Opção ou Orientação
Tornou-se quase um cliché incontornável colocar-se esta questão quando o assunto é a homossexualidade (e a heterossexualidade). Gostaria de fazer algumas observações antes de apresentar algumas observações.
a) Porque é que nunca colocamos essa questão quando o que está em jogo é a própria heterossexualidade? Da mesma forma porque é que as teorias explicativas incidem apenas sobre a homossexualidade? Está a heterossexualidade explicada? É um tabu as tentativas para a sua explicação? Será um medo da descoberta da ausência de origens biológicas da heterossexualidade (como se sempre se supôs)?
Parece portanto óbvio que existe aqui uma parcialidade. Procurar-se, através da lógica do poder-saber, controlar para prever alguma realidade. Tende-se a explicar o desvio, o erro, o “anormal”, nunca o pré-estabelecido. Contudo, em Ciências (Naturais ou Sociais) não podem (nem devem) existir tabus. Explicaremos a heterossexualidade também… Gostaria de ver o ar de estupidificação dos/as cientistas quando chegarem às mesmas inconlusões que chegaram ao estudar (ou será melhor o termo “moralizar”?) sobre a homossexualidade.
Contudo, o debate (apesar desta introdução inicial) vai no sentido de perceber até que ponto a homossexualidade é uma opção ou uma orientação. Tornou-se um facto evidente que no discurso dos activistas LGBT’s (e nos homossexuais) na sua generalidade, quando alguém refere a homossexualidade como uma opção, leva logo com um comentário indignado: “mas não é uma opção!”. Parece-nos também um facto que no discurso homofóbico (e nomeadamente o de cariz religioso) a homossexualidade é uma opção, uma escolha linear, um acto que pode estar sujeito a um juízo de valor e/ou moral. Em suma: o discurso pró-gay defende a homossexualidade como uma orientação (no sentido mais ontológico: algo que pré-existe, estruturado, inerente ao sujeito, muito provavelmente de cariz biológico e, portanto pré-determinado) e o discurso homofóbico defende (ou ataca) a homossexualidade como sendo uma opção, uma escolha, uma hipótese, um estilo de vida. Portanto um comportamento passível de avaliações (e assim de controlo) morais, logo, de mudança. Ora, nem tudo que é estruturado é biológico (a linguagem, por exemplo), nem tudo o que é linear é social (mudanças de sexo, cor de pele, etc).
Tornou-se quase um cliché incontornável colocar-se esta questão quando o assunto é a homossexualidade (e a heterossexualidade). Gostaria de fazer algumas observações antes de apresentar algumas observações.
a) Porque é que nunca colocamos essa questão quando o que está em jogo é a própria heterossexualidade? Da mesma forma porque é que as teorias explicativas incidem apenas sobre a homossexualidade? Está a heterossexualidade explicada? É um tabu as tentativas para a sua explicação? Será um medo da descoberta da ausência de origens biológicas da heterossexualidade (como se sempre se supôs)?
Parece portanto óbvio que existe aqui uma parcialidade. Procurar-se, através da lógica do poder-saber, controlar para prever alguma realidade. Tende-se a explicar o desvio, o erro, o “anormal”, nunca o pré-estabelecido. Contudo, em Ciências (Naturais ou Sociais) não podem (nem devem) existir tabus. Explicaremos a heterossexualidade também… Gostaria de ver o ar de estupidificação dos/as cientistas quando chegarem às mesmas inconlusões que chegaram ao estudar (ou será melhor o termo “moralizar”?) sobre a homossexualidade.
Contudo, o debate (apesar desta introdução inicial) vai no sentido de perceber até que ponto a homossexualidade é uma opção ou uma orientação. Tornou-se um facto evidente que no discurso dos activistas LGBT’s (e nos homossexuais) na sua generalidade, quando alguém refere a homossexualidade como uma opção, leva logo com um comentário indignado: “mas não é uma opção!”. Parece-nos também um facto que no discurso homofóbico (e nomeadamente o de cariz religioso) a homossexualidade é uma opção, uma escolha linear, um acto que pode estar sujeito a um juízo de valor e/ou moral. Em suma: o discurso pró-gay defende a homossexualidade como uma orientação (no sentido mais ontológico: algo que pré-existe, estruturado, inerente ao sujeito, muito provavelmente de cariz biológico e, portanto pré-determinado) e o discurso homofóbico defende (ou ataca) a homossexualidade como sendo uma opção, uma escolha, uma hipótese, um estilo de vida. Portanto um comportamento passível de avaliações (e assim de controlo) morais, logo, de mudança. Ora, nem tudo que é estruturado é biológico (a linguagem, por exemplo), nem tudo o que é linear é social (mudanças de sexo, cor de pele, etc).
