ora parecendo emancipatórias pró-gay são na verdade armadilhas ora ocultam forças de poder que na verdade precisam de ser expostas (i.e., os arautos da discriminação contra os bis que ocultam o facto de os bis se vangloriarem da sua superioridade face aos gays; a tensão vivida entre a defesa da identidade gay e a renúncia ao homoerotismo homofóbico; a prostituição masculina e a cedência do poder aos heteros prostitutos, o “ninguém precisa de saber que és gay”, etc).

Esta homonormatividade bajuladora da heteronormatividade (e/ou derivadora dela) acaba, ao evidenciar a factura interna desestruturante da comunidade LGBT, por ser cúmplice da própria homofobia invés de ser tomada como mais-valia. É nesse sentido que a minha estratégia performativa não procura só contrariar os arautos da liberdade de expressão, mas consciencializar a dita comunidade LGBT para o seu agir (vou reapropriar-me de uma expressão irónica) “socialmente correto”. Será preferível (usando o discurso do “homossexual enquanto espécie”) os gays atacarem um dos seus membros ou atacarem a homofobia? A resposta pareceu-me clara: é preferível atacar e domesticar um dos membros até porque é também mais seguro. Nesse sentido, ao renunciarem o poder de discriminar, os gays acobardam-se perante (e bajulam) o poder reiterativo da hetero (sexualidade/normatividade) (algumas leituras poderiam indicar uma troca da identidade empoderada pelo homoerotismo fetichista e sádico mas eu deixo para Freud explicar).

Essa problematização, quer da homofobia quer dos ativistas gays, em torno da minha “heterofobia” (e à qual eu advertidamente ajudo a fomentar) revela, como dizia no início, a perplexidade perante o poder gay, afinal de contas, como é aquele paneleiro se atreve a ser contra os heteros? Ora, essa perplexidade demonstra portanto o poder reificante (da naturalidade) da heterossexualidade que é por isso produzida como sendo a sexualidade legítima, moralmente superior, inabalável e inquestionável. Essa muralha de intocabilidade e subsequente naturalização surge nas palavras dos próprios fãs do Sizzla: é normal a sociedade expressar o ódio pelos gays. É normal a sociedade discriminar a diferença. Com alguns/mas miúdos/as com quem eu falei, no âmbito de um projeto académico e que tinham atitudes de bullying contra outros/as, essa naturalização aparece sobre a forma do “ele ou ela já está habituado/a!”. De facto, quando o/a sujeito/a oprimido/a é um/a, é natural que constantemente ele ou ela o/a seja (vale lembrar o caso da violência doméstica) e portanto reproduz-se e justifica-se a desigualdade sedimentando a ideia da norma que (tem o poder para) exclui(r) e do desvio que é excluído e só se pode resignar (pois não tem poder de excluir); como poderia ser de outra forma? O problema coloca-se quando se inverte a lógica e hierarquia do poder. As estruturas abanam, a sociedade vacila, a heterossexualidade treme. De facto, não acham estranho que a minha reação “heterofóbica” (possivelmente serei o único a pensar desta forma) suscite mais problematização do que a homofobia, essa sim histórica, relativamente universal e constante?

Claro. Os propósitos podem descambar para uma pretensa guerra civil utopicamente ganha pelas maiorias estatísticas que parece ser a heterossexualidade mas, nesse pressuposto, fica evidente a contingência do poder. A dominância heterossexual não encontra os seus fundamentos numa espécie de racionalidade moralmente superior mas apenas num fortuito critério numérico. Se um milhão de pessoas disser que a lua é cor-de-rosa por oposição a meia dúzia que refere que a lua parece ser branca por reflexo do sol, a lua passa mesmo a ser cor-de-rosa. É isso que aconteceu com as teorias da rotação da Terra e do Sol. As verdades são fruto de contextos históricos, produzidas por regimes de poder e por grupos de pressão que para muitos pode ser um tal “lobby gay” para outros a Igreja Católica ou outros grupos religiosos embora neste caso o grupo de pressão seja o mais numérico, o heterossexual.

