quinta-feira, 16 de abril de 2009

Garbage - Música de lixo

Os Garbage (constituídos por Shirley Manson, Butch Vig, Steve Marker e Duke Erickson) foram uma das bandas sensações dos já idos anos 90.

A sonoridade da sua música varia entre o trip hop, o rock e a electrónica. Aliás, há dez anos atrás, estávamos perante a ascensão da electrónica no mundo da música com Massive Attack, William Orbit, Nelle Hopper, Portishead e Daft Punk.

Começaram a ser reconhecidos como “a banda de Butch Vig” (produtor do icónico Nevermind dos Nirvana) mas a personalidade soturna e explosiva da vocalista Shirley Manson tirou-lhe o protagonismo.

A escocesa Shirley tinha começado cedo nestas andanças. Teve uma infância difícil e uma adolescência muito pior. Vítima de bullying por causa do seu aspecto andrógino, dos seus olhos esbugalhados e da sua excessiva magreza, começa a automutilar-se e perde a virgindade aos 16 anos. O ambiente familiar não era o mais adequado para a efusiva vocalista dos Garbage: Shirley nunca achou piada a ser filha de papás ricos por causa do estereótipo associado a esse facto. Ela nasceu para ser uma rebelde. Alia-se ao namorado da altura na banda Scott McCanzie como backing vocal e depois como teclista (Shirley toca piano). Mais tarde forma a sua própria banda Angelfish que tem direito a passar o seu single de mediano sucesso na MTV, num programa que pretende descobrir novos talentos em 10 minutos. “Suffocate me” fez algum burburinho. Vai ser aí que Butch Vig vai encontrar a vocalista para o seu projecto com Steve Marker e Duke Erickson. A sensualidade de Shirley não lhes fica indiferente. Encontram-se no mesmo dia em que Kurt Cobain se suicida (5 de Abril, domingo passado). O nome (Garbage = lixo) deve-se ao primeiro comentário sobre o seu trabalho por parte de um amigo de Butch, produtor musical: “What you play is garbage!”. Como ainda não tinham encontrado um nome, Butch exclama: “That’s a good name! Garbage!”. O resto? Bem, o resto é história:

1º Álbum – Garbage (1994)




Escuro, duro, cru e depressivo. Na ressaca do grunge não se esperava grande coisa. A essência rock e a electrónica jogam às escondidas com as melodias pop com “P” maiúsculo. A letra é o atestado de um feminismo irascível que sabe bem brincar com a inversão de papéis. Sempre soando a apatia ou a desespero. A fórmula “Eu contra o mundo” nunca surtiu tanto efeito.

Vow



Perante isto as profecias apocalípticas da Bíblia são uma canção de embalar. Shirley avisa em tons de tirania “I came to shut you down”. Ela é Joana D’Arc, Jesus Cristo. Seja quem for, a certeza de espírito rock certinho e certeiro.

Only Happy When It Rains




O single de maior sucesso da banda. Foi cara da Rádio Festival durante meses a fio e até teve direito a cover dos Metallica. O clip mostra uma Shirley de sombra azul carregada (à anos 90) numa sucata e tem semelhanças com o Feiticeiro de Oz. Note-se a disformia da estrutura da canção e o apelo desesperante de chuva como salvação para purificar a alma (“Pour some misery down on me”). Shirley é mesmo do contra. A dança da chuva também pode conter bateria e baixos?

Queer




Perguntaram aos Garbage qual era o significado da canção. Resposta: “Fala sobre um rapazinho que vai a uma prostituta acompanhado com o pai para se iniciar, digamos, na vida adulta. Tal como o seu avô tinha levado o seu pai. O “queer” refere-se à situação e ao facto de o rapazinho ser gay (Queer significa estranho, excêntrico mas também bicha)”. O videoclip a preto e branco coaduna-se com o charme de club fumarento que a voz da Shirley deixa antever. “A fake behind the fear” (quantos heterossexuais nós conhecemos assim?).


