quinta-feira, 5 de maio de 2011

A Alma ao Diabo



Estava a tomar o pequeno-almoço na faculdade e, sem querer, reparei no seminário da manhã da SIC. O ecrã da televisão era dividido entre o pivô do dito programa e de um senhor muito bem engravatado, trajado a rigor, que exclamava algumas atrocidades em relação aos (supostos) “benefícios” da intervenção do FMI em território nacional.

Ouvia palavras como “desemprego”, sem exagero, mais de 5 vezes numa frase com limite máximo de 10 palavras. O pior é que essa palavra era dita como quem diz “café”, “praia” ou “sol”, absolutamente banalizada, embora dita no centro nevrálgico do discurso. Em redor dessa palavra que afecta, infelizmente, milhares de pessoas (de facto, as palavras tem o poder de afectar), surgia outras, que inconscientemente se associa a progresso, modernização ou futuro, como “flexibilidade”. Palavras que, ditas por um senhor engravatado na TV, ganham contornos de verdades inquestionáveis, aliás, sem ninguém que contestasse, porque afinal de contas tratava-se, não de um debate ou confronto de ideias, mas sim de uma conversa amena (falava-se de desemprego remember?) onde o pivô, ora parecia convencido, ora era parte estratégica do discurso (e do enquadramento ideológico que dali emergia), sorria, paradoxalmente sempre que a “D” Word era dita. Pensando bem, se um senhor (homem, claro) defende que a intervenção do FMI é inevitável, afirmando que «se nós [os analistas financeiros] o estamos a dizer», quem somos nós, meros mortais, para contestar? Quem é a Islândia para recusar o FMI? Quem é a Grécia para se atrever a demonstrar ao mundo que os efeitos do FMI são mais perniciosos que as medidas de austeridade socialista?

O que me impressionou na conversa (ou devo dizer “no discurso”?) foi que, a acompanhar a banalização do desemprego, o senhor defendia a intervenção do FMI mas depois (e agora isto é impressionantemente retórico) dizia, com um tom moralista como convêm, que «estas medidas não são fantásticas» para, de imediato num piscar de olhos, defender o FMI, essa identidade fantasma como já referi anteriormente, que, reconhecia ele, também provocar desemprego. Ou seja, “o desemprego do Estado” (e.g., a função pública com todos os seus cortes) é ilegítima, aberrante, maléfica, a pior das enfermidades sociais mas a do FMI é, além de inevitável… boa, pois a flexibilidade (ou precariedade?) também é boa. Quem iria recusar palavra tão moderna? Traduzindo: o desemprego flexível do FMI é necessário versus “o desemprego do Estado” (e as medidas socialistas como o PEC4), jurássico e inadmissível.

Se isto não é vender a alma ao diabo, vou ali ao Inferno e já venho.

Sem comentários: