quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

A Adopção - verdades e fálacias


O tema da adopção de crianças por parte de casais homossexuais (gays e lésbicas) é um tema definitivamente sensível. Não para mim mas para o resto da sociedade. Para mim parece-me óbvio que para criar/educar bem uma criança é só preciso:

• Criação de laços afectivos/amor;

• Estabilidade relacional;

• Dedicação/atenção;

• algum poder económico;

• algum conhecimento tácito e especifíco (saber mudar fraldas, brincar, etc).

e não simplesmente “uma componente feminina” e uma “componente masculina” (aliás, desconheço o significado subjacente aos termos em questão – um homem efeminado pode ser tido como “uma componente feminina”?), senão teríamos que considerar que não há nada de errado com os milhares de crianças que são maltratadas, lá está, por “uma componente feminina” e por “uma componente masculina”. Daí concluir que a sociedade anda um bocadinho confusa nos seus valores o que me permite perceber porque é que afinal andam por aí tantos mentecaptos.

Por norma, os argumentos contra a adopção de crianças por casais homossexuais costumam andar à volta de três conjuntos de argumentos:

1. Argumentos de estereotipia;
2. Argumentos da sexualidade da criança;
3. Argumentos sobre o preconceito dos outros.

Conjunto 1 - O primeiro conjunto de argumentos refere-se aos estereótipos sobre os próprios homossexuais e a liderar este conjunto está o preconceito que tenta, a todo custo, vincular a homossexualidade à pedofilia. De tal forma, que a expressão “interesse supremo da criança”, tanto utilizada no caso “Casa Pia”, costuma ser empregue também na questão da adopção. A mais terrível das falácias. Porquê?

Em primeiro lugar, qualquer cidadão/cidadã civilizado/a sabe a distinção entre homossexualidade e pedofilia. É a distinção entre uma sexualidade entre duas pessoas adultas e uma sexualidade (nem sei se lhe posso chamar de “sexualidade”) entre um/a adulto/a e uma criança. Por outro lado, os casais homossexuais não têm mais tendência para a pedofilia do que os casais heterossexuais, sendo que o contrário já não se pode dizer com tanta convicção pois é, muitas vezes, no seio das próprias famílias (hetero) que se dão os abusos sexuais. É claro que os conservadores argumentarão que existe sempre o perigo de haver casais homossexuais pedófilos. Ok, reconheço essa possibilidade (embora tal constatação é, per si, um equívoco porque se são casais - pessoas adultas - à partida, já não serão pedófilos/as), no entanto, não deve ser por causa dessa hipótese que se não se deva alargar o direito da adopção a casais homossexuais. Por uma meia dúzia de possíveis casais homossexuais pedófilos (já ouviram algum caso?) não se pode impedir milhares de crianças de serem felizes em lares homoparentais estáveis que serão uma maioria em relação aos primeiros.

Existem outros estereótipos. Alguns dizem respeito à questão da promiscuidade/infidelidade, instabilidade e violência doméstica o que conduziria o casal ao divórcio e tal seria negativo, em termos de exemplo e termos de equilíbrio psicológico e bem-estar, para as crianças. Não será preciso explicitar que em casais heterossexuais esta realidade é, de longe, a mais comum. Em suma, argumentos de estereotipia são os mais fáceis de desmontar.

Conjunto 2 - O segundo conjunto de argumentos refere-se à sexualidade da criança. Ou seja, a sexualidade da criança seria influenciada pela sexualidade dos/as pais/mães e/ou então esta sofreria alguma confusão de género, o que escusado será dizer que a influência só será negativa se se der no sentido da homossexualidade. Embora de mais difícil desconstrução pois exige estatística, outra falácia. Passo a explicar em vários tópicos:

1. O bónus da prova – Está provado, salvo erro pela Associação de Psicologia Norte-americana, que a orientação sexual dos/as pais/mães não influencia a orientação sexual da criança;

2. Referência de género – A criança terá sempre referenciais de género (homens ou mulheres) para se identificar. Na televisão, na família, na escola, na rua, etc. Obviamente que não tenho o curso de futurologia mas também ninguém tem o curso de futurologia para negar o meu pressuposto;

3. O carácter fixo da orientação sexual – Seria fácil dizer que a homossexualidade, tal como a heterossexualidade, é uma característica biológica/genética mas infelizmente isso encerra em si vários perigos e não sabemos concretamente qual é a origem exacta da homossexualidade nem da própria heterossexualidade já que factores como, por exemplo, a liberdade de escolha, são decisivos na construção da identidade sexual de cada um/a. Nem sei se seria interessante tal discussão. Sabemos sim que a orientação sexual (hetero ou homo) é, à partida, uma característica, mais ou menos, fixa e inconsciente, com a particularidade de a heterossexualidade ser maioritária e a homossexualidade minoritária, logo a orientação sexual não pode ser linearmente alterável ou influenciável. Repito, não tenho o curso de futurologia mas as hipóteses de as coisas sempre funcionarem assim são muito grandes;

4. A inoperância da educação – Os filhos e filhas de casais homossexuais, à partida, serão heterossexuais como alguns estudos recentes o demonstram. Os conservadores argumentarão que a possibilidade de estes/as virem a ser homossexuais é maior. Óbvio! Os casais homossexuais serão, por norma, mais tolerantes à futura exposição da orientação sexual (hetero ou homo) dos/as filhos/as, ao contrário dos pais heterossexuais que esperam invariavelmente que os seus/suas filhos/as sejam heterossexuais, logo essas crianças homossexuais terão que se auto-reprimir, o que não acontece com as crianças, hetero ou homo, em lares homoparentais. Vale dizer ainda que se todos e todas nós somos educados/as, implicitamente ou explicitamente, a sermos heterossexuais porque é que existem homossexuais? Essa questão é, aliás, um argumento pertinente e muito utilizado neste conjunto 2;

