quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Lua nova (Eclipsou...)


Não acho muita piada :/

Ainda bem que o "G" é consoante


Existem coisas que me irritam solenemente. Uma delas é o novo anúncio publicitário ao site do aeiou. E porquê? O anúncio faz uso daqueles discursos pacholas sobre diversidade “não importa a tua raça, o teu sexo, a tua religião, etc” para explicitar que todos esses aspectos são irrelevantes para se usar o site. Até aí nada de censurável.

A questão é: e porque é que não se menciona a “orientação sexual”?! Porquê?! Fuck, até parece que os gays não se conhecem nas salas do Kamasutra e do Cupido (apesar das homofobias que por lá andam…). Ah, e não me venham dizer que no anúncio aparece um pin com a bandeira LGBT porque

a) muitas pessoas não associam aquele símbolo à causa gay;

b) o ícone não é mais forte do que a simples mas poderosa menção: orientação sexual.

Estas merdas invisibilizantes irritam-me mais do que a homofobia de vão de escada.

Dr. Veadinho responde:


“A minha mulher trocou-me por outra mulher. O que é que eu faço?” José, Aveiro – Maria (s/d)


Oh filho, tens bom remédio: arranja um homem!

Brüno - Revisão

No fim-de-semana passado revi o mockmentary Brüno. É uma peça de humor para lá de inteligente.

O inicio revela já uma tentativa de chatear a Igreja: Bruno aparece a caminhar em cima da água tal como Cristo. A forma como ele obriga um padre especialista em converter gays a admitir que ouvir Sinead O’connor ou Village People leva uma pessoa a ser homossexual ou a forma como induz Paula Abdul a sentar-se em cima de um empregado para, logo de seguida, obter como resposta: “eu amo ajudar pessoas”, é sensacionalmente irónico e, por isso, tremedamente engraçado.

Brüno usa a sua (homo) sexualidade para provocar a homofobia, mesmo aquela politicamente correcta. Por vezes ela assume proporções assustadoras, como quando irrita uma comunidade islâmica ou um público de wrestlers homofóbicos e nazis. O risco é elevado mas a fasquia do humor está muito alta! A própria estereotipia gay não se salva. São inesquecíveis (feliz ou infelizmente) as cenas de sexo anal entre Brüno e o seu namorado do momento (uma mistura de teenager filipino com um pigmeu), a sua procura desenfreada pela fama a todo custo no futilíssimo mundo da moda (“é difícil por a perna direita à frente da perna esquerda”) ou a irresponsabilidade em criar uma criança (curiosamente negra).

Quando irrita um público afro-americano com os seus tiques gays ("Pensei em chamar-lhe ‘A Moda de Cristo', num trocadilho com o título original de "A Paixão de Cristo") ou obriga um estilista escancaradamente gay a fazer gestos de rapper, Brüno joga com os dois pratos da mesma moeda. Expõe simultaneamente os gays e a homofobia ao ridículo. É perigoso porque ambas as realidades não são simétricas, antes fossem, mas a moral da história também não faz por menos: consegue juntar Bono Vox, Chris Martin, Elton John, Slash e Snoopy Dog numa canção humanitária. “He gay, he gay… ok” diz Snoopy Dog. Não repara o erro mas minimiza o estrago.


Lady GaGa - Tha Fame Monster



Passei as últimas semanas num frenesim caótico à procura de uma brecha no sistema para sacar em primeira mão o prometido segundo álbum de Lady GaGa. Consegui a semana passada. Afinal era só um EP. Quem esperou algo (muito) diferente, desenganou-se. The Fame Monster é o The Fame, tal e qual. Muda apenas o conceito e a batida glam e luminosa condensa-se num espectro gótico e (pseudo) industrial. Nem a referência 80 é capaz de sair do sítio.

Susto a susto:

Bad Romance



A cara chapada de GaGa. Progressiva, carregada de intensidade electro e deita pop por todos os poros. Peca pela letra, simplória, ridiculamente simples e repetitiva. Embora não seja por isso que me impeça de a ouvir 500 vezes por dia.

A história é acessível mas não menos polémica: GaGa é uma inocente rapariga drogada com vodka por duas andróides (?), levada pela máfia russa intergaláctica com o objectivo de ser vendida como prostituta. Crítica à indústria musical? Possível. Tal como em “Paparazzi”, explora o efeito dominatrix que traz consigo inevitavelmente contornos macabros: acaba por incendiar o seu comprador (para aumentar a vertente feminista o fogo sai pelo seios), muda 6 vezes de roupa (não, não é exagero) e aparece nua (mas mais valia estar vestida pois o seu corpo alienígena artificialmente anorectizado não está com nada). Mas a polémica não acaba aqui: a cantora acompanha os seus carrera brancos, com um longo vestido glacial feito de… pele de urso polar. Será que a PETA anda a ver videoclipes?

O clipe é ideal para criar um universo próprio da artista com influência da ficção científica (Metropólis, Matrix – reparem nos efeitos especiais que são usados quando a artista fica rodeada de diamantes) e dos mitos urbanos (GaGa Bathouse), sempre fazendo uso de coreografias mainstream com a finalidade de apelar ao público jovem.

De referir que a versão do clipe é diferente daquela que saiu da net há umas semanas atrás (a do clipe é muito mais experimental).

Ultima consideração: como todas as músicas pop pastilha elástica, vicia!

Nota: 5

Alejandro



A canção inicia-se com um instrumental que apela à pose latina e uma GaGa com sotaque desesperantemente sexy e denso incita ao imaginário voodoo como se estivéssemos presos a um feitiço. Bem, e estamos mesmo!

Os sintetizadores são uma arma fatal e os nossos ouvidos são alvos móveis. Os low downs da canção impulsionam um refrão carregado de tensão erótica com um caliente Alejandro (ah, e não nos esqueçamos do Fernando e do Roberto). É a continuação viciante de Bad Romance mas em versão latina e sexy.

Nota: 5

Monster



De todas as canções esta é talvez a que capta melhor o som melancólico do pop industrial e gótico dos anos 80. Hipnótica, agita-nos como um vórtice ao som de um apaixonante vocoder angustiante: “he ate my heart” e de um Red One quase imperceptível. O refrão simplório (como manda o cardápio) entranha na cabeça como uma familiaridade incomum. Afinal, quem nunca amou um monstro?

Nota: 5

Speechless




Todos os artistas têm uma área musical que funciona um bocadinho como uma extensão fetichista daquilo que o artista costuma fazer (ou por gosto pessoal ou por imposições dos patrões/patroas). GaGa não é excepção. A cena jazz dos anos 60 (aquela a que Amy e Duffy vão beber) é o guilty pleasure de GaGa. É aí que a artista deixa os seus graves e a sua poesia irregular divagar. “Speechless” é um exemplo perfeito. Apesar de não ser má de todo, fica um pouco descontextualizada com o conceito do álbum e além disso alguns b-sides do género, como “Let Love Down” ou “Fooled Me Again, Honest Eyes” conseguem demonstrar maior coerência.

Nota: 2

Dance In The Dark



A única consegue rivalizar com “Monster” em termos de semelhanças na apropriação do pop gótico dos 80. As metáforas que misturam críticas ao conceito de beleza e à escuridão conseguem ser, surpreendentemente inteligentes. Em termos gerais, a sonoridade não difere muito de muitas das cantigas do The Fame. Mantêm-se o compasso beat it, as repetições e o lirismo fútil. Destaque para o (curto) rap vogueizado no final da canção e para a sonoridade fade out que faz parecer a música uma experiência passada minimamente agradável.

Nota: 4

Telephone (ft. Beyonce)



Será uma forma de agradecimento por Lady GaGa ter feito uma participação especial no clipe de “Videofone” de Beyonce (note-se as semelhanças no titulo) que fez com que a ex-Destiny Child participasse na canção com um rap muito sui generis? Não saberemos. Sabemos sim que a intensidade electro é retomada em grande força. Recurso a som de telefones (Hung Up?), a funk progressivo (Black Eyed Peas?) e refrões vibrantemente onomateipizados (Poker Face?). Primeiro estranha-se, depois entranha-se. Futuro single?

Nota: 4

So Happy i could die



E o ritmo abranda novamente. A pulsão pop-art do costume é transformada em ecos melancólicos que nos fazem querer dar voltas e voltas por ruas desertas e abundantemente iluminadas no centro da cidade. Era ideal para abrir o álbum. Ao fechar dá a sensação de ressaca.

Nota: 3

Teeth



Mais um exercício de voodoo. GaGa passa de garota maravilha do electro-pop norte-americano a uma feiticeira africana pseudo-porno. Seria original se não fosse enfadonhamente previsível. Canção sem grandes solavancos, apesar de título macabro.

Nota: 3

Frase da Semana


“Aquilo que nos ameaça só nos constrói” Prof. João Caramelo

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

2012



Leia os mitos aqui.

