quarta-feira, 18 de março de 2009

Essas coisas do eduques


Em primeiro lugar existe um direito básico consagrado pela Constituição e inegável num Estado democrático: todos os cidadãos tem direitos e deveres. Em relação a quem? A esse mesmo Estado, tal como comprova o artigo I da sétima revisão constitucional portuguesa de 2005, apoiada pela LBSE:

Lei Constitucional n.o 1/2005 - de 12 de Agosto - Sétima revisão constitucional - A Assembleia da República, no uso dos poderes de revisão constitucional previstos na alínea a) do artigo 161.o da Constituição, decreta a lei constitucional seguinte: (...) Artigo 13.o (Princípio da igualdade) 1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual. (...)

É irrelevante discutir a fidedignidade da democracia portuguesa actual ou as suas limitações práticas. Necessário é reconhecer e compreender que é um ponto assente que cada um e cada uma de nós têm o direito à educação (entende-se educação aqui em todo o seu espectro mas debruçar-me-ei particularmente sobre a educação formal, escolar).

Tendo em conta a especificidade do domínio escolar, a questão que se coloca é: sabendo nós que existem regras de socialização fundamentais para se estar na escola e que simultaneamente somos diferentes quanto à forma como nos posicionamos perante essas regras, é legítimo atacar a obrigatoriedade do ensino sem desrespeitar a liberdade individual?

Por exemplo, temos o caso recente dos meninos ciganos que, numa escola em Barcelos, recebiam aulas num contentor. Perante a acusação de discriminação (positiva?), a directora Regional de Educação do Norte, Margarida Moreira, defendeu-se com a pérola: temos que tratar diferente o que é diferente. Argumento muito utilizado por aqueles que recusavam a educação às raparigas durante o século XVII e por aqueles que defenderam a escravatura dos negros durante os séculos seguintes.

Seja como for, argumentos “contra” ou argumentos “a favor” proliferaram instantaneamente e o meu objectivo não é emitir um juízo de valor mas antes reconhecer que, quem defende o ensino tradicional e uma visão simplista da educação negligenciando e até mesmo caricaturando as Ciências da Educação (o eduquês) tem obrigatoriamente que reconhecer que a educação não é como concluir que 2 + 2 = 4. Não é uma área mecanicista como as ciências consideradas exactas mas problematizadora.

Tornar a escola não obrigatória é uma forma de fazermos com que aqueles que não queiram usufruir dela sigam caminhos dispersos. E quando falo em caminhos dispersos não me refiro a percursos escolares considerados alternativos como o ensino recorrente ou o ensino profissional pois estes tem a mesma validade e legitimidade do que o ensino regular e o/as aluno/as as mesmas capacidades do que qualquer outro/a.

Tornar a escola não obrigatória é, em última análise, promover as desigualdades sociais sabendo que existe um grupo de pessoas escolarizadas e outro grupo que simplesmente não desfruta da escola. É segmentar, é validar a escola do passado, elitista e reprodutora de desigualdades. Guetizar é justificar a diferença. É dizer “tu não és igual a mim!”. É hierarquizar.

Aquela ideia de que os alunos desmotivados, aqueles que “não dão para a escola”, tem como função categórica o trabalho (“se não gostam da escola vão trabalhar!”), é uma ideia paradoxal. Ora, vejamos: o mundo do trabalho está edificado perante as exigências educativas. E se é verdade que para se ser médico é preciso a obtenção de um curso do ensino superior e que para se ser construtor civil não é preciso ter essas mesmas equivalências, não deixa de ser menos verdade que ninguém emprega ninguém que não tenha o mínimo de escolaridade. Ou que então, se reconheça que entre dois indivíduos a concorrerem para o mesmo emprego, o nível de escolaridade tenha o seu peso fundamental na selecção desses mesmos indivíduos.

A escola é um reflexo da sociedade e como dizia a Tatiana (colega de turma) anteriormente, “pensar que abolir a escolaridade obrigatória seria por fim ao desinteresse por parte dos alunos, é uma ilusão.”

A infância e adolescência não são fases fáceis e é claro que é preciso ter atitudes de alguma complacência com os alunos nessas fases. A dimensão humana é negligenciada pela escola, uma escola de componente hierarquizada e cuja as suas estruturas encontram-se impregnada de resquícios salazaristas.

Soluções possíveis?
  • Tornar a escola um lugar cativante, dinâmico e dinamizador. Não é esse o papel dos mediadores socioeducativos e da formação? Esse papel não se deve só à comunidade escolar mas também aos educadores a quem se deve sensibilizar para estas questões essenciais nas decisão e formulação de escolhas e trajectos do seu educando, auxiliando-o a criar o seu próprio projecto de sucesso no futuro;

  • A criação de estruturas de apoio (psicólogos, assistentes sociais e mediadores sociopedagógicos) nas escolas é fundamental para a resolução destes entraves;
    · A formação continua dos professores tal como propõe a Paula e actualização destes perante diferentes contextos, sensibilizando-os para a diversidade e para a valorização da dimensão humana;

  • Não negligenciar os conhecimentos dos alunos, correndo o risco de afectar as expectativas do educando, e perceber até que ponto os conhecimentos solidificados são úteis na apreensão de novas aprendizagens;

  • Fomentar o civismo entre os alunos apelando à consciencialização destes como futuros cidadãos e cidadãs do país e do mundo;

(eu até sei escrever umas coisas...)

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