sábado, 18 de junho de 2011

Ministro da Educação: um erro Crato


Quando pensava que mais nada poderia correr pior, pimba! O Nuno Crato para Ministro da Educação. Porquê esse espanto? Eu explico.

Imaginem que alguém entra no vosso lugar de trabalho (uma aula, um estabelecimento de compra/venda, etc) e vos diz que não estão a efectuar bem o vosso trabalho. Pior: imaginem que põe em causa o vosso trabalho enquanto área científica válida e legítima. Imaginem alguém a entrar no laboratório do Einstein e exclamar que aquilo que ele fazia era pura especulação, não passava de um ritual de magia oculta. Quem diz o laboratório de Einstein, como símbolo máximo da Física, diz também a Matemática enquanto área de saber científico.

Pois, este senhor fez tudo isso com as Ciências da Educação. Para ele (e para muitos outros como Filomena Mónica, Gabriel Mithá Ribeiro, M. Fátima Bonifácio, etc) a Educação não se pode constituir como área do saber. Ela não pode ser, por isso, admitida como Ciência.

Ora, convinha que Nuno Crato esclarecesse o que ele entende como Ciência sobre o risco de eu próprio achar (isto do “achismo” é fantástico!) que a Matemática não é uma Ciência. Mas como eu, não estando relacionado de todo com a Matemática nas suas dimensões mais específicas (isto é, com a sua gramática epistemológica profunda), não o posso fazer assim como o Nuno Crato também não o pode fazer com as Ciências da Educação. Cada área (ou grupo, etc) só se pode definir nos seus próprios termos. É de uma enorme petulância meter o nariz nos assuntos do/a outro/a.

O “eduquês”

Este senhor, agora ministro, escreveu a algum tempo atrás uma crítica àquilo que ele (e os outros sujeitos e sujeitas atrás mencionados/as de apelidos ostensivos) chama do “eduquês” ou de “pedagogia romântica”.

Começa por afirmar que estes/as teóricos/as da educação são movidos/as por “convicções ideológicas cegas”. Bem, quem está cego nesta história toda é o Nuno Crato porque subentender uma profissionalidade com uma ideologia é perversamente incoerente já que os/as mediadores/as sócio-pedagógicos/as podem ser de esquerda, de direita, socialistas, neoliberais, apartidários, anarquistas, fascistas, etc. Da mesma forma, um argumento de acusação sobre a impregnação do/a outro/a na ideologia é um absurdo porque a própria acusação de ideologia parte… de uma ideologia. Simplificando para o Nuno: eu não posso admitir que x está a ser “ideológico” porque, simultaneamente, ao atacar x, estou a ser ideológico também. De facto, nada está fora da ideologia (se o Nuno lesse Althusser chegaria lá e poderia curar a sua cegueira…) e tanto é verdade que o Nuno Crato chega a Ministro da Educação pelas mãos da direita.

A transmissão como ideal

Nuno Crato, como muitos e muitas que partilham das suas angústias, refere que os “pedagogos românticos” ignoram que haja uma “crise” na educação, porque de facto ela há, e defende que o tipo ideal de aulas é as do tipo expositivo, transmissivo, verificáveis há milhares e milhares de anos.

Ora pois bem, estas duas premissas entram em contradição porque se é verdade que o tipo expositivo é uma constante transhistórica (contudo, é errado dize-lo das aulas porque só no séc. XIX é que a escola surge como dispositivo de separação da família e no séc. XX se assiste à sua massificação frágil com entraves em muitos países, i.e., Portugal salazarista), não é menos verdade que processos de formatividade são uma constante, isto é, há formações educativas que extravasam daquilo que se teria pensado como o ideal educativo institucionalizado e os/as sujeitos/as só aprendem porque atribuem sentidos, consoante as suas experiências, aos conteúdos transmitidos.