Playbacks e cheirinhos bons


Muito antes de senhorita Spears o utilizar, Paião já louvava a arte. Pelos vistos, o público australiano não partilha da mesma opinião e não gostou muito que a princesinha da pop se entregasse à arte descurando da performance dançável e foi embora. Blackout! Enquanto isso, o seu eterno ex-namorado, Justin Timberlake, lança a sua primeira fragrância "Play".


terça-feira, 17 de novembro de 2009

Shakira – Cuidado! Ela uiva…


O novo álbum de Shakira é mais uma tentativa de a fazer singrar no mercado intercultural mas claramente dominado pelo império linguístico anglo-saxónico. O que nos reserva a colombiana mais famosa de todo o sempre?


O novo álbum de Shakira é uma ode às guacamoles e à magia cigana? É mas não só. O novo álbum de Shakira é um delírio sexy em formato electro-pop para rivalizar com as Ladys GaGas deste mundo? É mas não só. O novo álbum de Shakira é uma incursão delirante por terras do médio oriente? É mas não só. O novo álbum de Shakira é tudo isto e não só.


“She Wolf”, que brinca com o imaginário erótico da licantropia, é um hit à medida de “Whenever Wherever” e “Hips Don’t Lie”; em “Do It Again” pede emprestado acordeões sintetizados a Gothan Project; “Long Time” torna o clima menos sofisticado mas caliente. É a “Hips Don’t Lie” do álbum em estado menos efusivo; “Why Wait” e “Men In This Town” são autênticos mísseis electrónicos de voz esganiçada. O resto não interessa nem ao diabo nem a Wycleaf Jean. Interessante mas pouco mais.


Para ouvir em noites de lua cheia…



Quem tem medo da alteração do modelo de investigação?



Os juízes estão profundamente irritados porque a alteração do modelo de investigação é orientado pelo Ministério Publico e tal facto pode comprometer a imparcialidade das investigações, particularmente quando os processos envolvem altas personalidades (Freeport, Casa Pia, Face Oculta, Apito Dourado, etc).


Sim, porque os/as juízes não são também parciais e nem sequer se orientam por ideologias politicas?

Frase da Semana


“Temos o direito de ser iguais sempre que a diferença nos inferioriza; temos o direito de ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza” Boaventura Sousa Santos

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

A psicanálise da homofobia


Descobri este texto por acaso na net. Foi escrito pelo José Magalhães, estudante ou licenciado em Psicologia, não sei e encontra-se no seu blogue... Tive que comentar!


Houve no parlamento lugar a um debate acerca dos casamentos entre homossexuais. O nível do debate foi muito baixo ao nível da sensibilidade e profundidade que se pode dar ao tema. Os defensores dos ditos casamentos argumentam que se trata de uma questão de direitos civis e de igualdade. Considero que não seja esse o ponto fundamental a ser discutido. Aliás, do ponto de vista político e económico, é uma questão menor. Não quero dizer com isto que sou contra os ditos casamentos. O que acho é que a única vantagem que os homossexuais retiram desse diploma é que estes passam a contar com determinados benefícios fiscais. Não deixa de ser legítimo, mas a questão é outra. O que os homossexuais pretendem realmente é a legitimação da sua orientação sexual, o que é um aspecto decorrente de uma forma de neurose, já que há uma conflito decorrente da tentativa de moldar as nossas pulsões sexuais a um objecto fixo e definitivo. Já anteriormente me referi aqui à questão da homossexualidade do ponto de vista psicanalítico, mas deixo aqui mais alguns apontamentos. Para Freud somos todos bissexuais. Todos mantemos relações afectivas com homens e mulheres e todos temos a possibilidade de retirar prazer dessas relações. Para Jung, o homem tem um anima, uma parte mulher dentro de si, e todo a mulher tem um animus, uma parte homem. O problema surge quando existe a necessidade de moldarmos as nossas inconstantes pulsões sexuais segundo conceitos abstractos rígidos e castradores. A homossexualidade e a heterossexualidade, à partida não existem. São identidades que é necessário construir. Do ponto de vista do desenvolvimento infantil as coisas passam-se mais ou menos segundo este esquema:

Infância (0-5 anos)___________________Bissexualidade

Quando nasce, um bebé olha para o corpo da mãe como sendo o prolongamento do seu próprio corpo, sendo que essa separação é gradual, à medida que a criança se vai tornando fisicamente mais autónoma. Com esta autonomização motora gradual, surge uma necessidade de explorar o mundo externo, sendo que se vai apercebendo aos poucos da sua individualidade face à mãe e ao mundo externo. Até aos 5 anos, as crianças investem afectivamente todo a realidade e o campo familiar de forma indiferenciada e exploratória.

Latência (6-11 anos)___________________Homossexualidade estruturante

Este período é particularmente importante para as nossas reflexões sobre a homossexualidade. Entre os 4 e 5 anos dá-se o complexo de Édipo/Electra, sendo que este processo começa mais cedo, antes de mais pela percepção da diferença de sexos. Resolvido este conflito, a criança começa a ganhar a noção de pertença a um género. É aliás o primeiro sentimento de pertença a um grupo: o do sexo. O período de latência é aquele período em que os rapazes só andam com rapazes e as raparigas só andam com raparigas. Os rapazes têm "nojo" das raparigas e estas acham os rapazes "parvos e porcos". É o que Freud chama de homossexualidade estruturante, situação típica do período de latência que Freud caracteriza assim:
"é no período de latência total ou parcial que se constituem as forças psíquicas que mais tarde farão obstáculo às pulsões sexuais e, à semelhança de diques, vão limitar a sua evolução (desagrado, pudor, aspirações morais e estéticas). (...) No período de latência as tendências sexuais são desviadas do seu uso próprio e aplicadas a fins diferentes, processo a que se dá o nome de sublimação, um dos pilares em que assenta civilização"

Adolescência/idade adulta (>12 anos)________Neurose

Com a puberdade e a adolescência, as crianças desenvolvem seu corpos, tornam-se homens e mulheres com seus caracteres sexuais principais e secundários plenamente desenvolvidos. A reprodução é possível e os adolescentes só pensam em duas coisas: sexo e sexo. É também nesta idade que se consuma uma noçao de identidade, de eu, mais definida, com uma estrutura neurótica já bem desenvolvida. Há nesta idade um conflito entre a preservação de uma identidade recém adquirida, e uma necessidade de uma abertura para a alteridade, para capacidade de, após a homossexualidade estruturante do período de latência, voltar a haver interesse pelo mundo do sexo oposto. O sexo oposto surge como um grande mistério e diferença absoluta que atrai.

Erich Fromm diz que "o desvio homossexual é o fracasso em atingir essa união polarizada, e por isso o homossexual sofre a dor da separação,nunca solucionada, fracasso, entretanto, de que com ele compartilha o heterossexual comum que não consegue amar."
Fromm refere-se então ao homossexual como uma neurose partilhada com o heterossexual comum, relativamente à incapacidade de amar em pleno, fruto da dificuldade de relacionamento com a anima e animus, os caracteres do sexo oposto presentes em cada um de nós. O homem neurótico heterossexual responde muitas vezes a este conflito através da homofobia, evitando adoptar ou mostrar simpatia com características femininas. O homem homossexual responde às suas sensibilidades femininas também de uma forma desconfortável, gerando dúvidas que são fruto de dualismos mentais rígidos. Assim, homens e mulheres altamente racionalistas, são mais propensos a dúvidas típicas de homossexuais. Não é por acaso que muitas das características de um homem homossexual, tais como a parcimónia na limpeza, a organização, obsessões e rituais, são típicas de uma neurose obsessiva, que se caracteriza por uma excessiva racionalização da vida afectiva. Neste esquema, as dúvidas em relação a aspectos básicos da identidade sexual são difíceis de gerir. Ferenczi chegou a fazer uma distinção entre homossexuais da seguinte forma: o "homo-erótico, subjectal", que sente e se comporta como uma mulher, e o "homo-erótico, objectal", completamente masculino, e que apenas trocou um objecto feminino por um masculino. Os primeiros denominou de "intermediários" e os segundos denominou precisamente de "neuróticos obsessvivos". Contudo, esta distinção parece-me algo dicotómica, eliminando a vivência da ambivalência entre estes dois modos. Freud referiu-se a essa distinção da seguinte forma: "reconhecemos a existência destes dois tipos, acrescentamos que há muitas pessoas em quem se encontra uma certa quantidade de homo-erotismo subjectal combinada com certa proporção de homo-erotismo objectal"

O "sair do armário", a assumpção e identificação com o papel homossexual é um passo que tenta resolver a ambivalência, mas que não resolve o conflito. Há posteriormente, uma necessidade de reconstruir toda uma identidade nova. Frequentemente relatam que, olhando para a sua vida passada sempre se sentiram homossexuais, o que é uma falsa questão: aplica-se aqui o conceito de Freud de Nachträglichkeit, conceito que é difícil de traduzir mas que reflecte uma um efeito retroactivo da consciência presente sobre as memórias anteriores. No fundo, as memórias anteriores são sempre possíveis de actualização e modificação tendo em conta as circunstâncias presentes. Há uma passagem de Lautréamont que é um bom exemplo disto: "Assentemos em poucas linhas como Maldoror foi bom durante os seus primeiros anos, em que viveu feliz; está dito. Reparou depois que tinha nascido mau: fatalidade extraordinária"

