quarta-feira, 28 de setembro de 2011

O dificultismo Demo Crato

A retórica da exaltação do rigor e a devolução da autori(tarismo?)dade aos/às professores/as – como se ela alguma vez lhes fosse retirada – é o ex libris da direita conservadora e neoliberal. Compreende-se que, e especialmente em momentos de crise – uma crise, ela própria, provocada pelos excessos do neocapitalismo desregulado -, essa retórica populista seja do motivo de agrado de muitos e muitas encarregados/as de educação (repare-se no discurso do Presidente da Associação de “Pais”, Albino Almeida, sobre a retirada dos 500 euros de prémio aos melhores alunos e alunas, reforçando a necessidade de valorização do esforço, empenho e sacrifício) que anseiam, cada vez mais, que os seus filhos e filhas ascendam socialmente por conta do seu mérito – dispositivo de constituição “normativa axiologicamente neutra” – como se as instâncias que quantificam e qualificam o mérito não fossem, elas próprias, de natureza relacional, contextual e subjectivantes.

Numa altura em que se tem vindo a assistir à massificação do ensino - desde meados do século XX de forma ténue, desde do 25 de Abril de forma acentuada e com formas novas desde da década de 90 como bem ilustra Ana Almeida e Maria Vieira - e esta, ora oscilando entre uma consolidação frágil e a sua própria crise interna e reflexiva como faz questão de lembrar Helena Costa Araújo, exige assim novas respostas das políticas educativas (por exemplo, o saber gerir – ou relacionar-se - com a diversidade étnica, cultural, social, etc, ela própria resultado extrínseco e, portanto, inevitável dos processos de globalização) e, em particular, à própria massificação (frágil) do Ensino Superior (daí a preocupação de Medina Carreira), não admira que haja uma tendência das classes trabalhadoras, socialmente desfavorecidas, que consiste no desejo profícuo de querer (e poder, pois existem recursos, como a SASUP embora a sua eficiência seja discutível) colocar a sua “prole” no sistema educativo, obrigatório e Superior.

Ora, esse impulso que se assiste nas classes trabalhadoras foi o impulso excelso da classe média antes dos anos 70. A mudança dos sistemas organizacionais sócio-económicos, nacionais, transnacionais e mundiais (por exemplo, com o avanço de um sistema pós-fordista, um capitalismo flexível fundado no conhecimento como output e o florescimento de uma “sociedade do conhecimento” que exigem um novo mandato político-educativo às escolas, como bem demonstra António Magalhães), faz com que, ao mesmo tempo haja transformações internas na própria classe média (o surgimento da “nova classe média”) e que esta passe agora a tornar-se vigilante quanto á possibilidade de ascensão da classe descendente, ou seja, a classe trabalhadora.

Essa vigilância torna-se cada vez mais intensa na medida proporcionalmente direta dos ataques sociais à própria classe média, os quais que este Governo tão bem soube dirigir e agilizar. O discurso do facilitismo surge neste contexto. Ora, à boa maneira Illichiana, é verdade que, quando se inventa um modelo e quanto mais restrito ele é, mais fácil se torna criar as condições para se sair desse sistema, que é como quem diz, ser excluído/a. A direita não diz o diretamente (como se pode dizer aos portugueses e portuguesas que se quer uma sociedade profundamente estratificada e desigual e continuar a auto-intitular-se um estratega político, um marketer engenhoso? Nem toda a gente pode ser Alessio Rastani…) mas também se sabe que uma medida política nunca pode ser lida de forma literal mas sim averiguada para lá das suas intenções.

Em suma, o discurso anti-facilitismo resulta, inevitavelmente em exclusão. É por isso que é urgente (re) inventar uma nova terminologia ideológica: o dificultismo. E contra esse não há ninguém que nos salve.

Hugo Santos é licenciado em Ciências da Educação, futuro Mestre na mesma área, com especialização em “Juventudes, Educação e Cidadania”, e tem realizado alguns projetos de investigação sobre exclusão e inclusão social, juventudes e questões LGBT. As suas áreas de interesse científico contemplam a epistemologia e investigação, questões identitárias de classe, género, etnia e sexualidade, políticas educativas e sociais em contexto de globalização (cidadania, inclusão e justiça social) e sociologia da família.

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