Posso contar uma pequena história deste processo: tinha uma professora de alemão no secundário, durante três anos, que mais parecia uma versão feminina de um general das SS (e sim, o facto de ser “ a disciplina de alemão” aflui para esta estereotipagem) e que, chegada à sala, desatava a transmitir matéria como o Marcelo Rebelo de Sousa numa sexta-feira no telejornal da TVI. A única coisa que retive de alemão foi uma singela e curta (e pertinente) frase que recordo de uma aula em que, a professora começou a cantar na aula (desmontando toda a imagética fascizante que tinha construído, levando os/as alunos/as à risota incontrolável): “ich bin auslander und spreche nich gut deutsch” (sou estrangeiro e não sei muito bem falar alemão). Se de facto as aulas expositivas são lindas e maravilhosas explique-me isto.

É de realçar que nunca em nenhum discurso do “eduquês” ouviu dizer que as aulas expositivas são nefastas. Apenas que existem outras metodologias que podem coexistir com elas. Na verdade, o treino e a memorização só fazem sentido se os/as sujeitos aprenderem sentidos sobre o que lhe és transmitido.

O discurso da crise

A mesma historicidade (retórica, de um universalismo cego e cheia de irregularidades, claro) que o Nuno Crato confere às aulas expositivas é a mesma historicidade que confiro ao discurso da crise.

De facto, não há nenhuma sociedade onde a geração mais velha se queixe da mais nova e isto é válido para os tempos de Sócrates (o filósofo) ou Platão até aos nossos dias. O discurso apocalíptico da crise é co-substancial à concentração de poderes numa só figura e, por isso, atentatório à democracia mas é uma táctica muito bem alardeada nos círculos ideológicos de Crato com o objectivo claro de atacar a Escola Pública e as classes socialmente desfavorecidas, isto é, aqueles/as que sofrem mais com o distanciamento da cultura escolar/educativa às suas realidades. Mais: o discurso da crise (e de facto há uma crise na educação que Crato tenta implementar) só fere a credibilidade de quem a salienta. Um professor a referir que os seus alunos agora não aprendem nada ou um Ministro da Educação a exclamar que a educação está perdida é, alem de uma estratégia para se fazer parecer “O” redentor, um ataque profundamente masoquista. Assim sendo, até a indisciplina, sendo uma construção social, só se torna “indisciplina” porque se condiciono todo o tipo de dinâmicas para que ela funcione como “indisciplina”.

A “examocracia”

Compreende-se porque é que Nuno Crato quer impor os exames como modelo único de avaliação. Porque reduz a educação à transmissão e memorização e anula quer as competências sociais (também elas mutáveis na sua operacionalidade conceptual) quer os sentidos que se atribuem às aprendizagens. E porque os exames falam, de forma genérica, a linguagem da classe média/alta, o Nuno espera que estes tenham a função (perversamente anti-democrática!) de separar o “trigo do joio”, de uma forma claramente e falaciosamente essencialista (um exame, num outro momento, teria resultados diferentes).

A par dessa apocalipsação pacóvia está um silogismo falacioso que procura dicotomizar, dizer que se não é “sim”, é “sopas”. Por exemplo, se se crítica as aulas expositivas então está-se a deduzir que elas são um terror; que se os alunos tiverem voto na matéria na gestão das escolas então os alunos passam a comandar a escola e haverá um desastre nuclear, uma bomba atómica (vá, ajudem-me neste processo de arranjar coisas mesmo más…). É retórica da mais vil. É precisamente por Nuno Crato defender que a escola é uma instituição com instâncias democráticas que se deve envolver toda a comunidade educativa na e com a escola e isto é válido não só para professores/as ou directores/as mas também encarregados/as de educação, alunos/as e funcionários/as.

Contudo, em certa parte, concordo com o Nuno Crato. Há uma crise na educação. E ela começou agora.

Ass. Hugo Santos, “um pedagogo romântico”

CRATO, Nuno (2003) “A Pedagogia Romântica e a Falta de Bom Senso”, in Jornal de Letras, Artes e Ideias, pp. 1 – 5.

1 comentário:

Florentino Silva disse...

Além da crise, o terrorismo de uma espécie de intelectualidade vai tomar o poder! E refere, que a sua verdade é que é verdadeira!
Parabéns pela "exposição" da sua reflexão.