Para terminar deixo aqui a nota de rodapé que Freud em 1915 acrescentou ao primeiro dos seus "Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade" de 1905:

"A pesquisa psicanalítica opõe-se firmemente a qualquer tentativa para a separação dos homossexuais do resto da humanidade considerando-a como um grupo de características especiais. Ao estudar outras excitações sexuais além das questões que são manifestamente apresentadas, a psicanálise descobriu que todos os seres humanos são capazes de fazer uma escolha de objecto homossexual e até a fizeram de facto no seu inconsciente. Na verdade, vinculações libidinais por pessoas do mesmo sexo desempenham um papel como factores na vida mental normal, não inferior ao desempenhado por vinculações similares pelo sexo oposto (...). A psicanálise considera que a escolha de um objecto independentemente do seu sexo - susceptível de se distribuir igualmente entre objectos masculinos ou femininos - como se encontra na infância, é a base original de onde, em resultado de restrições numa ou noutra direcção, se desenvolveram tanto o tipo normal como o invertido. Assim, do ponto de vista da psicanálise, o interesse sexual exclusivo de um homem por uma mulher é também um problema que precisa de ser esclarecido e não um facto auto-evidente baseado num atracção que, em última instância, é de natureza química"
José Magalhães

Eu sinceramente não sei muito bem como classificar este texto. O recurso a falácias aberrantes, os paradoxos ideológicos e a argumentação assente em paradigmas epistemológicos da Psicologia para lá de ultrapassados causam-me um misto de gargalhada e “nojo”. Não sei. Se calhar tenho mesmo que fazer psicanálise e descobrir a razão para tal reacção.

O autor do texto limita-se a descrever a homossexualidade como um processo neurótico, o que dito desta forma nos levaria a concluir que o texto é possivelmente um dos muitos textos, espalhados pela Internet e escritos por psicólogo/as possivelmente cristãos e cristãs sobre a “evidente” dimensão patológica da homossexualidade. Puro engano.

Dessa forma, o autor do texto faz um exercício de nivelamento, ou seja, põe também a heterossexualidade na condição de neuropatia. Isto é, ambas as orientações sexuais seriam neuroses (pois ambas são fruto do Édipo). À primeira vista não nos pareceria homofóbico. Outro puro engano.

Todo o discurso supostamente igualitário do autor não passa de um embuste porque subliminarmente submete a homossexualidade a um grau inferior, em termos potenciais, quando passa o discurso do campo epistemológico para o campo político.

Um dos seus primeiros erros, desconhecendo os contextos em que estas questões surgem e a historicidade da homossexualidade (os/as psicólogos/as, na sua generalidade, têm esse pequeno problema) são as ilações erróneas. Passo a citar: “O que acho é que a única vantagem que os homossexuais retiram desse diploma [o casamento] é que estes passam a contar com determinados benefícios fiscais.”

Desconhece, portanto, a amplitude dos direitos e garantias em jogo, razão pela qual nem especifica esses “determinados benefícios fiscais”.

A esclarecer: esses direitos referem-se à gestão de heranças, gestão do património comum, direito de visitar o/a parceiro/a ao hospital como casado/a oficialmente, ao facto do nome do/a parceiro/a ser mudado (uma mariquice mas simbolicamente algo relevante que se prende com dignidade, apesar desta questão ser alvo da fúria das feministas e com razão) e outros aspectos de reconhecimento legal da relação como oficialmente casado/a, nomeadamente a nível de prestígio social. Por exemplo, se eu for ao Wikipédia pesquisar personalidades históricas, eu sei que muitas delas são heterossexuais porque são casadas (2 aspectos a considerar: a) não necessariamente mas a possibilidade de serem heterossexuais é mais forte do que a possibilidade de não serem, nem que não seja no simbolismo do casamento tradicionalmente heterossexualizado; b) o casamento a que me refiro é o tradicional, heterossexual obviamente), ora o mesmo não se aplica ao reconhecimento de alguém que é homossexual porque não existe esse reconhecimento legal. Logo, essa “omissão” contribui para invisibilizar a homossexualidade.

Por outro lado, independentemente do tipo de direitos e da sua relevância (porque cada um/a dá o seu valor a esses direitos), direitos são direitos. Defendendo a posição que defende custa a acreditar que nutre uma simpatia pelo comunismo…

Prossegue com: “o que os homossexuais pretendem realmente é a legitimação da sua orientação sexual, o que é um aspecto decorrente de uma forma de neurose, já que há um conflito decorrente da tentativa de moldar as nossas pulsões sexuais a um objecto fixo e definitivo.” E aqui a porca torce o rabo! (salvo seja!)

Ora bem, como já li o resto do texto, o autor não entra naquelas velhas falácias da tentativa barata de patologizar a homossexualidade exclusiva porque, como já referi, coloca a própria heterossexualidade exclusiva nesse patamar. A inovação do seu discurso, até aqui essencialmente de asserção psicológica e a partir daqui num misto de política e ciência, é que refere que o Estado não deve legitimar uma neurose. Até aqui nada de muito grave. Porquê? Porque a falácia é facilmente desmontável: se a homossexualidade exclusiva tal como a heterossexualidade exclusiva é uma neurose, então se a homossexualidade exclusiva não pode ser legitimada pelo Estado a heterossexualidade exclusiva também não. Pois, o problema é que o deslocamento desta postura epistemológica para o discurso político sugere uma reviravolta nos termos da igualdade em jogo, porque a heterossexualidade (consubstanciada no acto pénis + vagina = reprodução) representa para o Estado, numa óptica essencialista, reprodução biológica e portanto essa reprodução é algo de extrema importância, não numa perspectiva biologizante de continuidade da espécie, mas numa perspectiva de seguimento e prosperidade do Estado, mesmo que se reconheça que essa reprodução biológica advenha de uma mecanismo de heterossexualidade exclusiva compulsória, neurótico e perpetuado pelo sistema de sexo/género. Mesmo sendo de cariz neurótico, ela, a heterossexualidade exclusiva na sua forma potencial de reprodução, assume essencialmente uma funcionalidade politicamente estatal, ao passo que outro tipo de neurose, a homossexualidade exclusiva, seria portanto dispensável.

Ao não entender a reivindicação do casamento PMS, faz-me perguntar: porque é que não defende a abolição do casamento PSD já que a heterossexualidade é uma neurose?

A própria concepção “a-homossexualidade-é-uma-doença-mas-não-posso-dizer-isso-alto-porque-o-lobby-gay-dá-me-cabo-do-canastro” encontra-se presente com a sugestão da heterossexualidade como uma forma de desenvolvimento psico-sexual dito normal e a homossexualidade como desvio. Daí chamar desvio à própria homossexualidade.

O autor desconhece também a estratégia da identitatização. A identitatização permite a comparação dos direitos dos gays e das lésbicas com o direito das mulheres e com o direito dos negros. Ao estipular essa lógica aleatória na escolha dos objectos sexuais desconfigura essa identitatização e torna inválida uma luta em torno da cidadania. Por conseguinte, quando o autor refere o carácter universalista e aleatório da pulsão sexual, despolitiza a discussão. E note-se a contradição: logo de seguida, consubstancia o desejo sexual numa identidade, que embora falseada, assume uma relevância posicional (essencialismo estratégico).

Por outro lado, o autor recorre a muitos erros típicos de quem tece os seus “achismos” sobre o tema da homossexualidade. Primeiro, para ele, os homossexuais são sempre homens. Erro abissal. Segundo, recorre a generalizações grosseiras, como por exemplo, “não é por acaso que muitas das características de um homem homossexual, tais como a parcimónia na limpeza, a organização, obsessões e rituais, são típicas de uma neurose obsessiva, que se caracteriza por uma excessiva racionalização da vida afectiva.”; como se os homens gays partilhassem TODOS ou até mesmo UMA LARGA MAIORIA DELES essas mesmas características. A mais pura das falácias.

Pior pior só mesmo a explicação individualista porque nessa nos estereótipos só cai quem quer. Explicação individualista porque omite as estruturas que fazem com que haja uma possibilidade incomum de homens gays que sigam esse padrão. Por exemplo, não lhe ocorre que a padronização tradicional do género “homem = caça; mulher = cozinha” afecta também homens gays (por serem homens) e, que portanto, faz mais sentido que estes se dedicam à cozinha do que os homens heterossexuais porque não terão uma mulher ao seu lado.

Não deixa de ser aterrorizante, do ponto de vista intelectual, por um lado, considerar essas características como fruto de neuroses obsessivas (tadinhas de muitas mulheres - e note-se, que digo ALGUMAS mulheres, não TODAS as mulheres) e depois, que essas características advêm de ritualizações como se a sexualidade andasse em redor da organização familiar heterossexualizada e os homossexuais fossem robots autonomizados em função das suas identidades desviantes personificadas e sedimentadas sobre e em função do espectro do sexo oposto. Ardis argumentativos atrás de ardis argumentativos.

