quinta-feira, 11 de agosto de 2011

London calling


Os tumultos em Londres começarem por parecer os fenómenos do Entrocamento: sem explicação, sem causa, sem razão específica ou evidente. Depois, e por causa desta ausência de causa(s), a comunicação social atribui a responsabilidade a anarquistas e punks (ou anarco-punks) assim como atribuía responsabilidade aos islâmicos pelos atentados noruegueses. Passado algum tempo, se veio a descobrir que, afinal, tratava-se de fundamentalismo cristão, entre aspas, claro, pois os cristãos são pessoas de bem.

Ora, não me vou adiantar muito sobre a promiscuidade entre a comunicação social e o poder político, que se joga num claro monopólio de interesses e em amizades insuspeitas entre os donos dos jornais e a oligarquia dos mais ricos. Fico-me por desmistificar esta ideia da ausência de causa dos motins de Londres que acabaram por se expandir para outras cidades (Birmingham, Bristol, Liverpool).

Passado alguns dias de tensão, existem de facto algumas hipóteses que não quantifico e explicarei mais tarde porquê. A primeira relaciona-se com um protesto contra a repressão policial (tendo no assassinato de um homem em Tottenham por parte da polícia o seu ponto de origem); a segunda trata-se da precariedade, fruta da opção por medidas políticas-económicas fracassadas que criam e recriam formas de exclusão e atingem profundamente ou as classes menos qualificadas da classe trabalhadora ou até mesmo jovens sobrequalificados; a terceira tem que ver com a apartheidização dos/as imigrantes e o fracasso do multiculturalismo (olé Cameron!); a quarta diz respeito à revolta das classes mais degradadas e pobres das periferias dos grandes centros urbanos; a quinta traz à baila a questão racial, a sexta… enfim, eu disse que não iria quantificar e porquê? Porque de facto parece-me haver aqui um caldeirão explosivo que, num momento em que as opções neoliberais dominam e, atrever-me-ia a dizer, controlam a União Europeia, detonou.

De facto, rejeito que se diga que se trata ou de uma questão racial ou de uma questão económica ou de uma questão do fracasso do multiculturalismo, etc. Porque a integração fracassada dos expedientes imigrantes (os mesmos cujo política neoliberal tem diferentes medidas: de evitamento e fecho de fronteiras e, paradoxalmente, recrutamento de mão-de-obra barata e, por vezes, ilegal) está conectada com a questão racial, que se interliga com a repressão policial (viram-se polícias negros a tentar travar os grupos em questão? E o que dizer da política do stop and search que implica fazer discriminação étnica na altura das investigações policiais? Porque a necessidade de alguns media, como a SIC, a colocar pessoas negras a comentarem negativamente os tumultos londrinos?). Em suma, trata-se, na minha opinião, de uma bricolage de causas tendo como pano de fundo o descontentamento social das classes trabalhadoras onde, uma vez mais, a questão racial se sobressai (a taxa de desemprego é de 20% na comunidade branca e 50% na comunidade negra).

É claro (mau era se não fosse) que Cameron diz que nada tem que com a austeridade e atribui as culpas à cultura de violência das gangues. Para a combater, diz que não em usar o exército, ou seja… violência! Mais: uma violência que, ao implicar entrar na casa dos suspeitos, reafirmo: suspeitos!, vai contra os princípios robustos do neoliberalismo: a propriedade privada.

É neste exemplo que neoliberalismo se alia, numa relação anti-natura com o neoconservadorismo. Há 15 anos seriam economistas ou sociólogos a falarem dos túmulos, hoje são os criminologistas como o Barra da Costa. É o populismo bacoco e o fogacho do apocaliptismo reaccionário que procura, como moeda de troca, desvincular casos como estes da precariedade. Um pouco como o atual Governo Português que apregoa que a austeridade provinha do anterior Governo Socialista como forma de justificar medidas ainda mais radicais. Contudo, é mais que uma atribuição de culpas nonsense e promoção do pânico moral: ao tratar-se de gangues trata-se das próprias classes trabalhadoras (quem me dera que Cameron tivesse um discurso tão inflamado no caso das escutas aos milionários corruptos), essas a quem a faceta capitalista do consumo lhes segrega ao ouvido e, simultaneamente, lhes foge entre os dedos.

O único problema grave destes tumultos que não sendo politizados são, de caras, políticos (como a Geração Rasca) é a sua falta de coerência. Se se trata de uma luta de classes os jovens que pilham e vandalizam lojas escolheram mal os seus alvos, os mesmos que nesta altura comem pipocas e sorriem com tamanha estupidez. Não que defenda que o voto ou as manifestações pacificas sejam as unicas soluções mas porque acho que jovens de classe trabalhadora a atacarem comerciantes de classe trabalhadora não me parece assertivo.

De facto, trata-se de uma luta de classes num dos países com maior desigualdade dos países da OCDE. Portugal vai à frente e, ao contrário da esquerda mais optimista, penso que, mesmo neste país de brandos costumes, muita coisa pode acontecer quando, nas palavras de Nuno Crato, a abundância imaginária cobre a penúria real.

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