sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O veto da Cavaca


Cavaco veta o diploma que simplificaria a mudança de sexo para os/as transexuais em termos de reconhecimento da nova identidade e mudança de nome (i.e., BI). Ora, o veto, quer queiramos quer não, era mais do que evidente. Porquê?

Por um lado, não me parece que depois de atraiçoar o seu eleitorado mais conservador (a faixa mais fascista da ideologia neoliberal), com a promulgação “à primeira volta” do casamento entre pessoas do mesmo sexo, o PR fosse promulgar de bandeja a lei da identidade de género.

Por outro lado, é preciso, segundo o PR, enveredar por três esquemas estratégicos: a) distrair a sociedade com “as causas fracturantes” e assim criar uma manobra de distracção que faça “o povo” esquecer (esse sim, fracturante na indecência e consensual na condenação!) o caso BPN (afinal de contas, nestes malabarismos cavaquistas, elas servem para alguma coisa), b) passar a batata quente aos seus opositores para que exprimam uma opinião sobre o veto sabendo que, quer Francisco Lopes quer Manuel Alegre (a maior representação à esquerda das Presidenciais) sentem alguns “engulhos” com estas questões. Se bem, e verdade seja dita, o primeiro se tenha pronunciado favoravelmente apesar da sua argumentação revelar o ortodoxismo comunista curiosamente muito próximo do argumento reaccionário anti-minoritário (e, principalmente, anti-LGBT): “há coisas mais importantes” e c) agradar ao seu eleitorado mais conservador (Isildas Pegados e coisas que tal).

Para vetar o documento, Cavaco alega a má formulação da lei da identidade de género no que toca à definição operacional da “disfunção da identidade de género”. Isto é, como se prova que alguém é realmente transexual?

Ora bem, primeiro ponto: não há discursos políticos assépticos e/ou neutrais como tanta vez o PR fez questão de afirmar; aliás, as representações ideológicas de cada candidato/a e os poderes atribuídos ao/à PR (de representação, de vetar/promulgar, etc) são inquestionavelmente formas de influência (explícita ou implícita, directa ou indirecta) política. Se o PR veta o diploma da lei da identidade de género (que permite que os/as transexuais não tenham que passar pelo processo ultra-burocrático de ter que processar o Estado – tribunais - para poder serem reconhecidos/as pela sua identidade sexual conforme o desejado) está a exercer poder! Claríssimo…

Segundo ponto: apesar da parcialidade do discurso político, subentendendo o carácter de referencialização pelo qual as políticas são pensadas, elaboradas, implementadas e colocadas em discurso, a política é uma dimensão própria e a ciência, nomeadamente, a Medicina é uma outra dimensão. O contrato social prevê a auto-determinação dos indivíduos. O mesmo é dizer que, independentemente do que o discurso médico define como sendo transexualidade ou não, patologia ou não, as leis não podem ser formuladas segundo estes princípios porque são dispositivos de uma dimensão de outra ordem: política. Basta os/as transexuais querem mudar de sexo – liberdade individual, liberdade corporal, liberdade de expressão, liberdade de escolha, liberdade sexual, liberdade de consciência – para o poderem fazer, independentemente do seu estado nosológico, estado esse perfeitamente discutível (como em tempos foi o da homossexualidade) e controverso (o Estado paga as operações de mudança de sexo porque a transexualidade é considerada uma “doença” do foro psíquico, se a transexualidade deixa de ser considerada “doença”, são os/as transexuais a acarretarem com os custos).

Em suma: Cavaco está longe de ter tomado uma decisão racional e ainda por cima tem o desplante de afirmar que «PR que se deixe levar pelas suas convicções religiosas é um mau Chefe do Estado», reafirmando o falacioso discurso da “neutralidade” política. Ora pois bem Cavaco, como se definem convicções religiosas? Quanto a mim, não vou mudar o meu voto para que as pessoas possam mudar o seu sexo…

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