Depois, pegando numa citação de Fromm, refere que os homossexuais não conseguem amar bla bla bla. Clichés modernistas da psicanálise contrariados por inúmeras investigações. Onde elas estão? Perguntem à Associação de Psicologia Norte-americana. A não ser, claro está, que se ache que essas investigações forão enviesadas e manipuladas pelo poderosíssimo lobby gay. Nesse caso, chama-se a corporação ainda mais influente da ICAR e resolve-se o assunto.

Por outro lado, não se pode dar um conceito fixo a um fenómeno tão subjectivo e abstracto como o “amor”. Poderia até pôr em causa o próprio amor heterossexual e reduzi-lo à sua configuração procriativa, o que nos levaria a concluir que amor com “A” grande só o amor homossexual (ver conceito de “relação pura” de Giddens), pois move-se, não por imperativos reprodutivos mas forças motrizes de aliança.

O mais irónico é que o autor do texto simpatiza com o PCP. Imaginem se não simpatizasse. Acho que se enganou no partido. O dele deve ser mais o PNR ou assim.

Não creio que o autor faça por mal ou seja propriamente homofóbico no sentido primitivo do termo (tal é a frase de Oscar Wilde no blogue e as referências a Foucault), mas as suas melhores intenções abrem brechas nos discursos que poderão eventualmente ser aproveitadas para o poder discursivo mudar de mãos. O próprio discurso assenta em paradoxos que são observáveis nos discursos do senso comum: “não tenho nada contra mas…”. É a tentativa politicamente correcta de legitimar a homossexualidade mas ao mesmo tempo de dizer que há qualquer coisa de errado ou de menos bom nela.

É o que acontece quando os homens heterossexuais (como, presumo, o autor) se põem a discorrer sobre homossexualidade masculina sem indagar-se sobre homossexualidade feminina e sem explicar a própria homofobia.

De referir que a psicanálise lançou um dos primeiros mecanismos a tentar explicitar a homossexualidade e note-se que até o próprio acto de se tentar explicitar a homossexualidade é per si discriminatório, pois só os desvios à norma são explicados, como se houvesse algo para explicar ou justificar e curiosamente a norma passasse incólume a essas tentativas de explicação (ninguém pediu esclarecimentos à heterossexualidade).

Freud estabeleceu, através da sua teoria do Édipo, uma primeira formulação teórica para explicitar a homossexualidade mas partindo do pressuposto que o modelo familiar alemão era o único modelo. Esse é o maior erro do Édipo freudiano. É um facto que libertou a (homo)ssexualidade do jugo da biologia e isso foi a novidade da psicanálise mas ao considera-la um desvio contribuiu para a sua patologização em detrimento da sua emancipação. O mesmo aconteceu com as mulheres. Freud não fez por mal, nem o autor do texto, mas não soube questionar-se. E porquê?

Porque a psicanálise hoje é insuficiente para explicar realidades e fenómenos. Além de insuficiente não é operacional. O próprio dilema de Complexo de Édipo é circunscrito a um modelo familiar monogâmico (como se não houvessem comunidades educativas, como orfanatos), heterossexualizado (como se não existissem famílias homoparentais), biparental (como se não existem famílias monoparentais), socialmente padronizado em termos de etnia (como se não houvessem famílias “racialmente misturadas” em termos biológicos e em termos de adopção), comportamento de género (como se uma mãe fosse a exclusiva ou mais importante educadora de uma criança ou como se os pais tivessem um comportamento típico em relação ao seu género (“quando nasce, um bebé olha para o corpo da mãe […]”) e classe social (como se houvesse simetria entre famílias de classes sociais diferentes ou entre cônjuges do mesmo casal). É um modelo descontextualizado, logo inoperante.

Em suma, o padrão de desenvolvimento psico-sexual proposto por Freud não é universal mas sim contextualizado. É um padrão etnocêntrico que omite variantes sócio-culturais. Por outro lado, não há uma ligação necessária entre saúde mental e sexualidade já que muitas das possíveis objecções a práticas sexuais surgem no plano legal e cívico e não no plano médico-psiquiátrico (exemplo: a masturbação já foi considerada uma doença e não afecta a liberdade de ninguém).
A par da Astrologia e da dimensão metafísica (como a religião, por exemplo), a Psicanálise é uma teoria fechada, ou seja, não permite a refutação e por isso ineficiente, falaciosa e cientificamente inválida.

Como defende Karl Popper, a psicanálise é uma pseudociência, pois uma teoria seria científica apenas se pudesse ser falseável pelos factos.

A própria tentativa de patologizar a homossexualidade tem que ver com a garantia do poder político não mudar de mãos (tal como a escravatura; exemplo: ao darmos a liberdade aos negros/as, os/as negros/as farão, como uma espécie de vingança, o mesmo aos brancos/as). É uma forma de reprimir os gays e as lésbicas, de remete-los para um beco, um gueto, um lugar obscuro, invisível.

É claro para se perceber porque é que a homossexualidade não pode ser considerada uma doença. Ela não cumpre dois pré-requisitos nosológicos:

a) Não afecta a liberdade do outro;

b) Não põe em causa o bem-estar do indivíduo que é homossexual;

Ora, se a homossexualidade foi considerada uma doença em tempos deveu-se fundamentalmente a este último ponto. Os homossexuais eram estereotipadamente retratados como depressivos, neuróticos-obsessivos, com tendência para o suicídio, excessivamente temperamentais, etc. Havelock Ellis vem dizer que afinal essas tendências depressivas se devem à pressão social e ao preconceito e não à homossexualidade per si, havendo muitos homossexuais que são socialmente ajustados e mentalmente sãos.

Mas valeu o esforço. Para finalizar, poderia utilizar um cliché psicanalítico gay e referir que tamanha homofobia poderia indicar uma pulsão homossexual inconsciente mas não o farei. Não quero tentar explicar o desvio heterossexual, não que considere a heterossexualidade exclusiva um desvio, apenas uma neurose, logo daí não perceber porque é que os heterossexuais devam ter “determinados benefícios fiscais”, mas isso deixo para Freud explicar.

A isto eu chamo de Sorte!

Cavalo à Solta - Ary dos Santos




















Cavalo à solta

Minha laranja amarga e doce
meu poema
feito de gomos de saudade
minha pena
pesada e leve
secreta e pura
minha passagem para o breve breve
instante da loucura.

Minha ousadia
meu galope
minha rédea
meu potro doido
minha chama
minha réstia
de luz intensa
de voz aberta
minha denúncia do que pensa
do que sente a gente certa.

Em ti respiro
em ti eu provo
por ti consigo
esta força que de novo
em ti persigo
em ti percorro
cavalo à solta
pela margem do teu corpo.

Minha alegria
minha amargura
minha coragem de correr contra a ternura.

Por isso digo
canção castigo
amêndoa travo corpo alma amante amigo
por isso canto
por isso digo
alpendre casa cama arca do meu trigo.

Meu desafio
minha aventura
minha coragem de correr contra a ternura.

José Carlos Ary dos Santos

Lady GaGa - Bad Romance

O novo clipe está aí e como não poderia deixar de ser com uma forte componente de polémica: Lady Gaga aparece na cama com um esqueleto. Necrofilia? Talvez. Um mau romance? Muito provável. Hit? Absolutamente.

Pop pastilha elástica, náusea electro-pop, letra sem sentido, recurso às velhas onomatopeias para lá de cantarolável. Vicia como chocolate...

Por falar nisso, já saiu uma outra musica que fará parte do seu próximo trabalho “The Fame: Monster” (relembro que “Alejandro (Don’t Call My Name) ” também já bazou). Quanto à canção, os sintetizadores sempre presentes, rebusca a pop gótica dos anos 80, porreira mas cansativa. Pouco glamour, obscuridade Euritmiana, ouve-se. Neste “Dance in the dark” Lady GaGa desligou a luz.



Popota (Buraka Som Sistema Remix)

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

A Igreja, a comunicação social e casamentos PMS - Qual é a parte do laico que os media não percebem?


Ultimamente a ICAR têm estado mais na berra do que a Lady GaGa com uma crise de megalomania. Ela é aborto, ela é declarações ateias de Saramago, ela é eutanásia, ela é casamento de pessoas do mesmo sexo. Não pára, é um autêntico rodopio. Mas não pensem que actua sozinha, ela precisa de cúmplices. Aliás, como qualquer lobby organizado. E quem é o grande cúmplice da ICAR? Óbvio: a comunicação social.