Em suma, o meu jogo com a alteridade num contexto pós-moderno onde se tende a assistir ao fim das grandes narrativas (sexuais) acaba por ter os efeitos que eu próprio antevira: heteros que me usam para justificar a morte aos paneleiros, paneleiros que do lado deles gritam contra mim. A minha proposta para esse impasse (que não é novo) verdadeiramente aberrante é o jogo duplo: sem cair em essencialismos redutores, proponho a maior unidade da comunidade LGBT, ela própria diversa, perante a homofobia; uma unidade empenhada na luta por uma cidadania política e uma dignidade pública, efectiva e intransigente. Simultaneamente defendo estratégias queer que desfragmentam e expõem de forma crua o essencialismo conservador estilhaçando as suas bases construídas em terreno fluido.

Como sei que a minha proposta é colocada em termos de uma tensão que é preciso constantemente vigiar e regular opto pela assumpção da desestabilização e reafirmo como um eco reiterativo ao som do tão pacifista (!) reggae (nestas coisas não temos que nos justificar): “HETEROS, EU DIGO: MORRAM!”.

Ass. Hugo Santos, licenciado em Ciências da Educação, teórico queer e bicha.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

M.D.N.A, uma pop que vicia e Madonna (ainda) é Rainha.



Depois de tanto tempo de interregno, Madonna regressa com novo álbum e, para não ser muito diferente do habitual, quando regressa, regressa em cheio o que não significa necessariamente que as suas escolhas sejam as mais acertadas, do ponto de vista de muita boa gente na qual eu tenho o obséquio de me (auto) incluir.

“M.D.N.A” surge envolto em polémica ou não fosse um álbum de Madonna. Diz-se que “M.D.N.A” é um trocadilho com o nome da cantora e, simultaneamente, uma referência ao mdna, um princípio ativo encontrado no ecstasy. Ora tal indagação, a par dos mais recentes bate-bocas com Deadmaus, dá a entender que Madonna faz apologia da droga como se o facto de eu ver anúncios na T.V. sobre a esfregona da Vileda me faça hipotecar a casa só para comprar uma centena delas. Caros e Caras amigos/as, Madonna é, por si só, uma droga e (só para não dar o ar de moralista) as drogas fazem parte da nossa cultura. Like it or not!

Controvérsias à parte, vamos ao que interessa. “M.D.N.A.” foi recebido pela crítica com louvor. Parece que a cantora se quis redimir do malogrado e (sejamos francos/as!) despersonalizado “Hard Candy” e tal redenção valeu-lhe o, outrora reticente, título da Rainha da Pop, até então disputado entre as pupilas Spears e GaGa (Aguilera morreu, Perry é uma anedota, Minogue faz muito sucesso mas só na Austrália, Rihanna e Beyonce são demasiado negras para destronar Madonna – e não, não é um comentário racista! –, Jessies J’s e afins ainda comem Nestum). “Madonna é ainda a Rainha!”, é o grande lema.

Bem, não quero ser desmancha-prazeres. De facto, o álbum supera o descartável “Hard Candy” ou o insosso “American Life” e cumpre o seu serviço de música pop de qualidade para a comunidade, contudo (e teremos que reconhecer) não chega aos calcanhares de um “Confessions on the Dancefloor” (CDF) ou a um “Ray of Light”, (só para citar os mais recentes trabalhos) mesmo que Orbit tenha sido recrutado. Isto porque algumas vozes compararam o “M.D.N.A” ao CDF. Sim, se houver uma versão hardcore e intensificada do CDF, aceito, só que “M.D.N.A.” tende a ser mais diverso (o que não é necessariamente bom; coloca-se o problema do “Bedtime Stories”: álbuns sem linha ideológica) e a ideia de que Madonna “faz mais do mesmo”, evidente em “Hard Candy”, continua firme e hirta como uma clave de sol. Desde meados da década 2000 que Madonna passou de pioneira a seguidora de modas. Como diz uma amiga, afinal de contas ela tem que pagar o colégio dos filhos.

