terça-feira, 26 de abril de 2011

Não votei no FMI, nem tenciono


Que fique bem claro: quando votei, nas últimas eleições legislativas, não votei no FMI. Votei num partido com assento parlamentar que, à partida, tem funções de governar o país como dispositivo do aparelho central do Estado; não votei numa organização internacional e externa – nos boletins de voto nem me constou que existisse tal coisa -, alheia aos mais diversos contextos nacionais (especificamente, os sócio-económicos, políticos e culturais) e à qual a maior parte dos/as portugueses/as são também alheios; cuja uma das pretensões é (des?)regular a economia pública e alienar os mandatos políticos (que podem jogar a favor dessa [des] regulação) das dinâmicas económicas-financeiras, ou pelos menos, essa será seguramente a sua inevitável consequência. Uma consequência fruto de uma imposição e não de uma negociação. E aqui está o carácter anti-democrático da coisa.

Não sou o único. Como eu estão milhares e milhares de portugueses/as a quem uma certa classe política (não podemos falar em “Governo” neste momento) se prepara para virar as costas, ignorando e, simbolicamente, desrespeitando o sentido de voto. E isto nada tem que ver com o aproveitamento ideológico de teor nacionalista que utiliza o FMI como arma de arremesso anti-projecto europeu (Finlândia, França, Itália) até porque sou muito comedido e reticente no que toca a nacionalismos. Seria vantajoso para certas ideologias, por exemplo de carácter fascista, a separação entre a soberania nacional e espaço comum europeu: não teriam que prestar contas sobre os princípios anti-constitucionais que propõem (anti-imigração, anti-direitos LGBT, pro-religião) e poderiam usar as suas retóricas falaciosas, pro-eugenia livremente nem que isso colidisse com a ética comunitária dos direitos humanos que a CE antevê (e legisla).

Que fique bem claro: do meu ponto de vista, é uma mais-valia para Portugal a sua integração na CE, contudo, é a CE que terá que se interrogar sobre que tipo de políticas pretende desenvolver sem comprometer a soberania nacional (estatal, pública) e auto-definir-se consequentemente através do planeamento/aplicação dessas políticas (Tratado de Lisboa, olá!). Não deixar que certas hierarquias perversas se imiscuem no espaço que se quer de todos nomeadamente a dependência extrema de Portugal (e da Grécia e da Irlanda) à Alemanha que, neste momento (e até historicamente), queira-se ou não, é (foi, e tende a continuar a ser) o polvo europeu. De Sócrates (o Cristo pascoal) a Sarkosy, todos lamberam as botas (usando uma expressão softcore) a Merkel. São estas hierarquias que a CE pretende (re) criar e que desde os pós-guerra mas agora, como em tempos de crise, ficam evidentes? Será o FMI o Plano Marshall da Alemanha ou o maior lucro dos sistemas financeiros norte-americanos que lucram com a falência dos Estados? Ou os dois? É isso legítimo, ético?

A classe política (e os/as colunistas, os/as opinion-makers, enfim, os media, maioritariamente posicionados numa vertente ideológica) enveredou pelo terror do determinismo, isto é, a pretensão de que não há alternativas à intervenção do FMI em território nacional (como não há alternativas ao capitalismo, como não há alternativas ao patriarcado, etc) e, por vezes, optam pelo falso choradinho (“nós não queríamos, sabe? Mas olhe, lá terá que ser!”). Não, não tem que ser. Olhando para a Islândia, os seus múltiplos (mas legítimos!) referendos e a recusa insistente dos/as finlandeses/as em pagar a dívida pública é o exemplo claro de que “as coisas não tem que ser assim” porque sempre foram assim. Tanto não tem que ser assim que na Grécia o FMI fez mais estragos do que reparações. As coisas podem mudar e os sistemas funcionam porque assentam na sua flexibilidade dialéctica. Sem flexibilidade dialéctica os sistemas morrem.

De facto, as críticas neoliberais anti-Estado, cada vez mais intensas mas com custos (o PSD anda a perder votos…), focalizam-se na burocracia do Estado (sem desconhecer que a burocracia é um critério fundamental nas sociedades democráticas), nas despesas do Estado em detrimentos dos/as gestores/as privados (esquecendo-se a dependência, a desfiguração social e desigualdade que daí advinha visto que os interesses privados são, por norma, selectivos pois atentem prioritariamente ao lucro).

• Tolerâncias de ponto? Não existe isso no privado?!
• Progressões automáticas nas carreiras? Como se garante que isso não aconteça com as elites empresariais geridas, por exemplo, por linhagens familiares?
• Aumentos salariais anuais acima da inflação e sem relação com a produtividade? E os bancos não pagam impostos?! É-se um cidadão ou cidadã apenas quando se produz? Que concepções de "produção" estão em jogo?
• Emprego para a vida com a possibilidade de ter segundos empregos, reformas sem perda de poder de compra em idade boa para viver a vida? E as reformas das elites engorduradas?!
• E os salários dos militares? Preocupados em destatizar e uma repentina preocupação com a segurança estatal?!

Nunca, como agora, foi tão urgente revisitar Abril e expor a ferida profunda do neoliberalismo desenfreado que nos troika as voltas. Repito: a intervenção do FMI em Portugal? Ok mas referenda-se. Como referia Daniel Oliveira, «(…) e quem, quando se está a tentar, com derrota certa, reduzir a amplitude da intervenção externa não sufragada pelo voto, pede que ela seja o mais abrangente possível, está a trair os portugueses». E uma traição com um amante que ninguém conhece o rosto.