terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Um dezembro (como todos os outros)


Estava eu a "limpar" o meu PC e encontrei este pequeno texto, semi-esquecido, numa pasta, escondida noutras milhares de pastas, encadeadas tipo boneca russa.
Atenção: este texto é deprimente que se farta. Foi escrito mesmo no dia de Natal de 2006 enquanto esperava pelo bacalhau.

O que a fome é capaz de provocar...

Um Dezembro Como Todos Os Outros

Escuro, exausto, e friamente acolhedor. Assim é Dezembro. Com o seu sabor a canela e candura despede-se de mansinho, enroscado nas grandes dávidas, no mito, nas luzes incandescentes da ternura forçada e nas longas promessas de paz e esperança. Despede-se com a nostalgia dourada das ruas abarrotadas, do deserto que nos povoa sempre tão só, sempre tão cheio, a magia constante duma tradiçao que não cessa. Chegou sem avisar e despede-se demoradamente. Pré-anuncia com ritual urgente a morte de um ano a cair e a erupção de um que ainda não veio, falso tímido na recepção. Trouxe o que o próximo trará. As ángustias de gaveta, as paisagens do conformismo declarado, as marés da abegnação e os sonhos parados nas margens dos rios, a solidão na multidão sempre a sorrir confundindo quem passa de olhos bem abertos e de alma fechada a sete chaves. As barreiras pontuais de uma vida. Com ele, também vieram a fartura do abraço, a poesia do amor livre, rostos de luz e aceitação, os beijos roubados na claridade dos dias de sol, a imensa seara doce que o vento não pega, não força, não arrasta. Despede-se sem lágrima fácil e desejos proferidos baixinho na memória.

Naquele Dezembro de frio austero, Natcho abria subtilmente a caixinha dos seus desejos. Inatamente impaciente, decidira desviar o medo intocável e a incerteza para as grutas cavernosas do inconsciente. Decidira simplesmente não ter medo. Fizera o que toda a gente faz: planos; planos para o ano que se aproxima, veloz e cru, repleto das suas areias movediças e dos seus sorrisos armadilhados que não sejam só sombra na planície. Natcho quisera ser mais e melhor. Não é isso que todos nós, meros humanos, queremos? Ser mais... Ser melhor... Se fosse assim tão, fácil toda a gente já teria alcançado esse estado de graça sublime, vagueando como quem desfila numa carpete encarnada, cor de sangue quente, exibindo orgulhosamente a perfeiçao alquímica, utópica, miragem nos horizontes fúteis que atravessamos devastados; mas não é fácil, e Natcho sabe.


Nessa noite não aconteceu nada de especial. Nem as estrelas estavam mais brilhantes nem a noite mais exaltada nem havia mais pão e vinho pelas mesas. Natcho tambem não descobriu as fórmulas perfeitas da felicidade, tão requisitadas entre quem respira. Natcho apenas teve a consciência que tava a crescer, já não pertencia a Terra Do Nunca. Mas a magia estava lá, não nos presentes que desembrulhara quando era um petiz de meio palmo mas nos corações de quem ama, na inocência dos rituais que (re)inventamos para encontrar as paixões das filosofias que nos movem. Temia apenas que "nothing changes on new day's year". Temia a perda dos ritos e na fé que perpetuamos nas crianças que tanto nos fazem lembrar nós, com os olhos besuntados de saber e imaterialismo. Naquele Dezembro encostado a um canto, Natcho segredava baixinho os desejos que nunca ousou formular como uma eterna criança que acordou virada para a vida =P

Natchum Pipoquium
Espectro Patronum


Feliz Natal! ;)

1 comentário:

João Roque disse...

Dos melhores textos sobre o Natal que já li na blogosfera...
Parabéns!