segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Variações (do País e do Mundo)


Se houve algum acontecimento que, após o 25 de Abril, fosse o símbolo de uma liberdade temerária e pura, esse símbolo era António Variações. Quantos países se podem orgulhar de ter alguém que é simultaneamente um ícone pop e um ícone gay?

Variações, nascido em Braga, educado pelo mundo, era o paradigma da música de alto consumo vinda algures do outro lado do oceano e que teve origem na fusão entre a essência hippie dos movimentos de contra-cultura, a energia disco-sound do início dos loucos anos 80 e a identidade da musica tradicional portuguesa.

O estilo musical de Variações possui várias marcas notáveis, cunhos audíveis da sua arte, sendo eles:

· O sentimento populacho e a adulação ao estado português-autêntico. A roçar o pimba, está patente, por exemplo, no recurso a provérbios portugueses: “É para amanha/ o que podes fazer hoje” ou “quando a cabeça não tem juízo/ o corpo é que paga” ou “quando fala um português/ fala um ou três”;

· A temática pop art na estética e, sobretudo, no lirismo. Canções como “Toma o comprimido” ou “Linha Vida” são exemplos paradigmáticos de críticas ao consumo e, ao mesmo tempo, menção de realidades dos nossos quotidianos;

· O factor camp. Na estética e nas canções. Em “canção do engate” (o título, por si só, é gay que se farta), o pós 25 de Abril leva-o a cantar: “tu estás livre e eu estou livre” numa clara alusão à própria homossexualidade. A questão do tempo, do processo de envelhecer (especialmente penoso para alguns homens gays), dos papéis sexuais (“Dar & Receber”), da insatisfação persistente (“Estou Além”), da ligação à mãe (“Deolinda de Jesus” – Édipo) e a adoração a um ícone feminino, nesse caso, Amália (o efeito divã) são retratos reais do sentimento de muitos gays portugueses, principalmente na década 70 (“Amália-voz-de-nós” e o cover de “Povo que lavas no rio” da artista supracitada);

· O contraposto entre o rural e o urbano (“Olhei para trás”);

· O apelo incessante ao misticismo (“Anjinho da guarda”);

· As referências a Pessoa: “Canção”.

Outras Pérolas

Erva daninha a alastrar

Metaforas incríveis (“eu não sei se me quero polir/ também não sei que se me quero limar”), ritmo frenético e concentrado (lembra Da Vinci) acompanhado por uma estrutura rígida da canção. Seria um grande hit.

Linha Vida

Brincadeiras com a astrologia e as previsões (“quem me capaz de me informar se é linha recta ou vai entortar” – referindo-se à palma da mão). Pop com “P” maiúsculo.

Anjo da Guarda

Na impossibilidade de se voltar para Deus, apela-se a um ser igualmente etéreo que nada é mais do que um refúgio seguro para os percalços terrenos. Variações viu a luz. E a luz o viu a ele.

Quero é viver





A forte componente hedonística de Variações parece ser inversamente proporcional à passagem do tempo. Nada que preocupe o libertário cantor já com destino traçado pelo maldito vírus.

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