sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

A homofobia e a masculinidade


Os homens heterossexuais sentem-se ameaçados pelos homens gays. Não é nenhuma novidade sociológica/psicológica, é um facto.

Sempre que eu – gay assumido - convivo com homens heterossexuais (e falando em nome da minha experiência, com toda a sua cientificidade) há uma expressão, uma premissa dita (e não dita), um comentário, um realce mais ou menos expressivo (ou impositivo) da sua (hetero) sexualidade e/ou virilidade que revela a necessidade intrínseca dos homens heterossexuais em realçarem a sua heterossexualidade, mesmo que nada lhes seja pedido/exigido. Basta a presença de um homem gay (assumido) para que esse “mecanismo” seja utilizado.

Esse “mecanismo” tem nome: chama-se homofobia, é um neologismo e foi criado pelo psicólogo George Weinberg em 1971 e é traduzível como qualquer forma de discriminação em relação a pessoas homossexuais, real ou simbolicamente, existindo em vários graus. Daí que todos/as nós sejamos homofóbicos/as, até os/as próprios/as homossexuais.

No Sábado, conheci pessoalmente o namorado da Joana, uma amiga minha. Palavra puxa palavra, a conversa descambou para o sexo (what a shock!) e para… circuncisões. A certo momento, o namorado da Joana indagava-se o que é que haveria de interessante numa pila (ironicamente), isto é, na presença de um gay, estava a demonstrar o seu nojo (subliminar é certo) por pénis, órgão sexual mais simbólico do homem.

Quando andamos (o grupo onde se integravam mais dois homens heterossexuais que sabiam que eu era gay), andavam invariavelmente à minha frente. Posso concluir que o objectivo era que eu não apreciasse as suas nádegas, daí que me deixassem ir à frente.

Num comentário da Ípsilon sobre o clipe «I Want Your Sex» de George Michael (e na qual o/a jornalista refere, ironicamente ou não, que George Michael foi uma lufada de ar fresco e meteu «(…) os pauzinhos na engrenagem (…)»), um jovem hetero reage (sem que alguém lhe perguntasse alguma coisa: «eu cá não deixava que me metessem os pauzinhos na engrenagem». E exemplos desses conto aos milhões…

Em suma: os homens heterossexuais tem constantemente que realçar a sua heterossexualidade para que auto-consciencializem dela e o que se torna crísico quanto mais inseguro o homem hetero está da sua heterossexualidade (a Psicologia explica isso). Não admira que quanto mais a homossexualidade saia do armário mais reações homofóbicas lhes subsistem (e mais reações gays e so on…).

Assim, é pois errada duas ideias: que os homens gays são os exibicionistas da história e gostam de demarcar a sua (homo) sexualidade e que a sexualidade é natural. Se de facto a sexualidade fosse natural porque tanto ritual de masculinidade, porque tanto performance de género, porque tanto alarido? A sexualidade é pois uma peça de teatro que todos/as nós temos que representar, por um motivo qualquer mas que representa uma relação de poder e de ganhos/perdas em contextos que são, invariavelmente (mas não necessariamente) heteronormativos, sexistas e homofóbicos.

Aqui vai um (grande) excerto do meu trabalho de «Metodos de Investigação em Educação», adaptado (isto é, sem os excertos das entrevistas):

«(…) Etimologicamente o termo homofobia provém da junção do termo de “homo” (não no sentido de “igual” mas sim de “homossexual”) e “fobia” (referente a aversão/rejeição). A designação “fobia” pode parecer uma recriação irónica com a patologização da homossexualidade (assim como o termo político orgulho gay com uma inversão sarcástica do orgulho macho) e assenta naquela imagem apocalíptica evocada por algumas pessoas homofóbicas de que a universalidade normativa da homossexualidade trará a desorganização estrutural da sociedade e/ou o fim da espécie humana.

Dessa forma, a homofobia é um conceito que gera algumas discussões nas suas tentativas de definição e pode assumir várias formas, sendo, de uma forma genérica definida como:

«(…) a hostilidade geral, psicológica e social, respeitante àquelas e àquelas que se supõe que desejam indivíduos do seu próprio sexo ou têm práticas sexuais com eles. Forma especifica de sexismo, a homofobia atinge também todos que não se conformam com o papel pré-determinado pelo seu sexo biológico. Construção ideológica consistente numa promoção de uma forma de sexualidade (hetero) em detrimento de outra (homo), a homofobia organiza uma hierarquização de sexualidades e extraí delas consequências políticas»
(Borrillo, 2001: 36)

Assim, ela é comparável a outros sistemas de discriminação como o racismo, a xenofobia, o sexismo ou o anti-semitismo pois tem como alvo identidades que não resultam da escolha consciente e/ou voluntária dos sujeitos sendo as suas operacionalizações múltiplas .