Stupid Girl






Nunca uma canção foi tão grunge quando tudo o que era grunge era tabu. O feminismo da década de 90 sulcou a canção com travos de poeira trance, a morbidez acasalou com o minimalismo electrónico que nos remete a um beco escuro, aos movimentos de uma engrenagem ou até mesmo a uma ventoinha gigante. A farsa (“You pretende you’re anything/ Just to be adored”) e a descrença exaustiva (“Don’t believe in faith”), lado a lado, abriam lugar para os Nine Inch Nails deste mundo.


Milk






Calma, doce e etérea. Mas sempre presente a dor aviltante. Sempre a angústia em forma de levitação. Shirley atreve-se a cantar o amor, ou melhor, o desamor. Os Garbage entregam-se ao chill out e escrevem os versos mais simples e simultaneamente mais extraordinários do álbum: “I am lost/ so i am cruel/ but i’d be love and sweetness/ if i had you”. E Shirley canta até à exaustão: “I’m waiting/ I’m waiting/ for you”. De uma pureza singular.


2º Álbum – Version 2.0 (1998)




O colectivo Garbage sempre soube tirar partido das novas tecnologias para a expressão da sua música. Neste Version 2.0 (titulo mais do que sugestivo) deixam entrar luz pela porta da frente e arejam a casa. Perdem os tabus em relação à electrónica e Shirley já não tem medo de cantar o amor nem o sexo, apesar de tudo imperar sobre a desarmonia como já é costume. Mas sempre com a postura de quem sabe o que faz, e de quem canta com sabedoria.

I Think I’m Paranoid







Nota 10 para o clip. Efeito soft-hard que eu adoro nas canções deles. Vocoder no final. Eles garantem que a canção pretende ser uma crítica à indústria musical e ao cumprimento dos prazos na entrega das composições. Receberam uma acusação de plágio dos American Breed (“Bend Me, Shape Me”). Nada que não consigam ultrapassar com outro hit na sua carreira. Como diz a canção, “as long as you love me baby it’s all right”.



Push It






Pop, Pop, Pop. Outro hit da banda. Shirley pede desculpas e revela que só a música tem um efeito reparador nos seus excessos, que presumindo o carácter erótico do refrão (“Push it/ Make the beat goes harder”), só pode ser de ordem sexual (as metáforas musicais para o sexo não são novas!). O clip tem direito a referências ao filme Matrix, ao Exorcista e ao Sexto Sentido. O “don’t worry baby/ we’ll be allright” sossega os sentidos após um furacão trance progressivo e remete aos Beach Boys com uma canção com o mesmo nome.


Special






A “Special” é talvez a canção onde Shirley revela claramente uma das suas maiores influências: The Pretenders (Ateste-se nas cordas da guitarra. Um must!). Assertiva e feminina não descura a desilusão e a constatação iminentes: o príncipe encantado não existe. Mas mesmo perante tal cenário, não era caso para a Shirley andar numa nave espacial a disparar contra os malfeitores, tal e qual Princesa Leia


You Look So Fine







Uma das melhores baladas de todos os tempos. Cada palavra, cada frase, incisiva e directa ao coração. A urgência amorosa sobre a forma de repetição (“You’re taking me over/ Over and over/ And i’m falling over/ Over and over”) perante a penumbra de ser “a outra” (“Leave her behind”). A estrutura atípica da canção revela a irregularidade da paixão e a solução carnal possível: “Hide inside/ Me tonight”. No final, o desfecho trágico e hipócrita: “Let’s pretende/ Happy end”. Tudo isto sobre o olhar atento da Terra na superfície lunar.