Claríssimo para toda a gente ver. Não são raras as vezes em que artigos contra o casamento PMS são expressos nos media (jornais diários, por exemplo), muitos deles expressos por membros do clero sem que se apresente uma contra-argumentação fundamentada e coerente. Não porque não exista mas porque, sendo minoritária, não têm voz. As opiniões a favor são camufladas ou não lhes é dada a devida atenção. Notem os próprios telejornais. O casamento PMS é um dos assuntos mais quentes do momento e não focam o assunto como é devido (continuamos a dormir descansados mas convenhamos, a ICAR até fez duas conferencias episcopais no prazo de um ano, onde abordou o assunto, é porque, de facto, ele merece algum destaque). E não aceito desculpabilizações homofóbicas do género: “ah, há coisas mais importantes para resolver”… Pois há, a homofobia.


A ICAR tem que ter um certo cuidado. Ela sabe que não está em jogo a capacidade reprodutiva da sociedade e todas as suas campanhas serão excursões de ódio homofóbico. Ninguém está contra a família (tradicional) e ela nem sequer está em perigo. Eles sim, estão contra o alargamento do conceito de família. E fica a pergunta no ar, pelo menos para mim: para quando uma campanha contra os casais heterossexuais que abandonam os filhos?!

A ICAR está imparável. Usa e abusa de estratégias bem calculadas para mobilizar o seu rebanho. Até o próprio Papa deverá vir a Portugal este ano. Só espero que, da vez que estiver cá, não repita as pérolas irracionais sobre o uso do preservativo.

Admiro a crítica que fazem à homogeneização dos dois sexos (critica à teoria do género) quando eles próprios querem a homogeneização das opções sexuais. Admiro quando omitem, por exemplo, a violência doméstica gritante homem-mullher no seio de uma relação heterossexual. O que têm eles a dizer sobre o assassinato de homossexuais, por exemplo? Os homossexuais não são seres humanos? A ICAR sabe que a sociedade não vai mais na sua hipocrisia e que qualquer tentativa de voltar aos velhos tempos da “repressão” não vai surtir muito efeito…


Mas ganham terreno e a disputa reaccionária começa a tornar-se mais acesa. Tudo sobre o aval da comunicação social. Dois casos flagrantemente gritantes: o site da Renascença tinha como titulo: “49,5% dos portugueses são contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo” (referindo-se à possibilidade afirmativa do referendo). Uau, grande coisa… Porque é que não se viu as coisas noutra perspectiva? “50,5 dos portugueses são a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo”?


Um outro caso, esse sim, visivelmente manipulador: basta colocar nas notícias do Google “casamento homossexual” e uma das primeiras notícias que aparece era um estudo estatístico do INE que comprovava que os casamentos (tradicionais, heterossexuais) estavam a diminuir e que os divórcios estavam a aumentar. Notem a iniquidade da questão. Era uma forma de manipular a opinião das pessoas que iam pesquisar sobre o assunto “casamento homossexual”, para despertar a lógica apocalíptica do “ai meu deus o casamento PMS vai desestruturar a sociedade”.


Permitam-me agora também manusear a mentalidade dos/as meus/minhas leitores/as. Um estudo recente comprovou que a orientação sexual é um dos critérios discriminatórios mais graves apontados pelos/as portugueses/as. Quererá isso dizer alguma coisa?

Finalizo com uma frase do Vital Moreira na crónica do Público de 10 de Novembro nº 7161 pagina 37, ilustrativa das incoerências católicas:

“Os católicos não podem defender a exibição dos seus símbolos religiosos nos estabelecimentos públicos nos países onde a sua religião é dominante e depois queixarem-se, como toda a razão alias, da exclusão ou discriminação de que são vítimas noutras latitudes onde a religião católica é minoritária.”

Ora nem mais.

Muros em vez de pontes


Muros em vez de pontes

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Casamento PMS e Casamento Polígamo: Lógicas diferenciadas


É muito comum nas discussões que envolvem a questão da homossexualidade, as pessoas que defendem uma postura reaccionária usarem determinado tipo de argumentos que já não são novos, e que menos novos são as suas significações de contra-argumentação.

Um dos argumentos mais populares (atrever-me-ia mesmo a dizer: populacho) é a colocação da homossexualidade, num grande saco, misturando-a com outras realidades sexuais, muitas delas paralifílicas, como a pedofilia, o incesto, a poligamia, a zoofilia, etc. Um bocadinho como acontecia com o equivocado conceito de sodomia (pecado/crime) que prevaleceu até finais do século XIX. E porquê essa colocação? Qual é a base deste raciocínio?

Para os reaccionários só existe uma regra moralmente válida de vivenciar a sexualidade. Aquele que se toma como exemplo e decorre de um modelo de sexualidade normativo e, portanto, um modelo, construído com base nas leis gerais, baseado na heterossexualidade (entre pessoas adultas), na monogamia e na exogamia - os três “pilares da sociedade” -, daí o tabu da homossexualidade (um tabu anacrónico e variável), da poligamia (um tabu variável mas não explícito) e do incesto (um tabu generalizado e raramente variável). Tudo o que extrapole esse modelo tem obrigatoriamente que estar na mesma categoria de (i)moralidade. Ou seja, toda a sexualidade alternativa/minoritária tem que se fundir numa mesma amálgama indiferenciada, como se o próprio modelo não fosse também desconstruível, como um todo ou isolado nos seus três critérios-base.

Começo por esclarecer: não acho que a sexualidade tenha como finalidade a reprodução biológica (embora ela seja importante numa perspectiva colectiva, universal, de continuidade do Estado/sociedade); por outro lado, qualquer pessoa que defenda que o sexo é apenas para procriar, creio estar a ser incoerente consigo mesmo/a. Também não acho que seja tudo relativo. Condeno o relativismo (sexual) mas sou apologista da relatividade (sexual), são coisas diferentes. Qual seria então as minhas “regras sexuais”? Aquelas que defendo, em grande escala, no que toca às vivências e relações sociais: relações baseadas no pressuposto da liberdade, desde que esta não afecte a liberdade dos/as outro/as. Partindo desse pressuposto:

Condeno a pedofilia porque estamos a retirar a liberdade de uma criança: a
liberdade de opção. E, mesmo que esta corresponda positivamente, não está na plena usufruição das suas capacidades psicológicas/morais para decidir o que é certo e errado, decidir sobre o seu corpo, sobre o seu sexo, etc. Uma criança é exactamente alguém com as suas especificidades. Mesmo para os/as homofóbicos/as mais radicais pode-se perguntar: considera a homossexualidade mais grave do que a pedofilia? A resposta parece ser consensual (a não ser, claro está, que eles/as desconheçam a diferença entre as duas, o que propositadamente lhes convêm, mas aí reformula-se a pergunta: considera que o sexo entre pessoas adultas do mesmo sexo é pior que o sexo entre um adulto e uma criança?);

Condeno a zoofilia pelos mesmos princípios acima mencionados com a diferença de que não é uma criança mas sim um animal. Não que a criança seja um animal, ou vice-versa, mas porque ambos gozam dessa especificidade que faz com que não estejam na plena usufruição das suas capacidades cognitivas (o animal muito menos porque nem sequer domina um modelo de linguagem simbolicamente e significadamente equivalente a ser humano);

Condeno o rapto e/ou violação pelos mesmos motivos anteriores.

Quanto à poligamia e ao incesto não condeno. Não afecta o princípio da liberdade sexual, não desaprovo. A nível pessoal é uma coisa, a nível da liberdade dos/as outros/as é outra.

Por essa razão sou contra o casamento pedófilo e o casamento zoófilo, aliás, ambos seriam ilegais já na sua base de legitimação. No entanto, não condenando a possibilidade de um casamento polígamo ou incestuoso, por mais que isso seja chocante. Mas ao legislarmos sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e ao compararmos estas realidades, estamos a dar uma ideia de vale-tudo que o conservador povo português desaprovaria imediatamente, numa ideia, que se poderia resumir na seguinte premissa: “se algo vai mudar, e é possível que conduza ao descalabro sócio-moral, mais vale o casamento estar como está, ou seja, entre um homem e uma mulher”.