Múltiplas razões podem levar uma pessoa a ser homofóbica: crença em valores culturais, morais e/ou religiosos, ideologias políticas, machismo social, internalização de ódio e/ou vergonha, etc.

Tal como refere Miguel Vale de Almeida (2004) existem vários tipos de homofobia: a homofobia institucionalizada, a homofobia social, a homofobia latente e a homofobia interiorizada e pode-se especificar as suas ramificações em detrimento das identidades sexuais lesadas: lesbofobia (em relação a lésbicas), transfobia (em relação a transexuais) que, se por um lado, salienta a identidade visada por outro descentraliza o preconceito.

Assim, pode-se falar ainda em “heterofobia” embora não exista uma simetria (seja estatística, visível ou histórica) entre ambos os sistemas de preconceito.

Na perspectiva homofóbica, a identidade homossexual passa a ser marginalizada. O gay e a lésbica (as excepções à norma) passam a ser encarados/as como transgressores/as das convenções sociais e o facto de conviverem no mesmo espaço, gera um sem-número de sentimentos que pode ir da indiferença ao desejo de exclusão (Junqueira, 2009: 369). Tal como refere Guacira Lopes Louro:

«(...) os sujeitos que, por alguma razão ou circunstância, escapam da norma e promovem uma descontinuidade na sequência sexo/gênero/sexualidade serão tomados como minoria e serão colocados à margem das preocupações de um currículo ou de uma educação que se pretenda para a maioria. Paradoxalmente, esses sujeitos marginalizados continuam necessários, pois servem para circunscrever os contornos daqueles que são normais e que, de fato, se constituem nos sujeitos que importam» (Louro, 2004: 27)

Uma das funções da homofobia declarada (para além da desqualificação numa lógica de competitividade sexual) é instigar vergonha e medo para que os homossexuais se silenciem (e, portanto, se invisibilizem e não conspurquem a heteronormatividade) obrigando-os/as a permanecerem ou a voltarem ao isolamento do armário «(…) como um dispositivo de regulação da vida de gays e lésbicas que concerne, também, aos heterossexuais os seus privilégios de visibilidade e hegemonia de valores (…)» (Sedgwick, 2007).

A repressão homofóbica, como controlo de importantes formas de significação social, serve pois um determinado “ideal ideológico e eugénico” que pretende a mudança para a heterossexualidade como autoridade cultural inquestionável.

Nessa lógica a homossexualidade deve permanecer no manto da intimidade e os próprios homossexuais contribuem para essa estratégia homofóbica: «ninguém precisa de saber que sou gay». Se a lógica é quebrada a homofobia torna-se pública (embora ela seja pública per si) e gera-se uma luta cíclica: mais visibilidade gay, mais homofobia, mais visibilidade gay, mais homofobia, etc, até que a homofobia elimine a homossexualidade (real e simbólica) dominando as representações sociais (heteronormatividade ) ou a visibilidade gay modifique as estruturas que condicionem a sua naturalidade/legitimidade.

Torna-se claro que a homofobia pretende ter como consequência desejada, a adequação a uma estrutura de género (e assim de orientação sexual) em conformidade heteronormativamente com o seu sexo ou, em última instância, a desestabilização (psíquica e física) dos homossexuais para que se cumpra a profecia auto-realizável da “doença mental do homossexualismo”.

Ao mesmo tempo, o homem não-heteronormativo (gay ou hetero) torna-se o bode expiatório de masculinidades hegemónicas (até mesmo dos gays heteronormativos: os “gays discretos”) e em crise. Insultar o gay é uma forma de dizer “eu não sou como tu” e, portanto, “eu não vou sofrer o mesmo estigma que tu” (Kimmel, 1998), daí que os homens estejam constantemente em alerta à procura do desvio feminil nos outros homens para, ao denunciarem-no, se possam livrar do perjúrio homofóbico.

Assim, o insulto homofóbico, dirigido a homens, como paneleiro, larilas, maricas, florzinha, condensa uma certa exorcização ao feminino, atestando na sua “natural inferioridade” e confirmando assim a relação entre as concepções de género assimétricas e a homossexualidade. Constroem-se assim masculinidades «por oposição a um feixe de “outros”, cuja masculinidade foi problematizada e desvalorizada» (Kimmel, 1998: 133) em lugares de tensão desregrada e concede-se um lugar de identificação a homens gays. Isto é, constrói-se a masculinidade utópica.

