segunda-feira, 20 de abril de 2009

Ensino Inferior



Recebi este texto, que merece reflexão. Aqui vai:


O que se passa na Universidade do Porto?

O caso do que se está a passar na Universidade do Porto com a Acção Social
é um símbolo triste e chocante do estado a que chegou a desinformação, o
ensino superior público e a naturalização da injustiça e do abuso.

O anúncio da “solidariedade”, ou o estado a que chegou a falta de
informação Depois de protestos em Letras e em Belas Artes no passado dia 1
de Abril, sob o lema “Acção Social: Mentira do Dia”, a Reitoria da
Universidade do Porto veio a público dizer que “comunga das preocupações
dos estudantes” e anunciar a criação de “apoios extraordinários” aos
estudantes em situação demais profunda carência. A generalidade dos
órgãos de comunicação social reproduziu a notícia: a UP está
preocupada, está com os alunos e até arranjou medidas extraordinárias de apoio. Mediante o
sufoco que se vive, com, por exemplo, dezenas de alunos da UBI a ter que
sobreviver das ajudas do Banco Alimentar, esta medida só podia merecer um
aplauso geral.


Acontece que ninguém se terá dado ao trabalho de ir ler o regulamento
desses apoios, aprovado na Secção Permanente do Senado da UP a 11 de Março
deste ano. Nele se define que os apoios existiriam, sim, mas tendo como
contrapartida os estudantes estarem disponíveis para trabalhar para as
unidades orgânicas o tempo correspondente ao valor desse apoio
extraordinário (que teria no máximo o valor da propina do curso),
contabilizando-se o valor de trabalho por hora em 45 cêntimos (é que está
lá escrito, vejam o anexo!).


Denunciado isto, logo a reitoria veio admitir o erro e dizer que se tratava
de uma gralha. Mas a gralha não era essa ideia absurda de transformar a
atribuição de bolsas extraordinárias para os estudantes mais pobres e em
risco de abandonar o ensino numa forma de os explorar e pôr a trabalhar a
baixo custo para a UP. Não. A gralha era só esse valor ridículo de 45
cêntimos à hora. Afinal, a exploração do desespero estudantil era mesmo a
sério, só que o valor estava mal: teriam de trabalhar, mas contabiliza-se
4,5 euros por hora.

Esta medida de “apoio” é mesmo chocante
Durante alguns anos, representei os estudantes da minha faculdade no Senado
da Universidade do Porto. Vi algumas coisas serem aprovadas, discordei de
muitas delas. Participei do protesto dos estudantes para impedir a fixação
do valor das propinas. Nunca pensei que um órgão composto por gente tão
qualificada pudesse aprovar uma medida tão chocante.
Chocante porque é suposto estarmos a acudir a uma situação de especial
carência. Chocante porque é nestes momentos que é preciso que quem sabe
mais e tem mais conhecimento se bata pelos direitossociais e pela
solidariedade. Por isso é que não é normal que, no momento de ajudar os
estudantes mais pobres, se queira aproveitar para os pôr a fazer serviços
que a faculdade não quer pagar a trabalhadores. Se há trabalho, que ela
seja feito e remunerado – e que para isso se contrate mais gente se mais
trabalho houver e se exija do Governo condições para o funcionamento das
instituições (bastava não deixar prescrever as correcções ao IVA dos
bancos e, só este mês, teríamos mais quatro milhões para o ensino...). Se
há voluntariado na UP, nada contra, mas ele é para todos os estudantes (mais
ricos ou mais pobres) e obedece à vontade e à motivação de cada um. O que
é inaceitável é, no momento em que é preciso socorrer quem mais precisa,
fazer a chantagem da exploração a quem tem menos.

A Naturalização do abuso
É surpreendente que tudo isto esteja a acontecer desde dia 11 de Março e,
aparentemente, sem grande indignação. É evidente que este tipo de
propostas é apenas a extensão caritativa do princípio do
utilizador-pagador, de acordo com o qual quem quer um serviço paga-o e a
educação é uma mercadoria como outras. É um princípio coerente com a
lógica das propinas e com a lógica da gestão cada vez mais empresarial das
Universidades.
Mas nada disto é “natural” ou “normal”. E nada disto é solidário.
Muito pelo contrário.
Por cada estudante que estiver a "trabalhar" (a troco de uma bolsa social!)
para a Universidade do Porto a 4,5 euros à hora, é menos um trabalhador que
poderia e deveria estar a fazer esse trabalho – e que seria, esperemos,
melhor remunerado. Ou seja, o que se está a fazer é a arranjar um
expediente para pôr estudantes a fazer barato (e em troca de uma bolsa que
afinal não é bem bolsa) o que deveria ser feito por trabalhadores com
salário. Em segundo lugar, a acção social é um direito, a educação é
um direito e o acesso ao ensino superior é um direito (por pouco evidente
que isso pareça hoje em dia...). Foi nessa esfera que foram colocados pela
nossa Constituição. Achar que o ensino superior é um direito para quem tem
dinheiro e que é um privilégio que os mais pobres pagam com trabalho para a
Universidade é uma aberração do ponto de vista democrático.
As Universidades deveriam ser, ainda, lugares de alguma autonomia para o
pensamento crítico e para a respiração democrática... A naturalização
do abuso é, por isso, uma violência contra a Universidade, o pensamento, a
solidariedade e contra cada um de nós. Estaremos dispostos a ficar calados?

José Soeiro, deputado do Bloco de Esquerda



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