5. O excedente fértil – A adopção está dependente de um excedente fértil de relações heterossexuais. Ora, nós sabemos que as dificuldades da vida serão sempre tão adversas que, infelizmente, existirão sempre crianças disponíveis para a adopção. Quem evoca este argumento esquece-se dos milhões de meninos e meninas africanos/as sem um lar, por exemplo. Por outro lado, nem todos os casais homossexuais querem adoptar e nem todos os casais homossexuais recorrem à adopção para constituir família. Muitos deles têm filhos/as biológicos (veja-se o exemplo de casais de lésbicas que recorrem à inseminação artificial). Este é o tipo de argumentos catástrofe (ad terrorem). É a mesma coisa, por exemplo, que dizer que não podemos permitir a heterossexualidade senão os homens vão começar a fornicar com cadelas. É o apocalipse;

6. A legitimidade de ser-se homossexual – Não é tão viável ser homossexual como heterossexual? Mesmo que as crianças adoptadas por casais homossexuais se tornarem TODAS homossexuais (o que me parece uma generalização ridícula), elas serão sempre uma minoria logo a reprodução biológica nunca ficará comprometida;

7. Modelo hipotético de organização da adopção homossexual – Eu costumo, com este argumento, fazer uma graçola: se realmente a orientação sexual dos pais/mães influenciar a orientação sexual dos/das filhos/as então daremos os meninos a casais de lésbicas e as meninas a casais de gays. Serão heterossexuais na certa. Já estou a ver as meninas a fazer show de drag, com 3 anos, maquilhada com a ajuda dos seus pais e os meninos a beberem cerveja e arrotarem alapados no sofá com as suas duas mães.

Conjunto 3 - O último conjunto de argumentos refere-se aos preconceitos dos outros. Isto é, as crianças criadas por casais gays e lésbicos sofrerão discriminação, serão fortemente vítimas de estigma, ai meu deus! Parece-me óbvio que o problema aqui é o preconceito homofóbico dos outros e não o facto de a criança ser educada por pais/mães homossexuais. É esse preconceito que tem que ser socialmente trabalhado. Vale referir que todas as crianças sofrem discriminação (por usarem óculos, por ser gordas, por vestirem marcas, por serem inteligentes, etc), agora a discriminação destas não se compara a discriminação de grupos tradicionais como as mulheres, os negros/etnias ou a dos LGBT’s, discriminações, muitas vezes, patrocinadas pelos próprios Estados, pois esta última discriminação é uma discriminação de ódio, insulto (“as putas”, “os pretos”, “os paneleiros”), agressão e que afecta gravemente a vida das pessoas. Acho incrível que os conservadores se indignem com o possível preconceitos dos outros nestes casos (como se isso fosse uma certeza ou como se eles próprios não estivessem a contribuir para esse preconceito) e não se revoltem com os milhares de crianças e adolescentes que são vitimas de bullying homofóbico nas escolas levando muitos e muitas deles/as a terem que abandonar os estudos. Incoerências…

Outras observações

Convêm referir ainda que a adopção em nome singular já possível em Portugal e portanto existem já crianças a serem educadas por pessoas homossexuais e que depois se juntam com a pessoa com quem amam. A diferença está entre um casal ou uma pessoa. É justos não lhes darem reconhecimento legal? É justo o Estado negligenciar esses casais (e o seu reconhecimento como casais), responsáveis por um bem precioso: a criança?

A questão da adopção, pelo contrário que pareça, normalmente surge em primeiro lugar do que a questão do casamento. Por exemplo, muitos estados dos EUA (país tradicionalmente homofóbico) vêem com melhores olhos a adopção do que o casamento (mais ligado com a religião – católica, mórmon, judia, etc) tanto que, na maior parte deles, a adopção por casais homossexuais, reconhecidos pelas uniões civis, é uma realidade (não sei se estou a dizer um grande disparate mas confirmem-me). As pessoas preocupadas com as crianças que estão em instituições sem ninguém tomar delas compreendem que é melhor para as crianças estarem com pessoas que as amam e são capazes de as educar. E eu bem sei que as instituições não são todas iguais mas temos que considerar que muitas delas são um descalabro e muitas crianças chegam a ser vítimas de abusos sexuais de padres pedófilos (veja-se o exemplo irlandês).

Acho indecente os argumentos do “não”. Acho indecente que estereótipos descabidos dos outros impeçam as pessoas de concretizarem os seus múltiplos projectos de vida, como por exemplo, constituírem família com a pessoa com quem amam. De facto, o que está em jogo é o supremo interesse da criança:

Adopção JÁ!

4 comentários:

Tiger! disse...

Este texto é dos melhores que já li sobre a homossexualidade, muito bem escrito e impertinente, colocando logo hipóteses "futurulógicas" muito bem pensadas.
Abraço

Tiger! disse...

PS: Adorei o ponto 7 do segundo conjunto...

Cogumela Amanita disse...

Subscrevo tudo o que foi dito.
Muito bem fundamentado e é uma pena que a maioria das pessoas não pense assim.

Anónimo disse...

Wuau¡ Estoy totalmente de acuerdo contigo.
Debería ser lectura obligatoria para muchas personas. A ver si de esa forma cambian ya su arcaica mentalidad.
Enhorabuena¡