terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Divers@s e desiguais


Sempre que alguém tem a (boa) ideia de apostar ou investir no “segmento gay”, a explicação não tarda: que os gays têm mais dinheiro, consomem mais, prestam atenção à moda e não têm filhos. É o famoso efeito DINKY (double income no kids, isto é, “duplo rendimento, sem filhos”). Isto dá-nos imenso jeito, é certo, porque o mercado também é um lugar de visibilidade. Mas isto revela bem duas coisas que estão ligadas entre si: quem de entre nós se tornou mais visível e porquê; e quem de entre nós oferece o modelo que “a sociedade” está pronta ou disposta a aceitar. Quem “a sociedade” e “o mercado” estão prontos e dispostos a aceitar é justamente o dinky – um homem, com dinheiro, de classe pelo menos média e consumista. Em suma, é o yuppie (lembram-se?) Pois parece que regressou, só que com nova orientação sexual…). Podemos escrever parágrafos sobre a diversidade da nossa “comunidade” – como ela é feita de homens e mulheres, de transsexuais e cissexuais (as pessoas não-trans), de ricos e pobres, brancos e negros, estrelas da televisão e condutores de autocarros, lisboetas e filhos de Castanheira de Pêra, de promíscuos e monogâmicos, celibatários e unidos de facto, sem e com filhos. Podemos fazê-lo mas não escapamos a uma constatação: essa diversidade não é neutra, ela é também uma desigualdade. Que replica outras desigualdades – sociais, étnicas, de género – que perpassam toda a sociedade. É ela que dá azo ao que designamos por discriminação no seio da nossa “comunidade”. Não uma discriminação estrutural como a que vitimiza e exclui o conjunto da população LGBT; mas uma discriminação de interacção e de proximidade, geradora de novas invisibilidades. A misoginia de muitos gays, o racismo, o preconceito com base na idade e no corpo, e o classismo, medram na nossa “comunidade” como na sociedade em geral. O que nos une, então, se tanto nos divide é baseado na desigualdade? O que nos une é a experiência comum de confrontação com a homofobia e com a heteronormatividade (a imposição de normas e expectativas heterossexuais). Por trazerem consigo, à partida, o capital social da masculinidade e da classe, o segmento que conseguiu mais cedo dar a cara e reivindicar foi o de quem se assemelha ao dinky. Temos à nossa frente muito trabalhinho para fazer no sentido de definirmos o que, mais do que uma “comunidade” no sentido populacional, identitário, quase-étnico, deveria ser uma comunidade cultural de resistência à homofobia, (incluindo, é claro, as suas especificações em relação às lésbicas, transgénero e transsexuais) e de criação de alternativas à heteronormatividade. Não quero soar a esquerdista puritano, mas às vezes acho mesmo que só seremos uma comunidade de resistência e para a mudança quando a nossa cultura for feita sobretudo disso (como já o é em parte, na memória histórica, nos símbolos e nas referências literárias, musicais, etc.) e não só de músculos, marcas e modas.

Miguel Vale de Almeida, Com’Out nº 6 Dezembro de 2008, Opinião, pág. 18.

Miguelvaledealmeida.net

1 comentário:

João Roque disse...

Nem vale apena comentar, basta ler e reler para não esquecer...
Abraço.