quarta-feira, 4 de abril de 2012

M.D.N.A, uma pop que vicia e Madonna (ainda) é Rainha.



Depois de tanto tempo de interregno, Madonna regressa com novo álbum e, para não ser muito diferente do habitual, quando regressa, regressa em cheio o que não significa necessariamente que as suas escolhas sejam as mais acertadas, do ponto de vista de muita boa gente na qual eu tenho o obséquio de me (auto) incluir.

“M.D.N.A” surge envolto em polémica ou não fosse um álbum de Madonna. Diz-se que “M.D.N.A” é um trocadilho com o nome da cantora e, simultaneamente, uma referência ao mdna, um princípio ativo encontrado no ecstasy. Ora tal indagação, a par dos mais recentes bate-bocas com Deadmaus, dá a entender que Madonna faz apologia da droga como se o facto de eu ver anúncios na T.V. sobre a esfregona da Vileda me faça hipotecar a casa só para comprar uma centena delas. Caros e Caras amigos/as, Madonna é, por si só, uma droga e (só para não dar o ar de moralista) as drogas fazem parte da nossa cultura. Like it or not!

Controvérsias à parte, vamos ao que interessa. “M.D.N.A.” foi recebido pela crítica com louvor. Parece que a cantora se quis redimir do malogrado e (sejamos francos/as!) despersonalizado “Hard Candy” e tal redenção valeu-lhe o, outrora reticente, título da Rainha da Pop, até então disputado entre as pupilas Spears e GaGa (Aguilera morreu, Perry é uma anedota, Minogue faz muito sucesso mas só na Austrália, Rihanna e Beyonce são demasiado negras para destronar Madonna – e não, não é um comentário racista! –, Jessies J’s e afins ainda comem Nestum). “Madonna é ainda a Rainha!”, é o grande lema.

Bem, não quero ser desmancha-prazeres. De facto, o álbum supera o descartável “Hard Candy” ou o insosso “American Life” e cumpre o seu serviço de música pop de qualidade para a comunidade, contudo (e teremos que reconhecer) não chega aos calcanhares de um “Confessions on the Dancefloor” (CDF) ou a um “Ray of Light”, (só para citar os mais recentes trabalhos) mesmo que Orbit tenha sido recrutado. Isto porque algumas vozes compararam o “M.D.N.A” ao CDF. Sim, se houver uma versão hardcore e intensificada do CDF, aceito, só que “M.D.N.A.” tende a ser mais diverso (o que não é necessariamente bom; coloca-se o problema do “Bedtime Stories”: álbuns sem linha ideológica) e a ideia de que Madonna “faz mais do mesmo”, evidente em “Hard Candy”, continua firme e hirta como uma clave de sol. Desde meados da década 2000 que Madonna passou de pioneira a seguidora de modas. Como diz uma amiga, afinal de contas ela tem que pagar o colégio dos filhos.

Em termos de conteúdo propriamente dito, “M.D.N.A” rebusca a Madonna dançável, intensifica o disco-sound pueril e rosado dos anos 80 transformando em HI-NRG pós-90 (ou não estivéssemos a falar de produtores como Marco Benassi), o que é um risco para quem não consegue visualizar a Madonna como uma milf (as más bocas diriam “idosa”) que é fã de tunning, e integra, ora canções de R’N’B urbanizado (a nova pop made in E.U.A. do século XXI), ora a introversão bjorkiniana de William Orbit. Tudo isto com uma obscuridade que, ao mesmo tempo que reforça o lugar de poder de Madge, torna incompreensível o lado vivo de canções como “Turning Up The Radio”.

Não se pode dizer portanto que estamos perante uma obra-prima (uma masterpiece) mas sem dúvida que, como entretimento de massas, o álbum serve os seus propósitos e a fórmula, apesar de usada (a presença de Orbit é flagrante como prova de algum desespero), surte efeito. Tanto surte efeito que vou pagar cento e tal euros para a ver a Coimbra. Nunca a cidade universitária terá tanto desencanto na despedida.