Este poste do Pacheco Pereira assenta na relatividade do conceito de casamento (o argumento do vale-tudo) e eu passo a desconstruir. É exactamente esse argumento
que acho quase irredutível porque parecendo que não, é um argumento muito bom, mas como todo o pensamento, este têm peculiaridades que torna, no mínimo, equivocada a sua evocação. E quais são elas? Passo a enumerar:

As condições históricas (contingentes ou não) fizeram dos homossexuais um grupo identitário irrepreensível, de tal forma, que os polígamos não encontram essas condições necessárias. A forte repressão aos homossexuais, consubstanciada na criminalização, patologização, desqualificação, insulto, perseguição, ódio, agressão e crime de morte, deu-lhes uma estrutura identitária que lhes permitiu a politização adequada para reivindicar direitos, ao contrário dos polígamos. Os paneleiros e as fufas puderam assim fazer jus da sua discriminação e do seu preconceito para exigir (a sua) cidadania. Ora, quantos nomes pejorativos vocês conhecem para polígamos/as? Provavelmente 0. E para gays e para lésbicas? Suponho que cinquenta ou mais. Estão aí as condições necessárias para o facto de os homossexuais serem pioneiros na questão da liberdade sexual de sexualidades conceptualizadas como sexualidades alternativas. Sem dúvida, que poderemos equacionar a hipótese de usarmos essa estrutura identitária para polígamos/as mas seria, no mínimo, um equívoco. De qualquer forma, que sejam os/as polígamos/as a tratarem disso;
  • homossexualidade está patente no nosso corpo porque relaciona-se com uma estrutura sistemática de sexo/género. Através do meu corpo, com o (ónus da inversão) posso representar, simbolicamente, um homossexual, no entanto, não posso representar uma polígamo/a. Tal visibilidade contribui para, como já disse anteriormente, visibilizar o preconceito também;

• Relacionado com o primeiro ponto, temos o principio articulado da Constituição que não permite que ninguém seja discriminado em função da sua orientação sexual. A Constituição ao exprimir explicitamente esse critério torna equivoco o próprio conceito de casamento. E não estamos a falar de essências do conceito nem das suas suposições. Estamos a falar do conceito real nas suas asserções homem e mulher. E porque é que a Constituição passou a expressar o critério da orientação sexual como impeditivo para ninguém ser discriminado? Porque essa é a categoria histórica, tal como outras (“raça”, “religião”, “sexo”, etc), ao qual as pessoas têm sido gravemente e tradicionalmente discriminadas. Como referi no primeiro ponto, a discriminação social foi tanta (se bem se lembram o critério começou com a discriminação laboral nalguns estados dos E.U.A, e a pandemia da sida veio a agravar a questão), que os Estados tiveram que legislar sobre essa discriminação que tomou proporções de ódio. Ora, os polígamos/as nunca tiveram esse tipo de discriminação social. Por outro lado, ao reconhecer esse critério, automaticamente reconheceram a existência de homossexuais, bissexuais e transsexuais o que para os/as polígamos/as tal reconhecimento não é passível de se processar;

• Relacionado com o último ponto: imaginemos que os polígamos são discriminados. Que critério poderíamos usar para protegê-los? A designação “orientação sexual” seria um erro pois a poligamia não é uma orientação mas sim uma prática consciente que assenta em opções convictas. Por outro lado, “orientação sexual” implica um desejo por UM dos sexos (homem e mulher) o que não permite a abrangência da poligamia na sua conceptualização. Poderíamos usar o termo “opções” mas isso implicaria que considerássemos a zoofilia uma opção, por exemplo;

• Outra questão que as divide é a especificidade local de ambas e a sua aceitação inversamente proporcionais, isto é, os países que mais reprimem a homossexualidade (países muçulmanos, por exemplo) são os países que incitam à poligamia e os países que mais toleram a homossexualidade são os países que mais reprimem a poligamia (países ocidentais). Porquê? Por razoes logísticas/estruturais que se referem exactamente ao próximo ponto;

• Quando os reaccionários defendem o casamento tradicional (homem + mulher) separando-o do casamento PSM justificam-se com o facto da possibilidade de reprodução biológica ser só possível no primeiro e não operacional no segundo (como casal monogâmico). Ora, aquilo que eles tanto defendem acaba por ser o seu ponto de ruptura quando, por exemplo, evocam a possibilidade do casamento polígamo, para “desmoralizar” o casamento PSM. Porquê? Porque o casamento polígamo representa MAIS hipóteses de reprodução. Por outro lado, dá também a sensação que os próprios reaccionários estão a defender o casamento polígamo, o que se pode traduzir numa má imagem para a direita. Apetecia mesmo não discutir a questão do casamento PMS e defender o direito ao casamento polígamo e perguntar aos reaccionários: e agora? Defendam o casamento monogâmico (será que utilizariam o argumento da reprodução?!);

• Existe uma impossibilidade de determinamos a origem exacta da homossexualidade (nem faz muito sentido, politicamente) mas podemos concluir que esta seja automática, inconsciente, mecânica, (aliás, tal como a heterossexualidade), ao passo que a poligamia é, sem dúvida, fruto da noção psicológica (qualquer pessoa pode ser polígama porque todos/as nós temos uma atracção multidireccional mas nem toda a gente pode ser homossexual) e fruto de um espectro cultural o que a torna, não numa orientação, mas sim numa prática, ora, as práticas são mutáveis. Isto é, não podemos obrigar um homossexual a sentir desejo heterossexual mas podemos mudar o exercício de concepção de relações de um polígamo (e isso não o conduzira a uma revolta identitária porque nem sequer reprimido, social e legalmente, ele é). A própria questão daquilo que é natural é um equívoco. Porquê? Segundo os reaccionários, a heterossexualidade é natural a homossexualidade não. Ora, a poligamia sempre é mais natural do que a monogamia que é instituída – vejam o caso da maior parte dos animais, e eu bem sei que os há monogâmicos. Agora depende que de espécie estamos a falar e de qual mais convêm;

• O argumento mais forte. Nós sabemos que a lei separa o direito do casamento do direito de construir uma família mas sabemos também (aliás, através dos argumentos dos reaccionários) que simbolicamente não são realidades amorfas nem distantes uma da outra (nem que seja através das práticas sociais verificadas). A minha questão é: que estruturas familiares oferece uma comunidade (note-se que até o conceito de casal é obscuro) polígama? Será uma comunidade uma família? A quem as crianças chamariam mãe, pai? A própria existência múltipla dos parentes produziria na criança uma confusão tal que não faz sentido. Se o casamento polígamo é permitido então quer dizer que TODAS as pessoas do mundo se podem casar com TODAS as pessoas do mundo? – A questão da externalidade - (embora essa possibilidade seja tão estapafúrdia como dizer que o casamento PMS vai tornar as pessoas todas homossexuais). Em suma: um casal gay (ou um casal lésbico) apresenta melhores condições para educar uma (ou várias) criança (s);

• Existe uma disfuncionalidade relativa à idade técnica e ao sexo no casamento polígamo. Passo a explicar: o casamento polígamo poria em causa a igualdade entre sexos porque a própria poligamia advém de um sistema masculinista e patriarcal, razão pela qual a poligamia de um homem com várias mulheres seja esmagadoramente mais comum e isso ameaçaria a igualdade entre homens e mulheres (possessão). Em relação à idade, surgiria uma situação idêntica;

Em Direito discute-se um assunto de cada vez. De qualquer forma, repito, que sejam os/as polígamos/as a tratarem disso.

Em jeito de conclusão deixo-vos um pequeno excerto de texto do Miguel Vale de Almeida (ISCTE e CRIA) apresentado no Congresso APA de 2009 na Sessão Plenária “Lógicas do Poder” onde este tecia algumas considerações sobre a Teoria Queer:



« (…) ma delas é a crítica à monogamia, apresentando a questão da poliamoria como parte do seu programa de transformação cultural (a poliamoria descreve arranjos amorosos com mais de um parceiro, em mútuo consentimento e sem projecto de fidelidade). Ora, a poliamoria não é, a meu ver, um problema do movimento social LGBT nem de nenhum outro, porque a poliamoria apresenta-se como uma escolha de estilo de vida, uma opção por um determinado tipo de valores nas relações amorosas. Não se apresenta como uma reivindicação política de mudança legislativa ou de direitos. Tal seria verdade se se tratasse de poligamia, a qual tem uma dimensão jurídica. Ora, não havendo uma reivindicação poligâmica (que, a haver, essa sim seria, e bem, contrariada, pois o mútuo consentimento não seria o suficiente para apaziguar o receio de desigualdades de género profundas), há, sim, o perigo de uma leitura social e mediática – errada, claro, mas não menos perniciosa por isso – da poliamoria como poligamia, prejudicando o que alguns (por exemplo, eu) acham prioritário porque mais próximo de ser conseguido. Deixo de lado, por espúria, a questão de a poliamoria pouco ter de verdadeiramente novo, mesmo no campo da crítica cultural: basta pensar-se no libertarismo sexual dos projectos de socialismo utópico do século XIX, do radicalismo sexual de Reich e outros no século XX ou, dando um salto no tempo, no Maio de 68. Do ponto de vista da abertura do possível, da crítica cultural que demonstra existir outras formas de viver, claro que a poliamoria tem valor político. Mas tratando-se de uma escolha ética no campo das relações amorosas nada tem a ver com uma agenda de transformação das condições de cidadania. Muito menos pode servir para alienar quem, no usufruto do direito a escolher, queira seguir outros modelos relacionais (…)»






Mika - Toy Boy



I’m a wind-up toy in an up down world
If you leave me all alone, I’ll make a mess for sure
I’ve a heart of gold in the smallest size
Leave me in the dark, you’ll never hear me cry

More than an illustration
Points of articulation
Come to life on a brass spring
Such a wonderful plaything

It’s a cruel cross that I have to bear
If you come a little close I’m going to pull your hair
More than just a toy in a patched blue suit
Hold me in your arms I’m just a boy like you

But your mama thought there was somethin’ wrong
Didn’t want you sleeping with a boy too long
It’s a serious thing in a grown-up world
Maybe you’d be better with a Barbie girl

You knew that I adored-ya
But you left me in Georgia
Toys are not sentimental
How could I be for rental?

