domingo, 24 de janeiro de 2010

Quando for grande quero ser um homem X


É fácílimo supor que um jovem gay, na sua infância, brincava com Barbies ou outros clones da boneca-maravilha da Mattel, mas como dizia uma amiga minha certo dia,, em tom de brincadeira: "depois apareceu o Ken...". Não, nunca gostei realmente muito de brincar com bonecas (não que houvesse algum problema se gostasse). Os meus interesses, enquanto graúdo de palmo e meio, sempre andaram à volta de três interesses: filmes da Disney (que eram sempre bons pretextos para descobrir a minha sexualidade com as meninas pois havia sempre um beijinho implícito), jogos na antiquada Sega Saturn (quem não se lembra do Sonic?) e BD's. De facto, as BD's marcaram a minha vida. Como qualquer criança o mundo da imaginação era sempre um refúgio e subterfúgio para uma vida que preferia esquecer. Na impossibilidade de fazer upgrades e mudanças radicais, por mim mesmo, recorria ao mundo mágico do Batman, do Dragonball e dos X-men. Lembro-me que a primeira (e única) vez que o meu pai me disse que tinha orgulho em mim foi quando lhe mostrei uma BD, feita por mim, com a ajuda dos blocos de papel que a minha mãe trazia do seu emprego, na Igráfica. Onde quer que fosse mostrava os meus desenhos, o que, de certa forma, dava um certo alento ao carácter ultra-machista do meu pai que se vangloriava por ter um filho que sabe desenhar bem. Podia-se supor o contrário. Homem que sabe desenhar só pode ser maricas. Mas não, o meu pai gostava de saber que eu tinha, pelo menos, alguma utilidade e os vizinhos passavam a conhecer a minha veia artística, para além das constantes discussões (com tudo o que isso implicava) dentro do meu lar doce lar.

Hoje vi o X-men 4. Nunca gostei muito do Wolverine. De certa forma, a barba mal amanhada e a musculatura imponente sempre me fizeram lembrar ele. Sem garras de adamantiun mas não se coíbia de magoar quem quer que fosse.

Os X-Men sempre foram os meus companheiros de sempre. Era demasiado pequeno (7, 8 anos) para ter consciência do que é ser-se homossexual, apesar de já o saber que o era. Havia um rapaz na minha turma que tinha o mesmo nome próprio que eu, Hugo, daí que a professora tenha preferido tratar os dois pelo apelido. Eu, Hugo Santos e ele, Hugo Araújo. O Hugo Araújo era o meu pai em ponto pequeno e, ironicamente, a única distinção entre os dois (tirando a idade, claro) era a atracção que o HA exercia em mim. Era um poder muito forte. Magnético como o Magneto. Sentia até ciúmes da pretensa namorada (alguém com 8 anos namora?), a Filipa. Queria ser ela. Contudo, o Hugo Araújo, por eu ter um nome igual ao dele, fazia de tudo para me magoar. Tal como o meu pai. Nem sequer tinha desenhos para lhe mostrar e atenuar a minha dor. Então refugia-me nos contornos másculos dos X-Men. Mais tarde descobri que podia ser uma metáfora para a homossexualidade com os seus discursos dúbios sobre tolerância, diferença, aceitação. Eu era um mutante e o HA um humano normal. No way...

Cresci sem super-poderes mas venci muitas batalhas. A mágoa ao meu pai passou a indiferença. Já não tenho o hábito de desenhar BD's, apesar de ter mais motivos para me orgulhar e fazer @s outr@s orgulhos@s de mim. O mundo já não é mais o mesmo e poderá ficar melhor depois de 8 de Janeiro. Mutantes e humanos normais a lutar, lado a lado, por um mundo melhor.

Perguntou-me a minha mãe, certo dia, enquanto observava atentamente a finalização dos meus últimos desenhos: "- O que queres ser quando fores grande?"; Respondi-lhe com um sorriso rasgado de criança inocente: "-Quero ser um homem X!"

Well, that's what i am now, a X-Men.