When I Grow Up




Todas as músicas que foram banda sonora de filmes para adolescentes deveriam prestar vassalagem a este “When I Grow Up” dos Garbage. A descrição exacta das emoções e de todas as acções pró-puberdade. A velocidade do sangue perante o desafio (“Blood and blisters/ On my fingers”), a ânsia selvagem de revolução (“I’ll turn the tables”), a erupção das hormonas (“Unprotected/ God, i’m pregnant/ Damn consequences”) e a desbunda (“Rip it all to shreeds and let it go”) elevam a canção a hino glorioso dos American Pies deste mundo. They do really need no education!

3º Álbum – Beautiful Garbage (2001)



Depois de dois álbuns elevados a objectos de adoração, resumo daquilo que melhor se fez no pop-rock novecentista, a ovelha negra da banda. Ou devo dizer, rosa? A banda corta definitivamente com o murmúrio e com a frustração, põe clerasil sobre a acne derramada, liga a bola de espelhos e entrega-se ao glam-rock. Rock? Dizem as más-línguas que um álbum de Britney Spears consegue ser mais pesado que isto. Mas seja como for, nunca um sintetizador teve tanta pujança!

Androgyny




Passado o choque inicial entra-se num lounge bar. A voz lasciva e altiva da dominatrix Shirley apela a todos os sentidos, o sintetizador alia-se à guitarra numa electrónica infantil e fresca, a letra poderia ser um poema erótico subliminar greco-romano e a ousadia do refrão (“Boys in the parlour/ They’re getting harder”) arruma a canção na secção das canções mais camp do milénio. Peca só por ter 03:11…

Cherry Lips (Go Baby Go)





Shirley caprichou mesmo no factor gay. Este é o grande hit do álbum. Fala sobre um rapazinho travesti e seropositivo. A música ideal para cantarolar. Cheia de swing, vigor e orquestrações natalícias. Enjoa passadas umas audições (apesar da voz inocente e infantil da Shirley seduzir completamente os nossos tímpanos), o que comprova o efeito plástico deste Beautiful Garbage. No entanto, como música de auto-ajuda faz milagres!

Breaking Up The Girl




Rockability a 100% (Elvis is back!). Shirley dá azo à sua veia feminista mais uma vez. Começa por alertar para os perigos do mundo. Metaforicamente rica e social. Vislumbra-se um regresso ao passado não fosse a luminosidade fluorescente do seu loiro platinado (Debbie Harry?). Tentou…

Shut Your Mouth




“Shut Your Mouth”
é a evidência que quando o assunto è versatilidade os Garbage não brincam em serviço. Arockalhada, crua e pasme-se, Shirley faz raps! Uma espécie de “Vow” versão hip hopizada onde Shirley faz um inventario do que é ser uma estrela. O clip é um cartoon. É original mas os charts fizeram-lhe orelhas moucas…

4º Álbum – Bleed Like Me (2005)



Ora vamos lá ver: um álbum nocturno, decadente e pós-grunge que fez as delicias das gerações dos anos 90, outro electronicamente persuasivo, carnal e maduro que se ancorou na MTV para fundamentar o estatuto de melhor banda pop-rock do século XX, outro que, cumprindo-se o rumo da sonoridade e da estética tornou-se um objecto de consumo insignificante, plastificado, pop (como insulto), detentor do álbum de fundo de prateleira, levando a banda ao desprestigio total de uma carreira que custou a solidificar. O que viria a seguir após tantas expectativas dos fãs mais acérrimos (porque muitos outros já tinham ido)? Um regresso às origens? Um dueto com a Celine Dion? Nada como recriar a fórmula do sucesso novamente. Mas desta vez, menos barroca, menos ornamentada. Punk, objectiva, realista. Embora nada do que é simbolismo se perca. “Bleed Like Me” poderia colocar os Garbage de um sitio de onde eles nunca mereciam ter saído, se tivesse tido eco suficiente e se a indústria da música não testemunhasse o seu próprio fim.

Why Do You Love Me





Torpedo punk, intenso e cru. A auto-estima da Shirley joga aos dados novamente mas não atinge os objectivos aos quais se propôs. Prediz o sentido urbano e despreocupado que a música rock iria atingir na 1ª metade da década 00 com a ascensão do indie e da new rave, mas a fasquia estava demasiado alta.

