domingo, 16 de outubro de 2011

Occupy Aliados Street



Muito se pode dizer sobre as manifestações de ontem, enquadradas naquilo que linearmente se pode chamar “os novos movimentos sociais” (apesar de os movimentos sociais serem vastos, i.e, manifestações de grupos da sociedade civil a protestarem contra o corte do financiamento público a entidades educativas privadas). Convêm no entanto separar as águas: as manifestações não são “os novos movimentos sociais”. Explicarei mais adiante.

A primeira ideia que convêm esclarecer e que é, por norma, bem produzida pelos media (sempre exímios na elaboração, mais do da sua fidedigna e axiologicamente neutra descrição, de “factos sociais”), é que estas novas manifestações assumem um caráter fortemente juvenil. Ora, os jovens e as jovens são uma presença incontestável (e incontestada) da manifestação mas não são a única. Esta ideia de associar os/as jovens ao movimento prende-se com uma forma de dominação gerontocrática e também como uma categorização falaciosa que associa “jovens”, “manifestações” e “delinquência”.

Desfeita esta ideia, olho para estas manifestações uma das formas mais vivas e saudáveis das democracias contemporâneas, não são eurocêntricas, mas mundiais. Pena que a sua representatividade possa ser escassa (afinal de contas, os movimentos são constituídos, nomeadamente, por pessoas urbanas, predominantemente de classe média e com acesso à internet).

Outro ponto a ser discutido (que é como diz, revisto) é a sua vertente efetiva. De fato, para uma real agência tem que haver um interesse comum para qual todas as ações sejam coordenadas. Só perante esta condição estamos perante uma ação coordenada que se pode chamar de ação coletiva. Não é o que acontece no movimento. Na verdade, pode-se admitir que as medidas de austeridade são um alvo a abater e daí a organização de um objetivo comum, contudo, os interesses e as propostas de procedimento são múltiplas. Por exemplo, o movimento “Occupy Wall Street” resultou de uma ação consciente que levou o movimento a protestar contra a organização que de facto está na origem da crise. Há uma consciência que não existe na manifestação de ontem (e nos novos movimentos sociais como associações feministas, por exemplo).

Desse ponto quero agora deter-me neste, intimamente ligado ao anterior: a falta de politização do movimento. Tende-se a admitir que os/as jovens não se interessam por política, que os políticos, homens e mulheres, são um tiranos e tiranas ou uns/mas indulgentes, que as verdadeiras soluções do mundo da vida encontram-se fora da esfera da ação política. Ora, o que tem acontecido (e o fenómeno da globalização e a heterogenização das causas tem sido exímio nesse processo; ver Paul Hilder) é que, ao contrário dessa crença, os/as jovens tem estado mais politizados do que nunca, contudo, a sua forma de politização é apartidária. Tal facto, leva a que se assista a) à heterogeneidade de posições dentro do mesmo partido (e que léxicos como “liberdade de voto” ou “liberdade de consciência” passem a fazer parte das ações parlamentares) e b) haja um desinteresse em afiliação em partidos, vistos como categorias homogéneas ossificadas e, por isso ou não, bacocas face à mudança social.

As manifestações atuais incorrem do mesmo erro: como não se politizam não alcançam objetivos concretos e portanto correm o risco de, ao serem formas de resistência (mais do que agência), serem absorvidas, assimiladas e reelaboradas como parte integrante da estrutura de dominação à qual elas inicialmente se contrapuseram: o capitalismo (ver o caso dos restaurantes vegetarianos: representam um estilo de vida que se opõe a uma norma dominante a nível da alimentação mas que depois passam a ser procurados por aqueles e aquelas que para essa norma contribuem como uma espécie de voyeurismo multicultural). De fato, aqui está a distinção entre manifestações (tradicionalmente despolitizadas) e “novos movimentos sociais” obrigatoriamente politizados (por exemplo, o movimento LGBT).

Repito: as manifestações (que diferem dos “novos movimentos sociais”) são louváveis e expressam, a nível europeu e não só, a indignação face às desigualdades sócio-económicas estruturantes, típicas nas sociedades do capitalismo flexível (ou neocapitalismo), contudo, é preciso sobre elas se produzirem conhecimentos (Ciências Sociais, hello) e se refletir sobre aquilo que considero handicaps das manifestações, a saber: a falta de representatividade interna, a incoerência na efetividade e o seu caráter despolitizado.

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