Em termos de conteúdo propriamente dito, “M.D.N.A” rebusca a Madonna dançável, intensifica o disco-sound pueril e rosado dos anos 80 transformando em HI-NRG pós-90 (ou não estivéssemos a falar de produtores como Marco Benassi), o que é um risco para quem não consegue visualizar a Madonna como uma milf (as más bocas diriam “idosa”) que é fã de tunning, e integra, ora canções de R’N’B urbanizado (a nova pop made in E.U.A. do século XXI), ora a introversão bjorkiniana de William Orbit. Tudo isto com uma obscuridade que, ao mesmo tempo que reforça o lugar de poder de Madge, torna incompreensível o lado vivo de canções como “Turning Up The Radio”.

Não se pode dizer portanto que estamos perante uma obra-prima (uma masterpiece) mas sem dúvida que, como entretimento de massas, o álbum serve os seus propósitos e a fórmula, apesar de usada (a presença de Orbit é flagrante como prova de algum desespero), surte efeito. Tanto surte efeito que vou pagar cento e tal euros para a ver a Coimbra. Nunca a cidade universitária terá tanto desencanto na despedida.

Faixa a Faixa

Girl Gone Wild


2º single de “M.D.N.A”. Muito burburinho causou as acusações de plágio sobre a escolha do nome. Uma indústria pornográfica reclamou o uso exclusivo da expressão dizendo que Madonna estaria a plagiar e a manchar a marca de filmes “Girls Gone Wild”, obrigando a cantora a retirar – Madonna diz que retirou porque “sim” – o insignificante “s” do título da canção. Santa presunção! Madonna estaria seguramente até a publicitar a marca e portanto a auxiliar, além de que escolher esse nome para uma marca de filmes pornográficos é tão original como escolher “Missa” para uma reunião numa Igreja ao Domingo ou “Snoopy” para um cão. Desavenças à parte, a música parece conciliar o epicentro da dança pop atual – a sensação eurodance – com a bagagem sexual e religiosa da cantora. Com uma sonoridade que remete ora para “Sorry”, ora para os hits bobos de um DJ de Verão qualquer; “yeah yeah yeah” não é refrão que se apresente. Madonna expia os seus pecados do costume recrutando Jon Kortajarena e os Kazaky, com muito homoerotismo (dois moçoilos trincam uma maçã com muita ânsia remetendo-nos para um Éden gay) que faz parecer “Alejandro” de GaGa uma piada. Maior piscadela ao público gay seria impossível. O monocromatismo black & white remete-nos para “Vogue” e “Justify My Love” e mais uma vez Madonna, uma vampira no clipe, sacrificou o seu vanguardismo em nome do mainstream (se bem que há que dizer aqui que o voguing de Kazaky tinha sido primeiro redescoberto por Madonna há vinte anos atrás). Em suma, Madonna, estás perdoada.

Nota: 5

Gang Bang


Esta talvez seja a maior surpresa do álbum e as postagens no facebook provam-no. É uma canção negra onde Madonna exorciza (talvez) o seu divórcio, descrevendo calmamente, como uma boa bitch, o horror que irá fazer no rival, com muitos tiros e sirenes da polícia à mistura (por momentos lembro-me da canção de Nancy Sinatra, “Bang Bang”); é muito diferente do que tem sido feito (“Justify My Love”, olá!). Produzida pelos novatos Demolition Crew e escrita por nomes como Mika (quem diria!), bem que poderia, como suplicou a própria Madge, ter um clipe realizado por Tarantino. O caráter progressivo da canção levam Madonna a gritar “DRIVE BITCH!” no final e parece que, mesmo com palavreado ousado e violento que impossibilita a canção de chegar às televisões intacta (lembram-se de “What It Feels Like a Girl”?), pouca gasolina seja gasta para um grande hit.

