segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Medina Vadio

«Resolveu-se nos últimos anos endeusar as universidades. Mas então por que é que estamos tão mal? Porque não precisamos de tantos doutores, precisamos é de gente média que saiba fazer. As universidades aturam uma data de vadios e preparam a meia dúzia de gente que sempre foi boa»

Medina Carreira, Casino da Figueira da Foz, 20/09/2011.

Ao ler o comentário aberrante do, já por si só, aberrante economista, Medina Carreira, eu só pude tirar uma conclusão: o gajo anda nos copos. Depois, mais racionalmente, percebi a mensagem subjacente à pretensão deste comentário descaradamente ideológico.

Medina começa por criticar aquilo que ele entende como um certo “endeusamento” das universidades, sem referir no que consiste esse endeusamento e como se avalia. Depois, justifica o mal-estar em que vivemos, grosso modo, com a presença de vários doutores (como quem compara a importação de bananas para o Turquemenistão com a aceitação do IVG no Sri Lanka) que a universidade produz, dando implicitamente a resolução para o dilema: a necessidade de “pessoas médias”. A cereja em cima do bolo é, de facto, a frase final que oscila entre a mera menção de um facto (ou melhor, percepção), um essencialismo pernicioso bacoco e o insulto gratuito.

Ora, é claríssimo que o comentário de Medina é, além de uma idiotice pegada, o sumo excretório da direita neo-liberal/neo-conservadora. Passo a explicitar: em primeiro lugar, releva a crença no “Estado Mínimo”, isto é, atentando contra as universidades, atenta-se contra os financiamentos do Estado às mesmas, numa altura em que a Ciência e o Desenvolvimento, devido por exemplo à sua internacionalização, intensificou-se especialmente a partir de meados da década 80, inícios da década de 90; intensidade essa visível, por exemplo, no numero de estágios internacionais à disposição dos/as estudantes. Em segundo lugar, há uma preocupação elitista com a procura de diplomas no sentido de proteger a hierarquia snobizada da estrutura epistemológica (“menos doutores, mais classe média”), desconhecendo que todos os países com melhor nível de vida que o nosso têm uma maior percentagem de pessoas formadas no Ensino Superior do que nós temos e nesses países os quadros médios passaram quase todos pelo ensino superior. Em terceiro lugar e para fechar em beleza, temos a protecção ao elitismo social, com um Medina, desencantado, aspirando por uma universidade utópica que possa patrocinar uma forma fordista de engenharia social: Medina ataca os/as jovens estudantes remetendo-os/as para a categoria de vadios/as e a elite, essa, “sempre foi boa” (pois a constância está associada ao laço geracional da própria perpetuação de classe). Medina é dos poucos direitistas que nem sequer tem a dignidade de esconder a descrença no (falacioso) mérito. Uau…

A afirmação de Medina Carreira é um bom exemplo do recurso ideológico ao “quadro negro” do ensino e da educação – a crise da educação –, com o apoio tácito dos media que, como se sabe, procura doutrinar a populaça e à qual não escapam as próprias Ciências da Educação (e, em jeito de curiosidade, José Soeiro não deixa passar).

Ora, esse discurso apocalíptico não é novo. Já Herculano o utilizava no século XI, e antes dele, Aristóteles. Ele esconde uma noção vaga de “nível” (vadios? Boas?) e uma relação de poder gerocrático. De facto, os conteúdos das críticas não são diferentes; incidem, particularmente, sobre a qualidade do ensino e aprendizagem, paradoxalmente, invocando “mais escola” o que não é caso de Medina que invoca “menos universidade” que é como quem diz “menos serviço público, menos massificação”.

Em meados do século XX, apesar de a população infantil em idade escolar se encontrar na escola primária, poucos são aqueles/as que prosseguem estudos para lá desse grau. Para aqueles que pretendem ingressar no “ensino liceal”, segue-se um exame de admissão, normalmente, com altas taxas de reprovação. Essas taxas de reprovação demonstram, em certa medida que, no passado, era muito mais difícil chegar-se à universidade. É errado pois afirmar confusamente que os jovens aprendam menos ou que sejam uma cambada de vadios, como mostram Vieira & Almeida, num artigo intitulado “A Escola que nós já tivemos”. Ou seja, a universidade no tempo de Medina era a universidade dos filhinhos dos papás, assim como hoje é dominado pela “nova classe média”, essa sim produto fabricado do fictício mérito.

Perante tal atrocidade, caso para dizer: vai estudar Vadio!

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