quarta-feira, 7 de abril de 2010

A doença da homofobia


A homofobia é, como todos preconceitos, matreira e está repleta de ramificações: encontra-se ancorada no sistema de sexo/género, na forma como a sociedade está organizada (diz-se, por isso, que é um problema estrutural), nas percepções que determinado grupo transmite ou dá a entender (ou daquilo que se diz dele), etc. De tão manhosa que é, até mina os seus alvos usuais, castrando a consciência de classe dos grupos afectados, virando-os, uns/umas contra os/as outros/as, e fazendo das vergonhas interiorizadas o seu combustível inextinguível. Assim, e mais importante que tudo, a homofobia é uma construção social e é precisamente por ser uma construção social que é variável (consoante o contexto histórico) e passível de desconstrução (e talvez aí esteja a nossa emancipação).

Assistimos hoje a várias formas de vislumbrar a homofobia pois ela assume uma pluralidade de formas que, ora são explícitas – a homofobia do senso comum: agressão e insulto – ora são implícitas – as estratégias da invisibilidade: “ninguém precisa de saber que ele é gay”, etc -. É a inversão dos propósitos.

Ao contrário do que se afirma no imaginário social (que a homofobia do tipo insulto/agressão é a mais grave), eu abomino muito mais o segundo tipo de homofobia – a invisibilidade – e essa estratégia também é virulenta pois quando detectada tem a capacidade de fazer metástases e assim se multiplicar noutras formas. E há uma que eu acho formidável.

Ricky Martin assume a homossexualidade. Tudo bem, ai que bonito que ele é. De repente chega a lume uma notícia: Ricky Martin recebe uns tantos para dizer que é gay. Não percebem a ligação com a minha explicação inicial sobre homofobia?

Reparem: num tempo, não muito distante, onde a descriminalização da homossexualidade era demasiado recente para ser levada em conta, o erro era a homossexualidade e a sua assumpção (notem o simbolismo criminal do termo “assumir” como quem “assume” um erro ou “assume” um crime). Nessa altura, o insulto era ecoado em tons de acusação e o homossexual precisava urgentemente de se camuflar, de se invisibilizar para não conspurcar as regras rígidas da heteronormatividade. Os homossexuais permaneceriam os invertidos ultra-minoritários de outrora. Hoje o cenário mudou: com as constantes mudanças legais a favor dos homossexuais – esqueçamos o genocídio do Uganda –, qucoming outs e vão desde da descriminalização da homossexualidade (índia) até à igualdade no acesso ao casamento civil (Portugal - o TC deu luz verde ao casamento -, EUA - aos poucos -, Cidade do México), os gays e lésbicas (e bissexuais e transexuais) sentem, de uma forma geral, mais condições para se afirmarem enquanto tal, isto é, de se assumirem. Ou seja: assistimos a frequentes (e arriscaria a dizer que assistimos a coming outs famosos todos os dias). Ou seja, a invisibilidade estratégica da homofobia do passado está a perder os seus efeitos. Que formas de parar estas visibilidades (no caso dos famosos, funcionam – regra geral – como modelos positivos de afirmação)? Conspurcar o próprio coming out descredibilizando até a própria homossexualidade. À semelhança do que acontece quando dizemos à nossa amiga heterossexual que determinado rapaz é gay e ela, num gesto que pode ser tomado como competitivo, imediatamente põem em causa a nossa afirmação: como é que sabes?
É isso, que a um nível mais macro, começa a acontecer. Tende-se a suspeitar da veracidade da homossexualidade das pessoas (em particular dos famosos) para que, na impossibilidade de criminalizar a homossexualidade, esta permaneça oculta ou, neste caso, descredibilizada: ele é gay porque lhe deram dinheiro. Ela é lésbica mas são só boatos difamatórios.

Portanto, temos que ter atenção a estas questões. Novas homofobias emergem e novas formas de a deter também. A meu ver, duvidar da heterossexualidade de alguém sempre será uma técnica bem conseguida mas não suficiente. Mas é interessante constatar como a homofobia é um problema virulento. Inventa-se uma cura (ou melhor, possibilidades de curas) e ela desenvolve resistências a antibióticos. Bastard!

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