Nota: Posso dar 100? 5

I’m Addicted

A canção que goza com a metáfora do título de álbum não poderia faltar. Envolta numa sonoridade que nos relembra o jogo do Tetris e de nomes como Hot Chip, The xx ou Crystal Castles, a canção é soturna, com um vocal grave mas que descamba facilmente para uma proliferação de sons eletrónicos. Madonna está viciada no amor e nós em “I’m Addicted”.

Nota: 5

Some Girls

Quando Cher usou o vocoder estava longe de imaginar a sua utilidade. No caso de “Some Girls”, trata-se de um exagero. Mesmo assim, com um refrão infantilóide que tanto nos remete para Blondie, a canção não deixa de ser uma boa forma de pisar terreno eighties e os clubes mais duvidosos da cidade.

Nota: 4

Turning Up The Radio

Cara chapada de Martin Solveig: Alegre, bem-disposta e solarizada. Por momentos parece haver piscadelas de olho a “Hard Candy”, com uma Madonna girlie de totós a saltar às cordas, mas tudo se resolve com umas batidas bélicas sobre uma sonoridade disco brilhante potencializada pelo sintetizador. Madonna pede para ligar o rádio. Para quê? Ponham “M.D.N.A.” a tocar… Mal? É enjoativa!

Nota: 4

I Don’t Give A …

A canção que valeu a parental advisory a “M.D.N.A.”. É também aqui que as descontinuidades sonoras começam, enveredando Madonna por um rap inusitado (desde de “American Life” que a Rainha não se aventurava nestas andanças!) que reporta a sua vida familiar atribulada. Crise dos 50? Nunca o saberemos, mas parece que Nicki Minaj tem culpas no cartório. Tirando isso, a canção rebusca o frescor do R’N’B mais atual, sem cair em melodramas jamaicanos típicos de Rihanna, e finaliza com um som orquestral megalómano que bem poderia ter sido explorado aquando da sua atuação no SuperBowl enquanto Cleópatra. Avé!

Nota: 4 (Ela também não give a fuck!)

Gimme All Your Luvin’

Enquanto canção que ironiza as rivalidades com as discípulas (uma ironia que vai desde letra até à imagética de milf cheerleader; relembro que Spears começou como colegial…), seria perfeita. Uma ironia que se repercute na presença (ou utilização) das duas vozes mais sonantes do alternativismo anti-mainstream: Nicki Minaj e M.I.A., trajadas a rigor. Agora enquanto canção para ser levada a sério, tenho as minhas dúvidas da sua qualidade. É galvanizante, tem um refrão viciante mas é esquecível após algumas audições como a pastilha elástica que nos adoça a boca mas passados cinco minutos cuspimos no chão. Solveig cumpre tudo ao pormenor, inspira-se na pop-surf dos Beach Boys certamente e Madonna dá todo o seu amor. Fica por explicar no entanto a parte do clipe, produzido por Mert & Marcus, em que Madonna enverga um vestido branco numa dança muito sem sentido com as suas partners. SHA-ME-ON-YOU, Madonna!

Nota:
4

Superstar

Canção inofensiva, com a presença vocal de Lola, onde surgem as referências a figuras como Marlon Brando ou Travolta tal como em “Vogue”. Na verdade demasiado inofensiva.

Nota: 3

I’m a Sinner

Mais uma provocação onde sexo e religião se procuram conciliar. Como em “Superstar”, ao nível da sonoridade, não passa de um pop inofensiva sem house suado à vista. É perfeitamente cantarolável e por momentos faz lembrar aquela onda jazzie de Adele.

Nota: 3

Masterpiece

Canção que serviu de mote para o filme “W.E.”. Madonna canta sobre ser a Mona Lisa e apaixonar-se por uma obra-de-arte, podendo apenas “olhar e não tocar”. É claro o intimismo de William Orbit. Desde da fase do Evita que Madonna não explora a bonança com uma pitada de gipsy sound, influência dos seus companheiros dos Gogol Bordelo. Obviamente não é uma obra-prima mas dá para desfrutar.

