segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O dilema de Hume


«Hume colocou algumas dúvidas em tudo isso. Assinalou que nenhum número de enunciados de observação singular, por mais amplo que seja, pode acarretar logicamente um enunciado irrestrito. Se eu noto que o acontecimento A vem acompanhado, em certa ocasião, pelo acontecimento B, não se segue logicamente que A volte a ser acompanhado por B em outra ocasião. Isso não decorre logicamente de duas observações, nem de vinte ou de duas mil. Se os acontecimentos vêm juntos um número suficientemente grade de vezes, eu posso, notando que A ocorreu, manifestar certa expectativa no sentido em que B ocorra – mas isso é um fato psicológico, não lógico. O Sol pode ter surgido a cada dia, todos os dias de que tenhamos conhecimento, mas isso não acarreta que deva surgir amanha. A alguém que nos diz, “Ah, sim, mas nós podemos predizer, de fato, o momento preciso em que o Sol voltará a raiar amanha, com base nas estabelecidas leis da física, aplicadas às condições que vigem neste momento”, é possível retrucar com duas objeçoes. Em primeiro lugar, o fato de que as leis da física vigoraram no passado não acarreta logicamente que continuem vigorando no futuro. Em segundo lugar, as leis da física são, elas mesmas, enunciados gerais que não decorrem logicamente dos casos observados aduzidos em seu favor, não importa quão numerosos possam ser. Assim, essa tentativa de justificar a indução é viciosa, porque dá por assente a validade da própria indução. A ciência admite que haja regularidade da natureza, admite que o futuro se assemelhará ao passado em todos os aspectos em que as leis operam. Todavia, não há meio que permita legitimar esse pressuposto. Ele não pode ser estabelecido pela observação, pois que nos é impossível observar acontecimentos futuros. E não pode ser estabelecido com base em argumentos lógicos, pois que do fato de futuros passados se terem assemelhado a passados passados não deflui que todos os futuros futuros venham a assemelhar-se aos passados futuros. A conclusão a que Hume chegou foi a de que, embora não exista meio de demonstrar a validade dos procedimentos indutivos, a constituição psicológica dos homens é tal que não lhes resta outra alternativa senão a de pensar em termos de tais procedimentos indutivos» (Magee, Bryan s/d: 22-23)


Magee, Bryan (s/d) As Ideias de Popper. São Paulo: Cultrix, 21-36

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