Faixa a Faixa

Girl Gone Wild


2º single de “M.D.N.A”. Muito burburinho causou as acusações de plágio sobre a escolha do nome. Uma indústria pornográfica reclamou o uso exclusivo da expressão dizendo que Madonna estaria a plagiar e a manchar a marca de filmes “Girls Gone Wild”, obrigando a cantora a retirar – Madonna diz que retirou porque “sim” – o insignificante “s” do título da canção. Santa presunção! Madonna estaria seguramente até a publicitar a marca e portanto a auxiliar, além de que escolher esse nome para uma marca de filmes pornográficos é tão original como escolher “Missa” para uma reunião numa Igreja ao Domingo ou “Snoopy” para um cão. Desavenças à parte, a música parece conciliar o epicentro da dança pop atual – a sensação eurodance – com a bagagem sexual e religiosa da cantora. Com uma sonoridade que remete ora para “Sorry”, ora para os hits bobos de um DJ de Verão qualquer; “yeah yeah yeah” não é refrão que se apresente. Madonna expia os seus pecados do costume recrutando Jon Kortajarena e os Kazaky, com muito homoerotismo (dois moçoilos trincam uma maçã com muita ânsia remetendo-nos para um Éden gay) que faz parecer “Alejandro” de GaGa uma piada. Maior piscadela ao público gay seria impossível. O monocromatismo black & white remete-nos para “Vogue” e “Justify My Love” e mais uma vez Madonna, uma vampira no clipe, sacrificou o seu vanguardismo em nome do mainstream (se bem que há que dizer aqui que o voguing de Kazaky tinha sido primeiro redescoberto por Madonna há vinte anos atrás). Em suma, Madonna, estás perdoada.

Nota: 5

Gang Bang


Esta talvez seja a maior surpresa do álbum e as postagens no facebook provam-no. É uma canção negra onde Madonna exorciza (talvez) o seu divórcio, descrevendo calmamente, como uma boa bitch, o horror que irá fazer no rival, com muitos tiros e sirenes da polícia à mistura (por momentos lembro-me da canção de Nancy Sinatra, “Bang Bang”); é muito diferente do que tem sido feito (“Justify My Love”, olá!). Produzida pelos novatos Demolition Crew e escrita por nomes como Mika (quem diria!), bem que poderia, como suplicou a própria Madge, ter um clipe realizado por Tarantino. O caráter progressivo da canção levam Madonna a gritar “DRIVE BITCH!” no final e parece que, mesmo com palavreado ousado e violento que impossibilita a canção de chegar às televisões intacta (lembram-se de “What It Feels Like a Girl”?), pouca gasolina seja gasta para um grande hit.

Nota: Posso dar 100? 5

I’m Addicted

A canção que goza com a metáfora do título de álbum não poderia faltar. Envolta numa sonoridade que nos relembra o jogo do Tetris e de nomes como Hot Chip, The xx ou Crystal Castles, a canção é soturna, com um vocal grave mas que descamba facilmente para uma proliferação de sons eletrónicos. Madonna está viciada no amor e nós em “I’m Addicted”.

Nota: 5

Some Girls

Quando Cher usou o vocoder estava longe de imaginar a sua utilidade. No caso de “Some Girls”, trata-se de um exagero. Mesmo assim, com um refrão infantilóide que tanto nos remete para Blondie, a canção não deixa de ser uma boa forma de pisar terreno eighties e os clubes mais duvidosos da cidade.

Nota: 4

Turning Up The Radio

Cara chapada de Martin Solveig: Alegre, bem-disposta e solarizada. Por momentos parece haver piscadelas de olho a “Hard Candy”, com uma Madonna girlie de totós a saltar às cordas, mas tudo se resolve com umas batidas bélicas sobre uma sonoridade disco brilhante potencializada pelo sintetizador. Madonna pede para ligar o rádio. Para quê? Ponham “M.D.N.A.” a tocar… Mal? É enjoativa!

Nota: 4

I Don’t Give A …

A canção que valeu a parental advisory a “M.D.N.A.”. É também aqui que as descontinuidades sonoras começam, enveredando Madonna por um rap inusitado (desde de “American Life” que a Rainha não se aventurava nestas andanças!) que reporta a sua vida familiar atribulada. Crise dos 50? Nunca o saberemos, mas parece que Nicki Minaj tem culpas no cartório. Tirando isso, a canção rebusca o frescor do R’N’B mais atual, sem cair em melodramas jamaicanos típicos de Rihanna, e finaliza com um som orquestral megalómano que bem poderia ter sido explorado aquando da sua atuação no SuperBowl enquanto Cleópatra. Avé!

Nota: 4 (Ela também não give a fuck!)

