terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A homofobia é injusta


O Papa decidiu abrir o seu coração e falar-nos das questões que o movem (tirando a pedofilia no seio da Igreja como bem convêm). Como líder religioso e Chefe de Estado pode muito bem fazê-lo, o que não quer dizer que as suas palavras sejam ideologicamente novidades ou representam as tão desejadas verdades absolutíssimas. De notar o contexto em que estas premissas surgem: exactamente na aproximação ao Natal, época de suposta agregação familiar. Fica evidente portanto a exaltação da “família tradicional” e a diabolização aos/às homossexuais. Refere “Sua Santidade”, 23 de Novembro à impressa “Luz do Mundo”:

«A homossexualidade é injusta, opõe-se à vontade de Deus e é inconciliável com a vocação sacerdotal».

Fica por esclarecer qual o conceito de justiça social subjacente, o que é a “vontade de Deus” (não estará o Papa a apelar aos assassinatos de homossexuais em massa como está escrito na Bíblia…) e porque razão a homossexualidade é impeditiva do exercício do sacerdócio sabendo nós, gays e lésbicas, (dou-me ao luxo de essencializar) que existem milhares de sacerdotes homossexuais. Continua:

«Enquanto seres humanos (os homossexuais) merecem respeito (...) não devem ser rejeitados por causa disso. O respeito ao ser humano é fundamental e decisivo", afirma ele. "Mas isto não significa que a homossexualidade seja justa. Ela permanece como qualquer coisa que se opõe à essência mesma do que Deus quis na origem».

Aqui a porca torce o rabinho. Ou o Papa não sei… Esta afirmação incorre num serio erro ontológico da ideologia católica: a separação entre acto e identidade. O respeito ao/à homossexual mas desrespeito pela homossexualidade. Ora, a considerar:

• Por um lado, não há uma separação concreta entre aquilo que uma pessoa é e aquilo que uma pessoa faz. Um trabalhador será sempre um trabalhador porque trabalha (vinculadamente ou não) mas mesmo que não trabalhe. Da mesma forma um gay será sempre um gay independentemente de ter uma vida sexual activa ou não. A identidade sexual é sobretudo uma questão de auto-definição (já se sabe o que somos, quanto à nossa orientação sexual, mesmo antes de termos qualquer tipo de actividade sexual), e até porque, como se comprova a existência de actos homossexuais, sem esbarrarmos com a questão do direito à privacidade?;

• Por outro lado, o facto de um/a homossexual se abster de ter relações homossexuais não fará com que tenha relações heterossexuais e que portanto reproduza biologicamente (o grande objectivo da homofobia). Assim, uma coisa é a repressão de um desejo, outra – totalmente diferente – é a artificialidade de um outro desejo. Esta questão fica evidente quando, confrontado com a existência de comportamento homossexual dentro das instituições católicas, o Papa refere que tais pessoas tem que dominar “activamente” a sua tendência;

• Nunca vi o Papa a protestar contra a pílula, o coito interrompido, a bissexualidade ou a homofobia. Muito pelo contrário: foi o Vaticano que em 2008 retirou pinturas de Miguel Ângelo da Capela Sistina por estes ser homossexual (lá está: paradoxalmente ao discurso oficial da ICAR, a identidade é que conta!) e em 2009 se recusou a assinar um documento que descriminalizava a homossexualidade universalmente fazendo dos/as homossexuais criminosos/as. Se isto é respeito, vou ali e já venho…

Quando confrontados/as, com as palavras de Ba Ki-moon, percebemos que é enorme o fosso entre o discurso católico homofóbico (tão orgulhoso da integração do darwinianismo na ideologia católica) e o discurso da sociedade civil e laica:

«Quando pessoas são atacadas, abusadas e presas devido à sua orientação sexual, devemos falar. Não podemos ficar parados. Não podemos ficar em silêncio.»

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