segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Seu árabe, filho de uma burqa


A questão da proibição do uso do véu, que veio a lume com as posições do presidente francês, Sarkosy, é uma questão polémica porque qualquer que seja a posição que tomemos, entramos sempre numa contradição entre a nossa identidade de liberais ou conservadores, quanto aos costumes e, portanto, a nossa opinião, mesmo que fundamentada, será, por norma, uma posição frágil e fragmentada. Estive a pensar nesta questão e não consigo ser linear e incisivo numa posição "contra" ou "a favor". Vejamos:

  • Se, por um lado, a liberdade no uso do véu representa o exemplo máximo da liberdade (individual, corporal e de expressão), valor implícito na nossa República e na nossa (ou melhor, toda) democracia, por outro lado, representa, no seu simbolismo cultural, a submissão da mulher e de uma cultura profundamente fundamentalista e sexista;
  • Se por um lado representa essa indignidade no estatuto simbólico-civil da mulher, e portanto não pode ser permitido o seu uso (embora não seja razão suficiente porque o plano simbólico pode diferir do plano material/legal e, na sociedade francesa, o uso do véu ser apenas uma escolha livre da mulher), por outro lado, pode indicar uma crescente islamofobia da Europa actual face ao crescimento multidimensional do mundo árabe (alguém, alguma vez, proibiu as freiras de usarem os seus trajes?);
  • Se por um lado pode indicar uma islamofobia camuflada, com tudo o que isso implica (xenofobia, preconceito, estereótipo, medo do "diferente", etc), por outro lado, parece-me óbvio que existem regras que devemos cumprir sob pena de nos comprometer as relações sociais, regras essas que vão desde da proibição do nudismo, por atentado ao pudor, ou na necessidade evidente de mostrar a cara, quando falamos com alguém, por exemplo;
  • Se por um lado as relações sociais obriga-nos a essa necessidade (embora seja uma necessidade interpretativa e meramente individual pois cada um/a interpreta determinadas realidades como necessidades ou não) e a essa exposição mínima obrigatória, por outro lado é complicada a identificação precisa daquilo que pode comprometer as nossas relações sociais, neste caso, por impossibilidade de reconhecimento de um rosto (óculos escuros e um gorro podem comprometer a identificação de uma pessoa, no entanto, ninguém proíbe o seu uso);
  • Se, por um lado, pode comprometer a identificação de uma pessoa, por outro lado, pode significar a supremacia de uma religião sobre outra, claramente minoritária, num Estado, como o Estado francês, e numa comunidade, como a UE, que se diz laica e pluralista.

Temos que prestar atenção a todos os sinais que nos são fornecidos sobre a posição argumentativa de alguém. Esta discussão nos conduzirá a conceitos tão pertinentes como multiculturalismo (ou interculturalidade - eu prefiro este -), relativismo (se temos que respeitar todas as culturas porque não respeitamos a excisão do clitóris da mulher praticada, como ritual e/ou pena, em algumas culturas africanas?), etc.

"O que é ser francês?" perguntou Eric Besson, presidente da Imigração e da Identidade Nacional (seja lá o que isso for...). E aqui está o perigo. De facto, esta questão conduzem-nos, não só a uma evidente islamofobia crescente, mas a um nacionalismo bacoco que é preciso destituir e que ameaça os valores republicano-democráticos basilares da liberdade, da igualdade e da fraternidade. Definir algo é perceber que não conseguimos definir coisa alguma. É criar uma normatividade que se defende precisamente com os "seus" desvios, mesmo sem ter algo que a suporte porque o conceito em si verdadeiramente não existe. Tomemos, como exemplo, a proibição dos casamentos inter-raciais. Como definimos raça? Uma pessoa mulata (nem considerada 100% branc@ nem 100% negr@) pode casar com uma pessoa branca? Como se define alguém que é mulat@? E branc@? Quer dizer, entre pessoas consideradas brancas existem umas mais que outras, certo?

As questões de identidades culturais são assim. É muito dificil determinarmos uma identidade. Essa dificuldade pode ser má, porque impede a construção de um lugar reinvidicatório definido mas pode ser boa porque elimina racismos e responde à pergunta de Eric Belsson: "o que é ser francês?". É ser muitas coisas...

Em suma, sou contra a proibição do uso do véu pelo manacial de pseudo-argumentos que escondem. Mas sou a favor da proibição da islamofobia que nos tapa o rosto e não nos deixa ver a realidade como ela é. Sem burqas.

2 comentários:

Pedro Varela disse...

hugo, vais-me desculpar, mas o uso da burqa em primeiro lugar é imposto pelos maridos, em segundo, na nossa sociedade exitem certas exigências para o exercício da cidadania, ou seja, o reconhecimento do inividuo como cidadão, passa pela sua cara, se as crenças destes cidadãos não o permitem, então não devem vir para cá ou devem repensá-las, o estado legislar sobre vestimenta ainda é pior que ser o marido a fazê-lo, ou pelo menos igualmente insatisfatório, e queria revelar que sou a favor da legalização do nudismo nos espaços públicos, pois como penso, o cidadão é dono do seu corpo e de o mostrar se quiser, será a sua sensatez a ditar e não um estado, a meu ver.

a burqa é um simbolo de opressão, de domínio, de propriedade, estas mulheres são um objecto dos maridos e pertencem-lhes de forma unilateral, é urgente que os movimentos feministas se foquem nestas problemáticas e evitem o seu propagar na europa pela liberdade social e feminista ( ou anti-machista para quem não conhece as percussões do termo)

Lobby Queer disse...

Oh Pedro, gostava que lesses o meu texto com mais atenção pois as nossas opiniões acabam por coincidir. A diferença é que eu traço um plano argumentativo para chegar à minha opinião. Com argumentos contra e a favor.

"o reconhecimento do individuo como cidadão, passa pela sua cara"

Esse esquema de pensamento pode ser profundamente relativista pois o exercicio de cidadania não tem que necessariamente passar pela exposição facial. Agora que tal "cobertura" prejudique as relações sociais isso é um facto.

Eu também não me oponho ao nudismo. Não prejudica a liberdade d@ outr@. Prepresenta é atentado ao pudor (seja lá isso o que for).

"a burqa é um simbolo de opressão, de domínio, de propriedade, estas mulheres são um objecto dos maridos e pertencem-lhes de forma unilateral"

Mas eu disse algo muito diferente?

Contudo eu não cheguei a perceber uma coisa. És contra ou a favor da proibição do uso do véu? É que, se por um lado defendes o estado não pode legislar sobre a vestimenta por outro ves na burqa o simbolo maximo do patriarcado e da dominação masculina.

Um aparte: eu sei porque é que consideras que "feminismo" é uma palavra perigosa mas não é. Porque? Enquanto a sociedade se basear no modelo normativo de superioridade patriarcal (apesar de para o Estado não haver desigualdades sexistas tirando a questão da adopção por parte de casais homossexuais), então não existe simetria. Se não existe simetria então assumamos esse desnivelmente: feminismo.