Qual a razão para isto? – A epistemologia da verdade
Portanto, não devemos defender a (homo) sexualidade como opção ou como orientação mas perceber que, quer como opção, quer como orientação, nela confluem estratégias de saber-poder, esquemas ideológicos, etc. Quanto muito evidenciamo-la quer como opção, quer orientação, quando a nossa intenção (de defesa ou de ataque) for mais conveniente. É isso que acontece nos debates políticos.
A (homo) sexualidade como orientação
Desde do advento da Scientia Sexualis (Foucault), isto é, da constituição do dispositivo da sexualidade com evidentes interesses ideológicos (ligados ao capitalismo e à formação dos Estados-nação) e, consequentemente, do surgimento das categorias de hetero e homossexual remontando a 1870, que a homossexualidade (entendida aí como uma espécie e não já mais, pelo menos de forma ínvia, um vicio etiológico) passa pelo crivo da biologia. Ulrichs defenda-a como um hermafrotismo psíquico, uma inversão fruto de uma estrutura genética, anatómica, hormonal, em suma, biológica. A perspectiva é a defesa da homossexualidade. Convêm, antes de mais, definir cada premissa antes de prosseguirmos. No meu entender:
Orientação sexual: desejo potencial com o objectivo de concretização do acto sexual (distinguindo-se assim da apreciação estética) e que pressupõe uma atracção automática, resposta inconsciente e/ou involuntária do individuo a um determinado sexo do(s)/da(s) seu(s)/sua(s) parceiro(s)/parceira(s)(distinguindo-se assim a orientação sexual das práticas sexuais (por exemplo, a pedofilia ou o sexo oral nunca poderão ser orientações sexuais mas sim práticas sexuais). Nessa perspectiva, orientação sexual é “orientação para um sexo” ( o “sexual” do termo pressupõe, não pratica sexual, mas sim sexo). Quando o/a desejado/a e o/a desejador/a são do mesmo sexo a orientação é homossexual, quando são de diferentes sexos a orientação é heterossexual, quando é indiferente o sexo do/a parceiro/a a orientação é bissexual. A orientação sexual é imodificável visto ser um desejo em latência e apresenta uma estruturação interna que corresponde, em grande numero estatístico, a uma fase inicial do sujeito (infância). Por ser de cariz pré-determinado é uma característica identitária que se encontra no mesmo patamar do que a raça e/ou o sexo. A dimensão da orientação sexual, pela ontologia que encerra, é mais passível de patologização.
Comportamento homossexual: a prática exteriorizada de um (ou vários) acto sexual. Pode ou não corresponder a uma orientação sexual (por exemplo, homens gays que casam e tem sexo com mulheres por pressão social heteronormativa ou homens heteros que, por necessidade economica, são “obrigados” a prostituírem-se com homens) embora no sentido ético da questão se possa pensar que se deve corresponder. O comportamento, precisamente porque implica uma decisão consciente (o sujeito faz ou não faz), e portanto podendo diferir da natureza da orientação, está sujeito a avaliações morais, éticas e/ou politicas. Sendo essa a sua natureza, pode-se incluir no comportamento todo o tipo de práticas sexuais (violação, actos hetero ou homossexuais, cunnilingus, masturbação, etc). Assim, comportamento tem um carácter externalizado e aleatório (embora profundamente estruturado). O comportamento, pelo carácter de externalidade e aleatoriedade, é menos passível de patologização.
Identidade sexual: a identidade sexual que advêm de um determinado regime de sexualidade. Quando focalizado na orientação sexual produzem-se identidades hetero, homo, bissexuais; quando focalizado no comportamento sexual produzem-se identidades de todo o tipo de cariz sexual. A opção por um desses regimes obedece a critérios específicos. Se a estratégia é pró-gay sedimenta-se a identidade na orientação sexual; se é anti-gay no comportamento sexual. A identidade é sempre uma dimensão contextualizada e nunca substancializada se for edificada no comportamento. Se for edificada na orientação sexual, pelo contrário, será, mais ou menos, fixa. Visto que orientação sexual e comportamento sexual são, mais ou menos, distintos, a identidade será também sempre negociada embora obedecendo a uma lógica estrutural. Um indivíduo gay será sempre gay (porque tem uma orientação homossexual) embora ao nível dos comportamentos a sua identidade possa ser instigada.