Nota: 3

Love Spent

A tentativa de ir capturar novas sonoridades é evidente. Desta vez é aos acordeões romenos já esmiuçados por Edwad Maya. A nível lírico, tal como em “Material Girl”, Madonna ironiza sobre o amor e o dinheiro e o resultado é uma canção como manda o cardápio: inteligente, dançável e que (a propósito) dá para o gasto.

Nota: 5

Falling Free

Convêm dizer que “Falling Free” está absolutamente descontextualizada no álbum. Excepção feita a esse facto, a canção trata-se apenas de Madonna a cantar sobre um minimalismo instrumental com um vocal bastante forte emocionalmente, quase alpino, e até dramático. Efeitos da Kabalah? Whatever, não ficava nada mal num “American Life”.

Nota: 4

Bónus Track

Beautiful Killer

Não consigo compreender como é que uma canção como esta fica reduzida a uma bónus track. “Beautiful Killer” (não “Stranger”) não é nada de especial: é pop básica, com tons eletrónicos quase inaudíveis e uma letra que procura explicar uma atração presumivelmente fatal. Mas é inexplicavelmente bela e hipnotizante. Beautiful Song, só não mata.

Nota: 5

I Fucked Up

No seguimento de “I Don’t Give a …”, “I Fucked Up” (apesar de, salvo seja, meter muita fuck), é uma ode ao R’N’B da atualidade, rebuscado da ida década 90. Começa como balada à guitarra e vai evoluindo com uma Madonna a lamentar-se, pedindo desculpas (que foi? Madonna também erra!), sobre os erros do passado. Mais catarses sobre o divórcio e Madonna f**** o álbum.

Nota: 4

B-Day Song

Intragável! Parece que voltamos ao psicadelismo moderado de Beatles num álbum que é tudo menos pop mod. Soprem as velas e peçam um desejo: “Madonna, por favor, retira esta canção do álbum!”.

Nota: 2

Best Friend

Outra canção incompreensível que vai beber a um R’N’B alternativo sem sentido e enfadonho.

Nota: 2

Favoritas:
Girl Gone Wild, Gang Bang, I’m Addicted, Beautiful Killer, Love Spent

Nota do Álbum: 4 (ideal para quem gosta de “Music”).

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Mi aguardchi!

Este blogue está ainda em stand by mas this I swear you, ele regressará.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Pausa

É altura deste blogue hibernar durante algum tempo.

Frase da Semana



«A minha vida é como um circo: sou o leão e o meu próprio domador» Eu mesmo

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Kadafi


Parece que o fim do mundo não acabou sexta-feira como tinha sido previsto mas para Kadafi foi exatamente isso o que aconteceu.

Feriado do Estado Laico

Feriados a serem extinguidos? Sexta-feira de Páscoa, Corpo de Deus, Assunção de Maria, Todos os Santos, Imaculada Conceição.

É vergonhoso eliminar os tempos livres da população mas já que se tem que o fazer (ok, é discutível mas...) eliminam-se os feriados religiosos. Vivemos num Estado Laico não?

P.S. O Governo em negociação com a Igreja. Sempre aprendi que não se deve negoceiar com organizações terroristas...

Alienação

A crise não é só de cariz económico mas também é uma crise de valores. O capitalismo cria indignação mas também alienação e indiferença. Aliás, consequências de indignação sem efeitos concretos (o risco das manifs...).

Creio que para essa "banalização do mal", como diria Arendt, estou a contribuir com a exibição do video mas é preciso por vezes olhar no espelho para ver à indignidade a que se pode chegar.

A anorexia do Estado continua

Os funcionários públicos recebem mais do que os privados. disse o primeiro-ministro. Pois

Mas os funcionários públicos são mais qualificados!

What?


