Imaginem aquelas situações onde existem todas as possibilidades de cada coisa dar certo. Aqueles momentos em que juramos que podemos ser alguém melhor, alguém recente, como se nascêssemos para o mundo a primeira vez. Idealizamos os projectos, delineamos as metas, predefinimos os processos. Todas as possibilidades de dar certo só podem dar certo. Juramos que não há cá paixões nem afectos a atrapalhar. No fundo, nos consciencializamos como é que o amor (ou qualquer outra coisa muito parecida) tem intenções cruéis e é sugador de energia, cheio de falsas esperanças e mentiras disfarçadas de meias verdades. De repente, nem ele, com todo seu magnetismo luminoso pode-nos desviar do nosso futuro e dos nossos sonhos sobre esse futuro: acabar a licenciatura, arranjar um part-time e ser bem sucedido. De repente (há sempre um “de repente”), aparece um obstáculo (e há sempre um obstáculo). Não é um obstáculo qualquer. É obstáculo bom, sabe bem ser barrado por ele. Ofusca-nos o olhar, dá uma nova vibração ao coração, faz-nos gostar de nós em tempo presente sem nos preocuparmos com o futuro para termos razões para sorrirmos. É um empecilho pulsante feito de carne e osso. E a cada dia que passa é bom estar assim. Desviar-me do meu trilho, deixar-me absorver por todo aquele fulgor, por toda aquela chama. Ser queimado e sorrir ainda por cima.
O tempo passa. Janeiro, Fevereiro, Março, Abril. E de repente (novamente o “de repente”), a chama extingue-se. Aquela razão que me fez gostar de mim em tempo presente deixa de fazer sentido e com ela já não há sentido em gostar de mim. É como se me separasse de duas pessoas ao mesmo tempo: do outro e de mim. E o obstáculo deixará de ser um obstáculo porque já não há corrida, competição ou futuro. Aliás, já não há nada. Nem amigos, pessoas, alguma humanidade. Apenas revolta, vazio e dor. Revolta por sermos orgulhosos, por fazermos coisas que não devíamos mas fazemos na mesma, revolta por não gostarmos de nós o suficiente para que nos deixemos ser amados, pela inevitabilidade do rumo que as coisas tomam, sempre com a esperança de que possam mudar mas não mudam, viram-se para trás e olham para nós com desdém e riem-se, riem-se alto até que nos despertem em nós mais revolta; vazio pela sensação do nada: nada do que passou parece ter significado, nada do que virá parece ser nada, até o presente parece ser uma vasta lacuna feita de coisas que gostaria que não fossem… nada; e, afinal de contas, uma dor insuportável que advêm de tudo isso: do peso de cada coisa e de não saber lidar com nada. Nem com a revolta nem com o vazio nem com a própria dor. Uma dor que não se pode exprimir por palavras porque se pudesse as palavras comiam-se umas às outras de raiva, de imutabilidade, de desespero. É uma dor de dentro. Faz-me doer o coração embora a aorta continue a funcionar e o sangue continua a correr mas é indiferente. É uma dor que assenta no facto de estar vivo. E faz-me querer estar morto. Faz-me quer voltar a Janeiro, desta vez, sem planos mas novas promessas de aniquilar obstáculos ou de não nos deixarmos seduzir por eles. Não que o desejo de reviver tudo outra vez tenha desaparecido. Não. Mas porque acho que nada poderá ser do jeito que foi. E é isso que me faz sentir outra vez revolta, vazio e dor, uma dor insuportável.
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