quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

A Sedução


É incontável o número de cursos que garantem sucesso nas conquistas profissionais ou sexuais. Basta consultar o Google e aparece imediatamente uma lista infindável de métodos mais ou menos mecânicos, ferramentas de sedução para qualquer situação em que a vida nos coloca. Parece que se pode aprender a fazer olhares, ensaiar poses, utilizar pausas dramáticas ou técnicas de sincronização que tornariam o “Zelig” de Woody Allen (do filme homónimo, de 1983), um ser sem nada de estranho ou notável ou, inclusive, aprender a realizar gestos e palavras subliminares e até hipnóticas… Quiçá, antes de embarcar nessa despesa, eu possa ajudar no processo de compra.

A sedução assenta em dois princípios psicológicos muito simples: Primeiro, na forma do outro, na forma de ouvir e comunicar na linguagem do outro. Por linguagem entenda-se também a não verbal. Em segundo lugar, no alimentar das expectativas e fantasias do interlocutor em relação ao mundo em que este se insere e em relação ao sedutor. A chave da sedução está no mistério que o sedutor cria à sua volta. Na incerteza e interesse que gera no outro. Nas meias palavras e nos meios silêncios. Ou seja, numa ambiguidade que permita ao interlocutor imaginar o sedutor em possíveis papéis, que possa desempenhar, que o interlocutor constrói como forma de regular as pequenas inconveniências do presente enquanto se projecta em futuros mais apetecíveis.

O narciso incorrigível
A maior parte de nós está demasiado ocupada em ouvir a si mesma a explanar, com profundidade e extensão, a sua munificente sabedoria sobre assuntos avulsos. Com grande assertividade desenvolvemos visões mais ou menos rebuscadas sobre tudo e sobre nada. Estaremos aliás particularmente habilitados nestes domínios: raramente se encontra uma dúzia de portugueses que não subscreva duas dúzias de opiniões, por vezes bizantinas, sobre qualquer assunto que esteja em apreço. O sedutor não nega nem afirma a opinião do outro. Incentiva o interlocutor a usufruir dum período em que é escutado sem oposição e com “evidente” interesse. Seguidamente, o sedutor ideal sintetiza o pensamento do outro numa fase memorável. É um criativo publicitário. Deixa o outro fascinado a pensar que foi o autor da frase, que a sua sabedoria vale ainda mais do que o próprio já suspeitava. O sedutor oferece ao interlocutor os “direitos de autor”. Torna-se mais que apreciado, torna-se desejado. O sedutor procura dar ao outro o centro do palco. Pontua o discurso do outro com interjeições bem-humoradas, por vezes paradoxais. O paradoxo é uma arte do sedutor. Num paradoxo podemos conter a interpretação que deixa ambos os antagonistas numa discussão com a firme certeza de que estamos exclusivamente ao lado de cada um. Sem que nenhum possa verdadeiramente desmentir a interpretação do outro. Um grande sedutor consegue deixar alguém insultado durante horas até que o outro compreenda o insulto. É pois fácil confundir um sedutor com um diletante. Puro engano. O desprendimento e a distracção são artifícios. O sedutor é um narciso incorrigível. Tem normalmente uma orientação bastante instrumental das suas relações. Um manipulador por excelência. O sedutor consegue “dar” ao outro a sensação de ganho: sobretudo quando desperta instintos maternais ou paternais. Consegue o verdadeiro ganho sem nunca dar a entender o que pretendia realmente. Nunca é demasiado óbvio. O sedutor pode também ser equivocado como a serenidade em pessoa. Em lugar de um calmo interlocutor, o sedutor é uma máquina de cálculos de utilidade marginal….

Contudo, não é estritamente motivado pelo dinheiro ou por bens materiais. O sedutor é um fascinado pelo poder e pelo reconhecimento, que aceita com sobriedade e timidez, mesmo com embaraço.
Mas nem tudo é negativo no sedutor. É regra geral determinado e transpira autoconfiança e auto estima. Mesmo que seja muito menor do que aparenta ser, a verdade é que o sedutor é um “achiever”. Acredita que é autor do seu destino, possuindo aquilo que os psicólogos denominam por “locus” interno de controlo.
Um sedutor em escala denomina-se normalmente de líder, cujo carisma é baseado na capacidade de nos entusiasmar com futuros ao nosso alcance. Futuros claros e desafiantes, difíceis, mobilizadores. A troco de orgulho e satisfação mais imaterial. E faz sonhar… é um verdadeiro comerciante de sonhos.


José Manuel da Fonseca, Professor Universitário. Professor visitante na Universidade Chalmers. Administrador Century21.

Psicologia nº 1 Março 2006, Psi Crónica, Conversas do quotidiano comum.

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