Se a falta de inteligência cultural fosse um segredo da Cátia já estaria descoberto. A África é um país da América Latina?! Estamoa sempre a aprender...

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Sabia que a EDP provocava apagões...


... mas não deste género.

Há que chamar o boi pelos nomes


Susan Sarandon chama o Papa de nazi.

Para o diabo que vos ranking


Todos os anos a mesmíssima coisa, tão certo como o Natal calhar a 25 de Dezembro (variando apenas a existência ou não do seu respetivo subsídio) ou o Alberto João Jardim continuar a governar a Região Autónoma da Madeira (sempre com buraco, variando a descoberta ou encobrimento do próprio, mas nunca mudando a impunidade do dito cujo…). Falo evidentemente dos rankings das escolas que anualmente fazem as delícias dos/as voyeurs e dos/as opinion-makers, põem à tona a preocupação dos/as encarregados/as de educação e consequentemente dos/as professores/as e marcam o debate político informal (o blogue, o jornal, a rede social). Igualmente, todos os anos o rejubilar desdenhoso das escolas privadas sobre as escolas estatais (exceptuando quando as madalenas ofendidas exigem financiamento do erário público), todos os anos as retoricazinhas de vão de escada sobre a maravilha do privado, para um povo privado de si mesmo, todos os anos as más interpretações dos resultados (ou aquilo que em pedagogia se denomina de “performance”). Apetece exclamar: para o diabo que vos ranking!

Ora, para nos situarmos e começarmos por destruir algumas falácias que entorpecem o debate, não se deve nem se pode confundir “performance” com pedagogia propriamente dita, ou dito de outra forma, não se deve nem se pode misturar output com input (como se a explicação de uma realidade estivesse meramente nos seus efeitos ou vice-versa). E porquê? Pelo simples facto de não se poder justificar a suposta superioridade das escolas privadas por si mesmas - ou com base numa espécie de mérito, desempenho ou esforço inerente e inato – mas sim de condições objetivas, estruturais e extrínsecas que as fazem, por norma, liderar os rankings das escolas, sabendo claro que essa história dos rankings revela precisamente uma “necessidade” externa e ampla de competição e portanto é discutível (até porque se deve interrogar se, legitimando-se a competição, se trata de uma concorrência leal ou desleal). Em suma, parte-se do equívoco que as escolas privadas são melhores devido a uma ontologia da sua essência, uma espécie de código genético que as sustenta, uma característica intrínseca que marca a sua “natural” superioridade. Nada de mais errado.

A escola pública, porque pressupõe igualdade (de acesso, de oportunidades, de garantias, etc) serve particularmente as classes socialmente desfavorecidas conjuntamente com uma vasta e por vezes relutante classe média e uma parcela residual q.b. de classes médias-altas. Ora, as classes socialmente desfavorecidas são, grosso modo, desprovidas de capital económico mas também capital cultural e social; capitais esses essenciais para a formação e ascensão de um/a e qualquer sujeito/a no sistema educativo – e por extensão, social, económico e profissional – e, segundo as escalas, essenciais para a avaliação de qualidade dos ditos rankings. Em súmula, o privado não é melhor por obra do espírito santo, é melhor pela proveniência social dos alunos e das alunas, por norma, bem dotados/as de capitais e recursos (e quiçá, cunhas) que lhes permitem singrar. O discurso tresloucado da meritocracia tem rédeas curtas e tal, atenção!, não é negligenciar a importância da ascenção social e a valorização do empenho mas reconhecer que existem fatores que lhe são consubstancialmente externos.

