sábado, 22 de janeiro de 2011

Os candidatos a capitão num barco sem leme

Amanhã é dia de eleições presidenciais. Bem, desnecessário será dizer que o acto de votar é um exercício basilar da nossa cidadania mas nunca é demais frisar cada vez mais visto que as taxas de abstenção alastram por toda a Europa e poderão traduzir três pressupostos: a) o aumento generalizado do anarquismo (o que não me parece, de facto, a real razão); b) o aumento da adesão às ideologias monárquicas, mais viável que a primeira mas por uma questão estratégica essas ideologias teriam que ser enquadradas num quadro político-partidário e sujeito a eleições democráticas (não é o caso) e c) a falsa ideia de que o acto de não votar (ou votar em branco) não interfere com as dinâmicas politicas já que quem está lá «não faz nada» ou «são todos iguais» /o mais provável).

É certo que as Presidenciais não são as legislativas. O acto de se votar para eleger um/a Presidente não tem a mesma conotação do que votar para eleger um partido para formar Governo. Ou não. O/a Presidente tem funções somente representativas, é certo, mas é mais do que o Cavaco refere: alguém sem poderes, neutral e asséptico. Basta pensarmos no poder de vetar e/ou promulgar. Mais: temos que pensar o/a Presidente num articulado com o poder do Governo em vigor e prever as consequências dessa articulação.

Os candidatos:

Cavaco Silva: Cavaco transpira poder e suspira por poder. É, sem rodeios, o Reagan da política portuguesa (e Manuela Ferreira Leite, a Tatcher). É pois o estereótipo perfeito de político neoliberal mas sem o ar e pose progressista, charmosa e urbana de Passos Coelho. Cavaco é medonhamente ruralista: trata as mulheres como “fadas do lar”, recolhe votos em terras do “Interior esquecido” sem esconder o seu ar cínico de tolerância, e utiliza termos/expressões “assalazariados/as” como “raça” ou o “nós” colectivo de índole nacionalista, querendo até criar um (saudosista?) Ministério do Mar.

O seu grande objectivo é transformar o Governo num dispositivo sem Governação, entregue ao FMI e a outras agências internacionais, reduzir ao máximo o Estado Social, privatizar a Escola Pública e cumprir o sonho articulado neoliberal português: Cavaco, PSD e mercados/instituições bancárias.

Manuel Alegre: é o único que teve (e tem) um discurso coerente: sempre defendeu o Estado Social, a Escola Pública, a democracia no seu sentido primário (antes de ser desvirtuado para as neoliberazações) os direitos civis (é conhecido o seu voto no - vergonhoso - dia 10 de Outubro de 2008, quebrando a disciplina de voto sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo) e, apesar de ter um discurso descontextualizado temporalmente (com demasiadas alusões ao 25 de Abril, o que não deixa de ser pertinente), é o político-poeta, não no seu sentido irónico (sendo, contudo, nesse sentido que os adversários lhe contestam), mas no seu sentido (pseudo) utópico. É pois o oposto de Cavaco. Pena alguns assuntos lhe causarem engulhos… E ao PS também.

Francisco Lopes: representa a ala mais ortodoxa do Partido Comunista e parece que absorveu aquele separatismo entre o Bloco e o PCP, que tanto envergonha a esquerda portuguesa (basta reparar no número de candidatos de esquerda para estas eleições). Sisudo, tem contudo um discurso bastante coerente e assertivo.

Fernando Nobre: é o típico político-surfista. Anda lá para ali meio perdido dizendo meia dúzia de coisas sem sentido, fazendo jus à sua experiência como filantropo (AMI) para conceder alguma credibilidade (às vezes forçada) ao seu discurso “à sopinha de massa”. Utiliza indiscriminadamente clichés políticos e nunca ninguém ouvir falar dele. Falta-lhe pulso, determinação e menção a políticas concretas. Conselho: refreie o seu discurso “anti-política” (paradoxo dos paradoxos) e volte para África que está lá melhor.

Defensor Moura: ex-autarca de Viana de Castelo, tem atitudes mais corajosas do que Nobre e a experiência são vários pontos a favor. Tirando as falhas logísticas para a campanha, não teve tabus com o tema da corrupção, e tem um espírito de esquerda bastante apurado (apela ao consumo de produtos nacionais e à regionalização). Contudo, é demasiado cínico, e entrou na campanha declaradamente para retirar votos a Alegre (a desvantagem das candidaturas independentes é essa: a incerteza de estratégias do tipo “escoamento” e “distração”). O nome também não ajuda.

Jorge Manuel Coelho: É o político-anedota. Nunca ninguém ouviu falar dele, usa e abusa de clichés bacocos e populistas da ala direitista (e desculpem-me os/as habitantes das ilhas) e, tal como os verdadeiros populistas, só sabem debruçar-se sobre as questões relativas às politicas dos costumes (aborto, gays, aborto, gays, aborto, gays, …). Tal como Jardim ou Berlusconi, só lhe cheira a poder (e a cervejas, corrupção e gajas boas e novas para exercer bem o seu cargo de… moralista).

Porque estou farto de tocar Cavaquinho, desta Nobre indecência democrática e porque sou um Defensor da democracia, amanhã quero um Portugal mais Alegre. Sem segundas voltas, matando dois Coelho de uma cajada só.

P.S. Porque raios é que o nome de Francisco Lopes é tão sem graça?

1 comentário:

João Roque disse...

Muito bom o teu texto.
Concordo com tudo, inclusive no voto, claro.