terça-feira, 13 de abril de 2010

Uma dor insuportável

Imaginem aquelas situações onde existem todas as possibilidades de cada coisa dar certo. Aqueles momentos em que juramos que podemos ser alguém melhor, alguém recente, como se nascêssemos para o mundo a primeira vez. Idealizamos os projectos, delineamos as metas, predefinimos os processos. Todas as possibilidades de dar certo só podem dar certo. Juramos que não há cá paixões nem afectos a atrapalhar. No fundo, nos consciencializamos como é que o amor (ou qualquer outra coisa muito parecida) tem intenções cruéis e é sugador de energia, cheio de falsas esperanças e mentiras disfarçadas de meias verdades. De repente, nem ele, com todo seu magnetismo luminoso pode-nos desviar do nosso futuro e dos nossos sonhos sobre esse futuro: acabar a licenciatura, arranjar um part-time e ser bem sucedido. De repente (há sempre um “de repente”), aparece um obstáculo (e há sempre um obstáculo). Não é um obstáculo qualquer. É obstáculo bom, sabe bem ser barrado por ele. Ofusca-nos o olhar, dá uma nova vibração ao coração, faz-nos gostar de nós em tempo presente sem nos preocuparmos com o futuro para termos razões para sorrirmos. É um empecilho pulsante feito de carne e osso. E a cada dia que passa é bom estar assim. Desviar-me do meu trilho, deixar-me absorver por todo aquele fulgor, por toda aquela chama. Ser queimado e sorrir ainda por cima.

O tempo passa. Janeiro, Fevereiro, Março, Abril. E de repente (novamente o “de repente”), a chama extingue-se. Aquela razão que me fez gostar de mim em tempo presente deixa de fazer sentido e com ela já não há sentido em gostar de mim. É como se me separasse de duas pessoas ao mesmo tempo: do outro e de mim. E o obstáculo deixará de ser um obstáculo porque já não há corrida, competição ou futuro. Aliás, já não há nada. Nem amigos, pessoas, alguma humanidade. Apenas revolta, vazio e dor. Revolta por sermos orgulhosos, por fazermos coisas que não devíamos mas fazemos na mesma, revolta por não gostarmos de nós o suficiente para que nos deixemos ser amados, pela inevitabilidade do rumo que as coisas tomam, sempre com a esperança de que possam mudar mas não mudam, viram-se para trás e olham para nós com desdém e riem-se, riem-se alto até que nos despertem em nós mais revolta; vazio pela sensação do nada: nada do que passou parece ter significado, nada do que virá parece ser nada, até o presente parece ser uma vasta lacuna feita de coisas que gostaria que não fossem… nada; e, afinal de contas, uma dor insuportável que advêm de tudo isso: do peso de cada coisa e de não saber lidar com nada. Nem com a revolta nem com o vazio nem com a própria dor. Uma dor que não se pode exprimir por palavras porque se pudesse as palavras comiam-se umas às outras de raiva, de imutabilidade, de desespero. É uma dor de dentro. Faz-me doer o coração embora a aorta continue a funcionar e o sangue continua a correr mas é indiferente. É uma dor que assenta no facto de estar vivo. E faz-me querer estar morto. Faz-me quer voltar a Janeiro, desta vez, sem planos mas novas promessas de aniquilar obstáculos ou de não nos deixarmos seduzir por eles. Não que o desejo de reviver tudo outra vez tenha desaparecido. Não. Mas porque acho que nada poderá ser do jeito que foi. E é isso que me faz sentir outra vez revolta, vazio e dor, uma dor insuportável.

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