Ricardo Paes Mendes usa uma ilustração ótima:

«(…) se alguém afirmar que os apoios públicos a estágios para recém-licenciados são um sucesso porque os estagiários encontram emprego ao fim de pouco tempo, devemos perguntar-nos se os estágios não estão a ser dirigidos para indivíduos cujas licenciaturas de base garantem à partida maior empregabilidade»

Outro fator está na origem desta disparidade público-privado e deve-se, como refere Nuno Serra evocado por Francisco Louça, à divergência geográfica. Na verdade, a escola do Estado encontra-se distribuída por todo o país, ao contrário da escola privada localizada essencialmente no perímetro litoral (área geográfica produtora de lucro e onde se localizam grandes partes dos serviços). De facto, no interior são 48% de escolas públicas contra 22% do privado. Tendo em conta que o privado encontra-se localizado fortemente no litoral, desresponsabiliza-se assim da garantia de um ensino universal e gratuito (aliás, nem é esse o seu desígnio já que o seu verdadeiro intento é a produção de lucro), percebe-se que a proveniência social dos/as estudantes continua a fazer sentido como critério magnus de verificação de qualidade dos rankings mesmo que disfarçada de explicação naturalista da ontologia do privado.

Outra questão prende-se exatamente com a natureza dos rankings e o sistema de avaliação. Serão os exames o único indicador da qualidade do desempenho das escolas? Os resultados, que muitas das vezes nada tem que ver com as aprendizagens (quem, - como a esmagadora maior parte das pessoas – andou na escola sabe que decorar e despejar, muitas vezes no dia anterior aos exames, é a regra), valem mais do que os processos de aprendizagem, formais e informais, que tem lugar na escola? Parece-me pois que a performance e o poder estatístico, porque são, á partida, neutros, procuram elucidar positivamente a coerência da avaliação. Erro crasso. O resultado não vale mais do que o processo. E, antecipando aquilo que os/as arautos/as da objetividade possam rebater, a subjetividade também se avalia. Pois então que variáveis específicas para avaliar? Tendo em conta o que foi dito anteriormente: por exemplo, o background social, económico, profissional e educativo dos/as encarregados/as de educação (ou não fossem esses critérios definitórios, embora limitativos, de “classe social”), as condições de conhecimento e acesso, por exemplo, a bens culturais ou espaços para estudo ou ajuda ao estudo, a organização da escola e a constituição das turmas, a qualidade do ensino dos/as professores/as (subentende-se que a relação cognitiva com os conteúdos é muitas vezes e implicitamente assumida como distanciada da relação com os/as professores/as o que passa por ser outra arteirice), a relação com os/as colegas, a geografia da escola, etc. Aliás, como avaliar alunos/as cujo encarregados/as de educação tem o dobro (ou o triplo, ou o quadruplo, ou…) do salário do/a professor/a que atribui a nota? Como avaliar a coerência, a fiabilidade e a justeza da nota atribuída?

O cheque-ensino tem sido outra questão que merece ser debatida. Acho particularmente interessante quando os/as neoliberais apregoam as boas novas do cheque-ensino com o lugar-comum da “liberdade de escolha”. Pergunto-me: se houvesse a possibilidade de os/as encarregados/as de educação escolherem a escola da sua “prole”, escolheriam as do setor público? Penso que não, por questões que são óbvias, nomeadamente, a ideia enganadora, e desconstruída aqui, de que as privadas são melhores ou o status simbólico (e ilusório) que a frequência nas privadas concede às famílias dos filhos e das filhas que as frequentam. Ora, importa refletir: isso não a) minaria a própria liberdade de escolha? b) pauperizava ainda mais o setor público pondo em causa a igualdade de acesso? Contudo, é isso que tem acontecido com uma parte da classe média iludida pela publicidade enganosa.

Todos os anos a mesmíssima cegueira de quem não vê – ou não quer vê – o que parece ser evidente e cristalino como água: embora na esteira do desenvolvimento da escola pública, com as suas crises e consolidações, o privado não é melhor. Apenas é socialmente construído como melhor (pelos media, por exemplo). Na verdade aquilo que parece natural, é de facto profundamente artificial. E isso não é privado no sentido de secreto, dissimulado, obscuro, encoberto, mas sim público no sentido de manifesto, notório, conhecido, patente.

Nossa, que biolência!