De referir que estas definições (em clara défice metodológico porque este texto é apenas um comentário e não um trabalho de investigação que obedeceria a um rigor cientifico aprofundado) são apenas essencialmente consideradas, estando abertas a melhoramentos e/ou indagações.
Prosseguindo: a pressuposição da homossexualidade como estruturada biologicamente é defensável pelos pró-gay porque retira aos homossexuais uma carga moral. Determinado o desejo e a culpa associada. Se já nasci assim não tenho culpa. Permite equalizar a orientação homossexual à orientação heterossexual (e partindo o pressuposto que a orientação heterossexual é biológica também) e infiltra-se na inveracidade do discurso metafísico (Natureza = Deus): Deus criou os homossexuais e os homossexuais não tem culpa de serem assim. Esta é a perspectiva pró-gay inicial. Esta estratégia também favoreve o discurso do “homossexual como espécie” partindo-se o pressuposto que um dispositivo biológico é homoestatico e controlado (ou não. Exemplo das evoluções genéticas. Obrigado Gentil Martins!) e desfazendo o argumento homofóbico da universalidade exclusiva da homossexualidade.
Desenganem-se se pensarem que esta teoria não abre uma serie de precedentes homofóbicos. Justifica-se os racismos, as eugenias (os mesmos que atacam etnias e as mulheres como biologicamente desiguais de homens), as teorias da degenerescência e as comparações evolutivas (abrindo brechas, mais uma vez, para o discurso eugenista). Os homossexuais são então seres subdesenvolvidos na lógica darwiniana. São os invertidos, os doentes, os degenerados. A corrente biológica abre brechas no discurso para a patologização da homossexualidade. Esta está no patamar da síndrome de Down (poderá fazer-se um raciocínio que alia homossexualidade à genialidade, à cor de olhos e/ou estrutura do corpo – características essencialmente biológicas mas não invalida o discurso do estigma que a homofobia prontamente invocará). Biologia é destino. A orientação sexual é um fardo. Portanto não é uma boa estratégia pró-gay. Pelo menos, perfeita perfeitinha.
A homossexualidade como opção
O enfoque aqui é o comportamento sexual. Há um esquecimento calculado da dimensão da orientação sexual. Esta perspectiva é defendida pelo discurso homofóbico e particularmente o religioso. A premissa “ama o/a pecador/a mas condena o pecado” assenta como uma luva. O/a pecador/a (“o” e/ou “a” homossexual) não é rejeitado (mesmo que, inevitavelmente, tenha uma orientação sexual) mas se tiver um comportamento sexual e aí condena-se esse comportamento. Há uma avaliação moral que funciona como uma reprovação violenta que pune o sujeito para que este (ou esta) passe a ter comportamentos heterossexuais (os comportamentos politico/ideologicamente convenientes). Independentemente de ter ou não uma orientação sexual.
Ora, um discurso homofóbico tão assertivo cai em dois erros fundamentais:
a) Como interpretar a orientação sexual? Não se pode negar ou omitir dimensões…
b) Se o comportamento homossexual é uma escolha, o comportamento heterossexual também. Perde pois o comportamento heterossexual o seu carácter “natural” (e naturalizado), mesmo que maioritário…
Em relação a esta última premissa o discurso homofóbico não se pode defender sem considerar a orientação sexual (por exemplo: “toda a gente nasceu heterossexual e depois existe um grupo de indivíduos que se desvia”; se há gente que nasceu heterossexual, quer dizer que uma orientação porque ninguém nasce a fazer o que quer que seja). É a concepção da heterossexualidade dada/homossexualidade como excesso/libertinagem. Entramos pois no ponto fundamental:
c) A homossexualidade como escolha nunca poderá ser doença pois as escolhas não poderão ser consideradas doenças.
d) A homossexualidade como escolha politiza a discussão e relaciona a homossexualidade com duas premissas democráticas fundamentais: a liberdade individual/corporal e a liberdade de escolha. É pois uma mais-valia para o debate pro-direitos civis, pro-contracto social.
Em suma: o discurso homofóbico da homossexualidade como escolha é, sem querer, emancipatório e despatologizante.
Assim, não há uma verdade. Há uma conveniência de verdades que são úteis ou inúteis consoante o contexto. Por isso, (e isto é para muitos gays defensores da homossexualidade como orientação) não se deixem levar pelo discurso do determinismo e tenham um discurso mais flexível e plural. Uma homofobia (estratégia moderna de eugenização heterossexista) confusa (legitimamente) é meio caminho para a sua auto-destruição.
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