Sendo a homossexualidade uma ameaça à virilidade masculina (infiltrada, devido à sua invisibilidade), a sua exposição pública, seguida de uma aura de imputabilidade, sugere a possibilidade de “reconversão hetero-homo” o que seria inaceitável para os machos heterossexuais. Insultar o gay é pois demarcar-se.

É por isso que a homofobia é, à partida, mais intensa quando os rapazes estão agrupados pois estão-se a produzir modelos de masculinidade que se reproduzem por imitação social e assentam na reafirmação performativa da sua masculinidade (Marques Silva & Costa Araújo, 2007), da sua heterossexualidade e do repúdio, paradoxalmente quase histérico, à homossexualidade masculina (particularmente, a não heteronormativa) (Vale de Almeida, 1996). Assim, homofobia obriga a homofobia numa crescente dinâmica até o aperfeiçoamento da “masculinidade desejada”, por mais utópica que seja.

Da mesma forma, a pressuposição do homem gay como alguém cujo papel sexual é, invariavelmente, passivo (o homem gay seria penetrado e felaria o parceiro) conforta a masculinidade, distancia-a duma perda de virilidade simbólica, salvaguarda-a duma inversão de género radical (um homem que penetre é superior a um homem que é penetrado pois cumpriria o seu papel “mais natural”) e afasta-a da possibilidade de ser um alvo passivo do homem gay: o homem heterossexual mantém assim o seu status penetrador e falocrático, particularmente se esse homem possuir características que o reprimam quanto ao seu status existencial, nomeadamente, a de classe (Arnot, 2007). Não é por acaso que os gunas ou os/as ciganos/as (usualmente com um forte conceito de família tradicional) costumam ser, à partida, extremamente machistas e homofóbicos/as. Não é por acaso também que a categoria biológica de “homem” (sexo) passa a ser considerada uma categoria simbólica (género) no insulto homofóbico: os paneleiros não são homens.

Portanto, o artifício e a perfomatividade salientam o carácter “anti-natural” da heterossexualidade. Assim, esta nunca poderá existir sem uma repressão constante à homossexualidade, como uma contínua binarização típica do pensamento ocidental (eu sou este e tu és esse, que é completamente diferente de mim).

Tal facto evidencia também a própria precariedade da identidade heterossexual (numa lógica pós-moderna), assim como da identidade homossexual (dissimulada para efeitos de acção política), pressupondo uma bissexualidade fluida onde as identidades transitam e onde os lugares estáveis de desejo são pensados numa lógica racionalista das perdas e ganhos para os sujeitos (e as suas construções identitárias) (Butler, 1999).»

Referências Bibliográficas:

ARNOT, Madeleine (2007). “Identidades Masculinas de Classe Trabalhadora e Justiça Social: Uma reconsideração de learning to labour de Paul Willis à luz da pesquisa contemporânea” In Educação, Sociedades e Culturas nº 25, 9-41.

BORRILO, Daniel (2001) Homofobia. Barcelona: Belaterra.

BUTLER, Judith (1999) Gender Trouble. Feminism and the Subversion of Identity. Nova York, Routledge.

JUNQUEIRA, Rogério Diniz (2009) “Educação e Homofobia: o reconhecimento da diversidade sexual para além do multiculturalismo liberal” in Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasília, Edições MEC/UNESCO.

KIMMEL, Michael S. (1998) “A produção simultânea de masculinidades hegemônicas e subalternas” in Horizontes Antropológicos/UFRGS. IFCH. Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. Porto Alegre: PPGAS, pp. 103-118.

LOURO, Guacira Lopes (2004) “Os estudos feministas, os estudos gays e lésbicos e a teoria queer como políticas de conhecimento” in LOPES, Denilson et al. (Orgs.). Imagem e diversidade sexual: estudos da homocultura. São Paulo: Nojosa.

SEDGWICK, Eve Kosofsky (2007) “A Epistemologia do Armário” in Cadernos Pagu (28): 19-54.

SILVA, Sofia Marques & ARAÚJO, Helena Costa (2007) “Interrogando Masculinidades em Contexto Escolar: Mudança Anunciada?” In Ex Aequo nº 15, pp. 89 – 117.

VALE DE ALMEIDA, Miguel (1996) “Género, Masculinidade e Poder” in Anuário Antropológico, 95: 161 – 190.

VALE DE ALMEIDA, Miguel (2004) “Cidadania Sexual: Direitos Humanos, Homofobia e Orientação Sexual” In Comuna, 5: pp. 50 - 55.


1 comentário:

Anónimo disse...

Ai que estupidos! Não sei como é que aguentas. Mas enfim, acredito que não seja por mal mas sim por pura ignorância e que um dia as pessoas venham a ter uma mentalidade diferente.