She’s the meanest hag that has ever been
Pulled out my insides with an old safety pin
I’m the sorest sight, now I feel like trash
Clothes are made of rags and they don’t even match

So she dressed me up as the man she loved
Threw me in a box when she had had enough
Now the light of day I no longer see
She stuck her voodoo pins where my eyes used to be

Accidentally tragic
Victim of her black magic
Had a boy once who loved me
Now he's so afraid of me

On a long lost day when you're gray and dull
You'll be there remembering your old toy boy
When your oldest son wonderin' what to be
Tell him the story of a boy like me

A Praxe


Recebi este texto no webmail anteontem:

A praxe e o guardador de rebanhos


O dia em que escrevi estas linhas foi marcado por um sonho que me fez acordar num misto de susto e de namoro ao novo sol, o qual entrava pela janela com a sua vagarosa calma. Gostaria de poder elaborar para vocês uma estória desse tal episódio onírico, mas há em mim uma especial habilidade para “esquecer” (quase) tudo o que os olhos fechados mostram. Sei apenas que, em dada altura, entre o início e o fim, um bando de gatos laranjas, juntamente com uma cabritinha, desataram a fugir de uns enormes cães pretos enraivecidos…
Mas pronto. Aqui o assunto parece ser outro. Desde há algum tempo para cá que dialogo com as minhas cabritas sobre o porquê da adesão à praxe num país como este. Ao questionar os alunos desta vossa «casa» sobre o porquê de contribuírem com a sua participação, avistei, com os cinco sentidos, as festas, os jantares, as amizades, a vida académica, e por aí a fora. Está certo! Todos gostamos de ter amigos e de ser convidados para festas. Isto é, poucos gostam de ficar de fora, e os que ficam, não raras vezes, fazem-no por um misto de vaidade e de desprezo – certamente pelo preto que por aí anunciam que saiu de moda.
No entanto, achei por bem também questionar esses indivíduos vaidosos com padrões estéticos diferentes. Logo me tentaram convencer de que, para além da tal vida académica, a praxe não seria mais do que um jogo (de dominação), no qual os novatos se submetem aos caprichos e às ideias mais ou menos criativas dos alunos dos outros anos. Aparentemente, tudo estaria explicado: aqueles que mais valorizavam a sua liberdade ficavam de fora; quem estivesse mais interessados em desenvolver a sua vida social entrava de cabeça. Estando isto colocado de forma extremamente simples, logo se percebe uma falha: hoje toda a gente coloca a liberdade no topo da hierarquia, mesmo aqueles que não sabem quantas letras tem. E, de qualquer modo, os novatos escolhem aderir, não são obrigados.
Se fosse um jogo de futebol, era um empate com uma arbitragem extremamente duvidosa. Mas dizem-me que são muitos os que entram na praxe e poucos os que ficam de fora, sendo a vossa faculdade uma excepção – em termos de vaidade, entenda-se. E como aqui não há «fruta» para “botar” a derrota na casa alheia, terá de haver prolongamento.
Fui ruminando estas cousas na cabeça. Sempre que levava as cabritas lá pelo monte atrás de casa do Belmiro, aparecia-me o assunto na cabeça. Foi numa dessas idas que uma delas, mais concretamente a Albertina, resolveu interromper os meus desabafos e saiu-se com esta:
- Nem tudo o que é branco é leite! (mééé)
O que, no senso comum mais terra à terra das cabritinhas se assemelha ao nosso «nem tudo o que luz é ouro». Então, seguindo o conselho da Albertina e olhando de longe (lá de cima do monte, donde tudo se vê e onde as aparências se diluem), apercebi-me de uns factos estranhamente esclarecedores: tinham-me dito que na praxe existem madrinhas e padrinhos, avós e avôs, manas e manos, tias e tios, enfim, uma verdadeira família. Ainda por cima, sem proibições chatas como o incesto ou as horas de ir para a cama! Bendita cabrita! Afinal – exclamei eu, num discurso emocionado perante o rebanho –, a praxe joga com profundas constelações afectivas, com vinculações criadas ao longo de dezoito aninhos de amamentação física e psicológica. Joga até com instintos reprimidos, permitindo que eles saltem cá para fora. Se calhar, disse eu, a praxe até é terapêutica: fazem-se amigos, aprende-se a comunicar e, ainda por cima, suaviza-se o censor do ego. Mas cedo perdi o entusiasmo. Quando olhei de perto, vi que todas essas tias e avós e madrinhas não eram levadas muito a sério. Embora fosse mais do que uma simples brincadeira, não fugia muito a esse registo.
Mas então, o que é que é levado a sério na praxe? O que é essencial? Bolas, que estava mesmo à frente do cajado: o poder!
- É isso – disse alegremente a uma cabritinha que acreditava que a psicanálise era a resposta para tudo, enquanto eu a ordenhava –, os caloiros, colocando-se numa situação de plena dependência, fantasiam mais ou menos conscientemente com uma regressão às primeiras fases do desenvolvimento psicossexual. Pobrezinhos, estão naquela idade em que querem ser adultos e responsáveis, mas ao mesmo tempo têm medo e, nesse medo, nessa vontade de voltar para o colo da mamã, desejam com todas as forças ser crianças de novo. E é vê-los ali, enfileirados, de olhos no chão, alguns desejosos por se mostrarem bons meninos, outros, mais irreverentes, contentes por se mostrarem diferentes e se atreverem a quebrar uma ou outra regra (mééé)… Vê lá tu: os bebés vêem no bico da cegonha, e estes chegam de pára-quedas!! Tal igual.. (mééé)!
- Mas a praxe não é só feita de caloiros, cabritinha adorável! Ouve o teu José, que falou com essas pessoas, e elas dizem que a praxe é muito mais do que os caloiros vêem.
- «Ihh que burro»! Oh José, tu nem digas que és meu pastor. Dos outros – os de preto -, é mil vezes mais fácil de explicar. Primeiro é a vontade de poder. Depois, enquadra-se perfeitamente na fantasia regressiva dos caloiros: primeiro voltam a ser bebezinhos indefesos. No segundo ano, passam à infância, e já podem fazer birras, mas não mandam em ninguém. Vê lá que até lhes chamam os semi-putos! E depois dos “semi”, vêm os putos por inteiro. Esses são já os adolescentes, a caminho de se tornarem adultos. Podem fazer o que lhes der na tola, mas ainda têm de ouvir dos “cotas” de quatro ou mais matrículas. Ser adolescente não é um mar de rosas! Por fim, nos quarto e quinto anos, tens os adultos, carinhosamente designados por doutores de merda e merda de doctores, o que é uma excelente metáfora para os actuais homens e mulheres afundados no mercado de trabalho (méeé – risinhos estridentes)!...
- Epah, mas afinal a praxe até desempenha uma função útil – exclamei eu, num misto de confusão e paralisia cerebral –, dá confiança aos estudantes e mostra-lhes que é melhor ser independente do que ser criança toda a vida.
Aí, a minha cabrita freudiana falou com uma fúria que eu lhe desconhecia.
- Já não basta seres meu pastor, ainda tens que abrir a boca? Olha que qualquer dia fazemos todas greve… Por muito bonita que a praxe possa parecer, não passa de um deslocamento das forças naturais desses jovens para uma fantasia, a qual esconde, na apologia das amizades, os seus valores ruins e comportamentos duvidosos. E não me venhas com a treta de que essas «relações interpessoais» são de importância fundamental para o desenvolvimento psicológico. Amigos já se fazem sem sair de casa. São os apelos à conformidade, à uniformidade – no pior sentido da palavra – e à obediência que revelam o seu verdadeiro carácter nivelador. Só tu para me dizeres que a praxe forma pessoas responsáveis (méérrrrgghhh)…
Aí eu calei-me, não por concordar, mas por medo. E por medo não percebi o que a cabritinha me disse. Só um pastor sabe do que as cabritas são capazes. Logo, escrevi aqui, para que me pudessem explicar. Nos dias seguintes, ela ainda me foi dizendo, no seu falar melífluo, que tudo se encaixava na perfeição: que o nosso Portugal, embora latino, ainda mostrava as cicatrizes do fascismo, nomeadamente no papel da mulher, no valor da família e do seu chefe…Que a diferença de vivências entre as gerações criava um mundo à parte, o qual caberia aos jovens, entregues aos seus instintos e à sorte, esculpir e dar forma; e, a partir dessa falta de contacto e transmissão de saberes, não só se geravam sentimentos de insegurança, como se esfumava o que ainda restava do respeito pelos mais velhos, sendo esse respeito deslocado para o grupo de pares… Escusado será dizer que, se não percebi em que consistia a primeira argumentação, também não percebi estes “anexos”.
Enfim, acho mesmo que esta cabrita devia mastigar mais a erva que come. Está tão magrinha. E depois aquele estado de saúde débil afecta-lhe os nervos… Mas isso sou eu que acho… Aliás, eu não acho nada, para além do pasto das minhas cabritas e das suas tetinhas. Mal me pus a pensar noutras cousas, levei logo três marradinhas que me deixaram todo “derreado”. É caso para dizer que «nem só de pasto» vivem as cabras.

