quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Crença no mundo justo


Definição - A crença no mundo justo (CMJ) é concebida como uma motivação que nos leva a acreditar que «cada um tem o que merece: as coisas boas acontecem a pessoas boas, as coisas más acontecem a pessoas más». Esta crença leva-nos a avaliar as características ou as acções das pessoas de acordo com os seus resultados: se lhe acontece algo mau é porque são maus, se lhes acontece algo bom é porque são bons ou fizeram algo bem feito. Assim, o mundo é sempre justo. Quando surge uma situação claramente injusta ficamos perturbados, perturbação só resolvida quando conseguimos ou resolver a injustiça objectivamente ou cognitivamente (reconceptualizando a situação de modo a que seja justa). Noutras palavras, é uma certa culpabilização das vítimas negligenciando os verdadeiros culpados.

De acordo com o autor da teoria (Melvin Lerner), a crença no mundo justo é uma ilusão fundamental para que mantenhamos a nossa percepção de invulnerabilidade face às ameaças da vida. A nós não nos acontecerá porque somos bons. Sabemos que as pessoas com maior CMJ têm níveis de bem-estar psicológico mais elevados. No entanto, alguns estudos têm mostrado que as pessoas mais religiosas (católicas e protestantes) e de direita revelam-na em maior grau.

Exemplos: A volte-face que tomou as investigações do caso Madeleine McCann, tornando os pais de Madeleine de bestiais a bestas, é previsível de acordo com a teoria. De facto, na presença de uma grande perturbação pelo elevado sofrimento e prolongado de vítimas inocentes (os pais e a criança), com o foco nos pais (às tantas já nem se pensava na criança, pensava-se só no que os pais estariam a passar) e uma ausência de outros culpados e sem sabermos sequer se a criança ainda está viva e poderá estar a sofrer, podemos ser tentados a eliminar esta perturbação retirando o estatuto de vítimas aos pais (repare na reinterpretação da falta de choro da mãe de Maddie, se chorasse poderia parecer histérica, como não chorou é porque é fria) tornando os pais em agressores. Assim, os pais já não sofrem, dado que são maus, a criança já não sofre porque está morta.

O mundo é menos injusto: a criança morreu e livrou-se de maus pais; os pais vão presos e vão ficar sem os outros filhos. Às pessoas más acontecem coisas más, o mundo é justo. E isto é menos perturbador do que pensar que a criança (numa rede pedófila) e os pais poderão estar a sofrer quotidianamente desde o dia 3 de Maio. Se se vier a mostrar que esta tese está errada, este será um caso clássico de vitimização secundária destes pais.

É nas condições em que as vítimas são inocentes e o sofrimento é mais prolongado que os observadores, especialmente os com mais CMJ, recorrem à vitimização secundária - desvalorização ou culpabilização das vítimas.

Outro exemplo prende-se com o atentando do 11 de Setembro. Os verdadeiros culpados foram os Taliban, no entanto, numa abordagem posterior culpabilizou-se os EUA pela sua política externa aguçada. Os atentados em Espanha seguem a mesma linha: "Se Espanha nunca tivesse metido o bedelho então não aconteceria os atentados de Atocha."

Um exemplo clássico é a necessidade de culpabilização das verdadeiras vítimas em casos de violação, na sua maior parte, mulheres: "Se elas tivessem um vestido mais decente nada disto aconteceria."

Resolução - Podemos ter a noção de que muitas vezes a culpabilização das vítimas serve apenas para restaurarmos a nossa crença no mundo justo, e que ao tentarmos aliviar o sofrimento que a constatação das injustiças nos provoca, muitas vezes só estamos a ser mais injustos.

Temos de saber que a luta pela justiça que tanto nos perturba tem de passar por resolvê-la melhorando a situação objectiva daqueles que a sofrem, e nunca diminuindo a nossa perturbação reconceptualizando a situação de modo a torná-la justa.

Temos de ter muito cuidado com esta crença que nos ajuda a viver com mais percepção de invulnerabilidade e confiança no futuro, mas que pode levar a que sejamos injustos na avaliação da situação de outros.

Conclusão: Como em muitos casos da Psicologia, a consciencialização do processo é meio caminho andado para a resolução do mesmo.

1 comentário:

João Roque disse...

Este assunto é interessantìssimo e dava um excelente debate...
Abraço.