Bleed Like Me





Este “Bleed Like Me” poderia ser uma melodia dos The Beatles, influência confessa do colectivo. Desde à descrição das personagens desajustadas (uma anoréctica, um transsexual, alguém que se auto-mutila, alguém que consome drogas e um alcoólico que se diverte num bar de karaoke) até às referências Hitchcock do clip (suicida, muito à Garbage com “G” grande) tudo é prosaico e realista. Qual Alexandre Herculano qual Chico Buarque! No meio disto tudo, Shirley aproveita para confessar que é um bocadinho deles todos e se auto-mutila. Título mais que apropriado!


Sex Is Not The Enemy






Punk até à exaustão. Shirley não tem mesmo vergonha e incita à revolução. A letra (explicita) é dedicada à proibição do casamento gay nos EUA pelo presidente George Bush. Um dos versos reza assim: “True love is like gold/ There is not enough to go around/ but then there’s God/ and doesn’t God love everyone?” . Quem fala assim…


Run Baby Run





A estética do clip é muito “do it yourself”, como consta nos manuais punk. A canção é uma deliciosa ode à necessidade de evasão (“Run from the noise of the street and the loaded gun”) e, pelo meio, frases sobre o sentido das coisas levam ao questionamento. Moral: Faz a tua cena e caga no resto porque “life is so short/ there’s no time to regret”! Já alguém disse que isto era punk? A gente gosta!

Outros singles:

#Crush (Nelle Hopper Remix) (1995)




Fez parte da banda sonora da adaptação moderna do filme “Romeu & Julieta” com Leonardo DiCaprio e Claire Diane. Tragicamente apaixonada como quer o guião, nunca uma canção foi a cara chapada do filme que representa. A repetição confere à música travos de masoquismo. Urgente, lânguida e nocturna. Shakespeare no seu melhor!

The World Is Not Enough (1999)





Parece que as canções dos Garbage feitas para filmes funcionam a sério. Este “The world is not enough” capta mesmo a essência 007. Shirley surge, ora como máquina assassina, ora como diva fulgurante. Shirley fazendo de si mesma. My name is Manson, Shirley Manson.

Tell Me Where It Hurts (2005)




Aos 40 a vida ganha novo sentido, e até se pode ter 10 ou 20 ou 30 para termos certeza disso. Se a crise dos 40 não afectou Shirley então foi mesmo os boatos de má convivência entre os membros da banda que ditaram o anunciado fim, apesar de se considerarem “em stand-by”. Seja como for, esta canção parece ter sido escrita para eles. A orquestra torna a música apoteótica e leva-nos a concluir mais uma vez que os Garbage não são limitados musicalmente. Ou não fossem eles considerados a melhor banda pop-rock do século XX.





Suffocate Me (Angelfish, 1994)




Primeiro e único single dos Angelfish, banda de Shirley Manson do período anterior aos Garbage. O clip desta canção pôs de sobressalto Butch Vig e companhia. A luxúria desesperante na voz de Shirley, a estrutura irregular das coplas, os innuendos sexuais (“Suffocate Me/ I’m a thirsty dog”) que revelam a inspiração sadomasoquista de Shirley, feminismo a potes precisamente fruto dessas exposições arrebatadoras, a postura rock, as metáforas inexplicáveis com velas romanas, religião e cortinas, a eterna incerteza (“Suffocate me/ With indecision”) e claro está, a repetição. Já se estava a ver o que seriam os Garbage…


Nota de rodapé: muitos dos clipes não originais, são em formato live. Culpem o youtube.

1 comentário:

João Roque disse...

Venho expressamente convidar-te para estares presente no próximo dia 9 de maio, aqui em Lisboa, no nosso jantar de bloguistas; dar-me-ias um grande prazer.
Diz-me qualquer coisa para o meu e-mail que está no perfil do meu blog.
Abraço amigo.