.
Encarecidamente,
José “das Cabras”

P.S.: Desculpem-me caros leitores pelos possíveis erros ortográficos que este texto possa conter. Tal fica-se provavelmente a dever ao facto de o mesmo ter sido escrito por um bu*** de um caloiro, enquanto eu, sentado em cima das costas do mesmo, lho ditava.

E assim acontece

Futuro título: O sexo e a cantina Jomaze (patrocínio)

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Essência tipo quê? Hugo Boss?


“O casamento é um contrato entre um homem e uma mulher. Na sua essência” Senso comum


Pode ou deve um Estado legislar sobre essências? Se sim, então o Estado pode ou deve legislar sobre Deus, certo? A minha questão é: como se legisla sobre Deus?!

Gonçalo Viana - Arte com "A" grande


Gonçalo Viana costuma desenhar para a revista Visão. É um dos meus ilustradores preferidos. Os seus cartoons são refinadamente irónicos e as suas caricaturas possuem uma candura perversamente sarcástica, principalmente quando o tema é política, que aliás, é (presumo) o tema preferido de Gonçalo. Passem pelo site e fascinem-se a vocês mesmo.

Aviso: é viciante!

O dilema de Hume


«Hume colocou algumas dúvidas em tudo isso. Assinalou que nenhum número de enunciados de observação singular, por mais amplo que seja, pode acarretar logicamente um enunciado irrestrito. Se eu noto que o acontecimento A vem acompanhado, em certa ocasião, pelo acontecimento B, não se segue logicamente que A volte a ser acompanhado por B em outra ocasião. Isso não decorre logicamente de duas observações, nem de vinte ou de duas mil. Se os acontecimentos vêm juntos um número suficientemente grade de vezes, eu posso, notando que A ocorreu, manifestar certa expectativa no sentido em que B ocorra – mas isso é um fato psicológico, não lógico. O Sol pode ter surgido a cada dia, todos os dias de que tenhamos conhecimento, mas isso não acarreta que deva surgir amanha. A alguém que nos diz, “Ah, sim, mas nós podemos predizer, de fato, o momento preciso em que o Sol voltará a raiar amanha, com base nas estabelecidas leis da física, aplicadas às condições que vigem neste momento”, é possível retrucar com duas objeçoes. Em primeiro lugar, o fato de que as leis da física vigoraram no passado não acarreta logicamente que continuem vigorando no futuro. Em segundo lugar, as leis da física são, elas mesmas, enunciados gerais que não decorrem logicamente dos casos observados aduzidos em seu favor, não importa quão numerosos possam ser. Assim, essa tentativa de justificar a indução é viciosa, porque dá por assente a validade da própria indução. A ciência admite que haja regularidade da natureza, admite que o futuro se assemelhará ao passado em todos os aspectos em que as leis operam. Todavia, não há meio que permita legitimar esse pressuposto. Ele não pode ser estabelecido pela observação, pois que nos é impossível observar acontecimentos futuros. E não pode ser estabelecido com base em argumentos lógicos, pois que do fato de futuros passados se terem assemelhado a passados passados não deflui que todos os futuros futuros venham a assemelhar-se aos passados futuros. A conclusão a que Hume chegou foi a de que, embora não exista meio de demonstrar a validade dos procedimentos indutivos, a constituição psicológica dos homens é tal que não lhes resta outra alternativa senão a de pensar em termos de tais procedimentos indutivos» (Magee, Bryan s/d: 22-23)


Magee, Bryan (s/d) As Ideias de Popper. São Paulo: Cultrix, 21-36

Playlist - Especial Magusto de S. Martinho

Muse – Uprising




A mesma energia pulsante de um “Time is Running Out”, um dramatismo à la Queen e o mesmo rock que faz parecer as experiências de abdução um encontro com o Criador. Poderia muito bem constar no Blacks Holes & Expectations. Mas as expectativas superaram-se com The Resistance. E eles resistem à democratização do rock…


Britney – 3



Britney não para de surpreender, e agora fala (de uma maneira não muito original e recorrendo a clichés intragáveis) de menage à trois. Um exercício de pop eficaz numa canção enfadonha. Nota: 3 para ser justo.


Editors – Papillion



Quando se pensava que os Editors pudessem descer mais abaixo na categoria de depressivos só a electrónica os poderia resgatar. Não o fez. Pelo menos, de uma forma comum. Continuam soturnos mas sem grandes momentos que os marcaram (“Blood”, “Munich”, “All Sparks” e “Lights”). “Papillion” é um potencial hit porque, precisamente, nos remete para os hits do passado e não se torna um poço de angústia inerte: é maquinal, fria, grave mas não sombria o suficiente. Joy Division no seu melhor.


Lady GaGa – Bad Romance




É com grande expectativa que aguardo o segundo álbum de Miss Lady GaGa, um ícone da música pop actual (espero não dizer isso precocemente), rainha do electro-pop norte-americano, um indiscutível símbolo gay, representação hedonística da pós-modernidade. Consta que o segundo álbum seja uma readaptação do primeiro The Fame, chamado The Fame: Monsters, onde cada canção retrata um medo e, de uma maneira genérica, o álbum evoca o lado negro da fama. Flirto com álbuns conceptuais, razão mais do que suficiente para gostar da senhora GaGa e para que o nosso romance dure para sempre. Final Feliz.


Mika – Blame It On the girls




Mas nem só de finais felizes se fazem as histórias. Neste caso as canções. Ou melhor, os artistas. O novo álbum de Mika é escasso em finais felizes e em bons momentos, Pelo menos, de momentos que me agradam. A extensão da ópera rock auto-biográfica foi longe demais e tornou-se um antro de canções inofensivas com um olho a piscar para o espectro-balada. “Blue Eyes” sabe a trópicos, Dr. John”, embora entediante, é fofinhoconhonho, “We are golden” um convite impúbere de confettis e “Rain” é um grito de revolta (talvez a grande canção do álbum). Outra canção que se safa é esta “Blame it on the girls”. Mika fazendo das raparigas o bode expiatório para a sua (homo)sexualidade. Sincera, orelhuda e com um cheirinho a salsa. Passa…


Martin Solveig – Boys & Girls



Androgenicamente retro, intensamente pop e totalmente virada para as pistas assim é o novo futuro hit de Martin Solveig. Seleccionada por Jean Paul Gaultier e com a ajuda de Dragonette, Martin Solveig não brinca quando o consideram como um dos melhores Djs da actualidade. Guetta, cuidado…


Little Boots – Not Now



A menina-prodígio do electro-pop britânico não é assim tão meiguinha e inofensiva, Fazendo just dos seus sintetizadores pede para não a chatearem. Impossível: com canção tão viciante e com sabor a frenesim natalício, presente no seu EP “Illuminations” (até o titulo nos leva ao nascimento do Deus-menino). Para ouvir com as rabanadas.


David Guetta – Sexy Bitch



Que Guetta se emaranhasse com os magos da black music já não era nenhuma novidade. Que o seu novo disco fosse um sucesso mundial também não. Com a ajuda dos vocais arrebatadoramente eróticos de Akon, “Sexy Bitch” é talvez o grande hino house de 2009 com o seu refrão sexualmente apelativo, masculinista é certo mas convenhamos, o sotaque cerrado de Akon torna-o tão supra-excitante que apetece mesmo fazer o amor. As feministas botam as mãos à cabeça e nós abanamos a nossa: “Damn, you´re a sexy betch”…


Robbie Williams – Bodies



Título sugestivo, frenesim bombado acompanhado de um misto de som profano e pratinhos chineses que exaltam o sexo e a religião. Estes não hesitam em andar de mãos dadas sempre incitando a polémica ou não estivéssemos nos a falar do enfant terrible da pop britânica.

Rammstein – Pussy



Nada é mais polémico que Rammstein (ok, Susan Boyle vai lançar o seu primeiro álbum de originais…). A banda alemã regressa com as suas sexualmente chocantes canções e os seus vídeos inarráveis. Foi assim com “Man Gegen Man”, com “Zwitter” e é assim com… “Pussy”. O nome diz tudo.

LCD Soundsystem – bye bye bayou



House relaxado, quase experimental, vocoder sexy e onda à Hercules & Love Affair. Deixam a irreverência pop dos últimos álbuns e dedicam-se à pista. Hello hello LCD Soundsystem.

Glass Candy – Candy Castle



Electrónica charmosa e feminina é tudo o que os Glass Candy fazem. E não é propriamente uma queixa. Muito pelo contrário, Glass Candy chegaram ao posto que ocupam os Hercules & Love Affair (e desculpem estar sempre a falar deles – é a febre de 4 de Dezembro). Quanto à febre de Glass Candy tem mais a ver com a gripe A: sintomas imprevisíveis. “Beatbox” de 2007 é um possível foco de infecção. Deixe na sua playlist e entregue-se. Atchim.