sábado, 1 de janeiro de 2011

A passagem de ano e a passagem dos dias


«tudo é muito mais belo porque estamos destinados» Troia

Não sei se é por nos encontrarmos nesta época de festividades mas apetece-me partilhar algo com vocês que não lembra ao Diabo (nem a qualquer pessoa sem Alzheimer) mas decidi partilhar como atestado da minha saúde mental.

Desde pequeno (ou melhor, desde da minha vida escolar) que tenho o hábito (entretanto já perdi) de personificar uma personagem, muito bem situada e categorizável, todas as segundas-feiras de forma a, através das reacções dos/as outros/as, atestar a legitimidade dessa personagem e o quanto me sentia confortável com ela, seja em relação aos lucros (não materiais) que ela me fornecia, quer em relação à imagem que projectava nos/as outros/as.

Assim, ia para a escola e decidia: “hoje vou ser frio e calculista”, “hoje vou ser meigo e atencioso”, “hoje vou-me armar em super génio” e tentava, às vezes sem sucesso, manter essa personagem. De facto as segundas-feiras eram uma espécie de ponto-de-partida para uma nova vida, um novo e constante recomeço, a phoenix on the horizon. Verificava todas as hipóteses e todos os erros da personagem anterior, assimilava e criava uma nova na segunda-feira seguinte.

Bem, não importa realmente as minhas conclusões mas parece-me evidente que, esta estratégia – que algumas pessoas denominariam de loucura -, se assemelha muito às passagens de ano: esperamos sempre ser alguém melhor no ano que se aproxima como se, em doze badaladas, o coche de abóbora virasse um belo sapatinho de cristal e o mundo se ajoelhasse aos nossos pés. Juramos ser outra pessoa, totalmente diferente, depois da meia-noite, como se o ribombar do fogo de artifício funcionasse como uma make-over gratuita. Pensamos que é possível deixar todas as dívidas, todas as inimizades, todas as frustrações (em suma: todos os problemas) lá longe naquele ano muito distante, espetar uma estaca no chão e desbravar um novo território que seguramente só jogará a nosso favor.

Há qualquer coisa de místico neste ritual que tem o seu valor heurístico justamente e apenas nos momentos em que se vive. Depois disto, reparamos que o dia 1 de Janeiro é apenas um minúsculo movimento na imensa (espera-se) roda de engrenagem da (nossa) vida. Não há nada de realmente novo, nada de realmente estonteante que mude radicalmente a nossa vida como o euromilhões ou uma paixoneta correspondida com o Ian Somerhalder.

Ora, é precisamente essa consciência da falibilidade que nos permite perceber que qualquer plano das nossas mentes, qualquer monitorização dos nossos passos, qualquer idealização arquetípica da nossa essência, não surtirá efeito e que só o momento importa precisamente pela sua parca temporalidade, com ou sem ritual das passas, com ou sem festim enérgico (e as vezes hipócrita) da danceteria, com ou sem os fogos de artifícios das personalidades, e com ou sem o rigor higienista da selecção de uma cor especifica para a peça de roupa nova a usar. Como dizia a minha afilhada Tatiana, «as acções estão todas nas pessoas. O ano são dias que as pessoas ocupam e dão sentido de determinada forma». Afinal de contas, se encarássemos cada dia como uma eterna passagem de ano (à semelhança do Natal e da solidariedade que se espera dele), comeríamos 86400 em vez de 12 passas, no final do dia beberíamos champagne à refeição e acabaríamos na discoteca dos sonhos prontos/as para uma nova passagem de ano. É essa a minha conclusão: a beleza reside na parcialidade dos momentos, 365 dias por ano (ok, 366 nos anos bissextos).
Um feliz primeiro dia de 2011; afinal de contas, amanhã é domingo e depois segunda e depois… bem, depois somos nós, devolvidos/as a nós próprios/as.

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