Gimme All Your Luvin’

Enquanto canção que ironiza as rivalidades com as discípulas (uma ironia que vai desde letra até à imagética de milf cheerleader; relembro que Spears começou como colegial…), seria perfeita. Uma ironia que se repercute na presença (ou utilização) das duas vozes mais sonantes do alternativismo anti-mainstream: Nicki Minaj e M.I.A., trajadas a rigor. Agora enquanto canção para ser levada a sério, tenho as minhas dúvidas da sua qualidade. É galvanizante, tem um refrão viciante mas é esquecível após algumas audições como a pastilha elástica que nos adoça a boca mas passados cinco minutos cuspimos no chão. Solveig cumpre tudo ao pormenor, inspira-se na pop-surf dos Beach Boys certamente e Madonna dá todo o seu amor. Fica por explicar no entanto a parte do clipe, produzido por Mert & Marcus, em que Madonna enverga um vestido branco numa dança muito sem sentido com as suas partners. SHA-ME-ON-YOU, Madonna!

Nota:
4

Superstar

Canção inofensiva, com a presença vocal de Lola, onde surgem as referências a figuras como Marlon Brando ou Travolta tal como em “Vogue”. Na verdade demasiado inofensiva.

Nota: 3

I’m a Sinner

Mais uma provocação onde sexo e religião se procuram conciliar. Como em “Superstar”, ao nível da sonoridade, não passa de um pop inofensiva sem house suado à vista. É perfeitamente cantarolável e por momentos faz lembrar aquela onda jazzie de Adele.

Nota: 3

Masterpiece

Canção que serviu de mote para o filme “W.E.”. Madonna canta sobre ser a Mona Lisa e apaixonar-se por uma obra-de-arte, podendo apenas “olhar e não tocar”. É claro o intimismo de William Orbit. Desde da fase do Evita que Madonna não explora a bonança com uma pitada de gipsy sound, influência dos seus companheiros dos Gogol Bordelo. Obviamente não é uma obra-prima mas dá para desfrutar.

Nota: 3

Love Spent

A tentativa de ir capturar novas sonoridades é evidente. Desta vez é aos acordeões romenos já esmiuçados por Edwad Maya. A nível lírico, tal como em “Material Girl”, Madonna ironiza sobre o amor e o dinheiro e o resultado é uma canção como manda o cardápio: inteligente, dançável e que (a propósito) dá para o gasto.

Nota: 5

Falling Free

Convêm dizer que “Falling Free” está absolutamente descontextualizada no álbum. Excepção feita a esse facto, a canção trata-se apenas de Madonna a cantar sobre um minimalismo instrumental com um vocal bastante forte emocionalmente, quase alpino, e até dramático. Efeitos da Kabalah? Whatever, não ficava nada mal num “American Life”.

Nota: 4

Bónus Track

Beautiful Killer

Não consigo compreender como é que uma canção como esta fica reduzida a uma bónus track. “Beautiful Killer” (não “Stranger”) não é nada de especial: é pop básica, com tons eletrónicos quase inaudíveis e uma letra que procura explicar uma atração presumivelmente fatal. Mas é inexplicavelmente bela e hipnotizante. Beautiful Song, só não mata.

Nota: 5

I Fucked Up

No seguimento de “I Don’t Give a …”, “I Fucked Up” (apesar de, salvo seja, meter muita fuck), é uma ode ao R’N’B da atualidade, rebuscado da ida década 90. Começa como balada à guitarra e vai evoluindo com uma Madonna a lamentar-se, pedindo desculpas (que foi? Madonna também erra!), sobre os erros do passado. Mais catarses sobre o divórcio e Madonna f**** o álbum.

Nota: 4

B-Day Song

Intragável! Parece que voltamos ao psicadelismo moderado de Beatles num álbum que é tudo menos pop mod. Soprem as velas e peçam um desejo: “Madonna, por favor, retira esta canção do álbum!”.

Nota: 2

Best Friend

Outra canção incompreensível que vai beber a um R’N’B alternativo sem sentido e enfadonho.

Nota: 2

Favoritas:
Girl Gone Wild, Gang Bang, I’m Addicted, Beautiful Killer, Love Spent

Nota do Álbum: 4 (ideal para quem gosta de “Music”).

2 comentários:

João Roque disse...

Eu diria antes: foi preciso a Madonna para apareceres por aqui: Aleluia! (é quase Páscoa...)

Sérgio disse...

Depois vou ler isto com mais atenção :)
Ainda não ouvi o álbum, mas já tenho bilhetes para Coimbra :p