segunda-feira, 30 de maio de 2011

Meritocracia (ou novas formas de apanhar choques infinitamente...)


Interrogado sobre a velha dicotomia político-ideológica “esquerda/direita”, um amigo meu retorquiu: “eu não sou de direita nem de esquerda; acredito é na meritocracia!”.

Ora, nada poderia ser mais incoerente porque a meritocracia é, por assim dizer, um sistema de crenças ideológicas reportadas à direita neoliberal logo ela não é neutral e/ou asséptica.

Nos tempos do Ancient Regime, onde a mobilidade social era um ataque directo à estrutura de classes tripartida (nobreza, clero, povo) e onde “filho de sapateiro só podia ser sapateiro”, aquilo que hoje se denomina de meritocracia (não existia a definição, apenas a lógica da mobilidade social) era revolucionário pois era entendido como uma desorganização do sistema de classes e uma desbiologização (e.g., os filhos seguem caminhos diferentes dos pais). Poderia-se-ia linearmente e muito grotescamente admitir que essa mobilidade social era revolucionária, estaria situada ideologicamente à esquerda (ou naquilo que a esquerda é hoje). O avanço do capitalismo e a mudança de enfoque na esquerda recém-moderna (olá Marx) fez com que a mobilidade social (e o crescimento da burguesia) fosse um atentado ao fim das classes. Mas será essa mobilidade real?

A ordem social actual fragmentou o local em detrimento do global produzindo ironicamente novas formas de resistência do local, o que tal não significa (como se julga frequentemente) que formas tradicionais e biologizadas se perderam (e, muitas das vezes, não tem que ver com uma geometria territorial simbólica: Interior/tradicional; Litoral/moderno). A possibilidade de escolha é uma inevitabilidade do mundo moderno (em muitos casos) mas não significa que as pessoas construam os seus núcleos, as suas redes de sociabilidade, os seus sistemas de favorecimento (e.g., as cunhas). Logo a ideia de uma sociedade meritocratica onde cada um/a ascende pelo seu exclusivo (?) mérito é uma falácia e uma retórica discursiva. Mesmo se tivermos em conta os contextos diferenciais de desenvolvimento humano.

É tentadora a ideia de que as pessoas têm méritos e competências muito diferentes. Que duas pessoas, concorrendo para um lugar onde só pode entrar uma, estarão destinadas à (falsa) presunção que uma tem mérito a outra não. Essa ideia é coexistente à ideia de sociedade enquanto hierarquia: os/as que tem mérito e os/as sem mérito. Mas a retórica não se fica por aqui.

Porque a desigualdade é (infelizmente) estrutural, não será o discurso da meritocracia uma retórica das elites? Imaginem uma caixa de Thorndike onde o gato vai aprendendo a obter os comportamentos mais eficazes para conseguir comida (ou onde vários gatos vão competindo entre si) sobre o olhar atento e ironicamente divertido de… Thorndike. Enquanto lhes é dada a comida e eles competem, eles não se interrogam sobre o mecanismo da caixa e vai continuando a guerrear entre si e, simultaneamente, a alardear as maravilhas da meritocracia. Há gente que gosta mesmo de levar choques eléctricos…

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