sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Misturas



Existem opiniões, debates, ideias e até pessoas que, em pleno século XXI, parecem já ter sido ultrapassados/as. Contudo, um energúmeno qualquer (“David Chadwell”), aproveitando o conveniente espaço que lhe é concedido num jornal de grande tiragem em Portugal (“Público”), habilita-se a propagandear as boas novas sobre a educação separada, que é como quem diz, meninos para um lado, meninas para o outro, tudo em nome da desafectação dos rapazes na escola.

Não sei se trata de uma forma de backlash anti-feminista (já não bastava o Barra da Costa quase afirmar que não existe violência doméstica – nos EUA, morrem mais mulheres por violência domestica do que soldados na Guerra do Iraque - e que as feministas são um grupo de tolas que instrumentalizam as vitimas da dita cuja), uma real preocupação com um problema, de fato, pertinente (a desafectação dos rapazes na escola) ou se trata de uma forma insidiosa de promover desigualdades no mercado de trabalho, mais do que aquelas que hoje parecem atingir as mulheres (i.e., a discrepância salarial).

No Fórum Socialismo 2011, em Coimbra, Helena Pinto foi preponderante na palestra “A crise e o direito das mulheres”: o ataque às mulheres e aos seus direitos tem sido perpetuado de forma vil e implícita: desde da promessa, a medo, de reavaliação da IVG por Passos até à “descomparticipação” da pílula, para já não falar do falacioso chavão político da conciliação trabalho/casa que, ao focar-se na mulher, desresponsabiliza o homem (podendo-se argumentar retoricamente que este tem mais responsabilidades laborais).

Helena Pinto lembrou ainda que a política do Governo face à igualdade de género é uma anedota. Numa das medidas propostas para travar a violência em contexto doméstico, esta refere as crianças, as pessoas deficientes, os idosos e as pessoas dependentes; quanto às mulheres, fez-se silencio. Em tom satírico, na palestra, alguém comentara: “só se as mulheres estiverem subentendidas nas pessoas dependentes…”.

Voltando à polémica entrevista de David Chadwell, o mesmo começa por afirmar que não quer estereotipar, contudo, afirma que as raparigas tendem a focar-se nos pormenores e os rapazes focam-se na ideia principal. Para quem não quer estereotipar… Aliás, se o próprio reconhece que se trata de uma tendência à partida e que indigna-se sobre o facto de alguém afirmar que determinada metodologia pedagógica é melhor ou pior, pergunto-me: então para quê esta história do ensino diferenciado?

O homem que afirma que o trabalho de grupo é indispensável para as raparigas como forma de resolver uma tensão (sobre a sua aparência, sobre as suas amizades, enfim, a futilidade feminina) também afirma que esta coisa da educação co-separada não tem que ver com a religião. É por isso que David esteve em Portugal para dar formação nos Colégio Fomento (que tem protocolo de cooperação com a Opus Dei) e falou sobre o tema de conferência na Universidade Católica.

O culminar da idiotice só mesmo quando refere que a escola não é o mundo real. Pela forma como David a concebe, de facto, não é. No mundo real separa-se as pessoas racionais para quem a educação co-separada é um artefacto inglorioso do passado e as pessoas, como o David, que com falinhas mansas – ou não fosse hoje o grande trunfo da direita, as falinhas mansas -, tenta pregar as boas novas da desigualdade a longo prazo – sim, porque não haja dúvidas que se trata de uma forma ardilosa de segmentar o mercado de trabalho e, em última instância e como consequência disso, os papéis de género, nomeadamente, em relação à “esfera privada” -. Perante tal idiotice, só nos resta lamentar: é uma pena que, em sociedade, tenha que haver estas misturas: entre racionais e imbecis.

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