segunda-feira, 6 de junho de 2011

O pior dia da nossa democracia


Ontem assistiu-se ao pior momento da nossa democracia: o PSD, “o” partido de centro-direita português, ganhou as eleições antecipadas e, após quase uma década de socialismo (falseado, é certo), vamos ser governados por uma das agendas mais radicalmente neoliberais dos últimos tempos, a condizer com uma Europa fragmentada (Alemanha, França, Inglaterra). Pior do que isso só mesmo a formação de governo com o CDS e, claro, o crescimento do “partido-do-táxi” que, com o seu populismo bacoco e “pró-rural”, indisfarçavelmente (e paradoxalmente) elitista, conseguiu iludir o povo com o manto diáfano da retórica. É aqui que apetece dizer que o povo é, definitivamente, burro.

Herança de um passado salazarista saudoso dos “ventos da direita” (“os ventos da mudança” não são agora a palavra de ordem?)? Analfabetismo? Não, penso que o problema é a inconsciência. O povo vota por caras. Ora, é certo e sabido que, por uma estratégia, do tipo escape goat, bem delineada quer pela Oposição política, quer pela comunicação social (a esmagadora maior parte dela de direita, como por exemplo, a TVI; não se percebe pois os delírios contrasensuais sobre a falta de liberdade de expressão…), Sócrates tornou-se o bobo da corte. Afinal de contas, as crises têm que ter um rosto, não podem ficar abstractas (vamos prender os mercados?).

O acto de se votar em caras é uma forma negligenciada (ou desculpabilizante) de ter permissão para desconhecer a ideologia, o ideário, enfim, a política. Quem lê os programas eleitorais? Se o povo (sim, essa categoria homogénea de pessoas vinculada a classes socialmente “baixas” e sim, também estou a ser elitista) se desse ao trabalho de ler programas eleitorais perceberia que existe uma agenda de privatização (da Escola Pública, da EDP, da TAP, das Águas de Portugal…) que tem como consequência inevitável a canalização de fundos para vias que só quem tem dinheiro é que consome ao passo, inversamente proporcional, da degradação da oferta (sim, oferta) pública, a título de exemplo, o financiamento estatal da “livre escolhas das famílias” no que toca aos sistemas de ensino e que daria para o investimento na Escola Pública, tem como efeito perverso o desenraizar dos laços comunitários -; perceberia que existe uma falsa “moralidade económica” que procura desvincular a relé social do Estado Social (é sempre mais fácil atacar quem está na mó de baixo…), fazendo dela vários “Sócrates”, tapando o sol com a peneira dos bancos que não pagam impostos. É a prática de voluntariado (ou cortar matas…) para quem recebe o RSI, é o acto de se trabalhar mesmo estando… desempregado para receber o subsídio de desemprego (ah?), etc; perceberia que existem propostas de permitir o despedimento sem justa causa (chamam-lhe flexibilidade, eu chamo-lhe precariedade) que terão como inevitabilidade formas de discriminação sem precedentes, totalitarismos patronais que põem em causa a mais elementar da democracia; perceberia que a redução dos feriados é um atentado às liberdades, direitos e garantias (isto é, trabalha como uma mula e nada de privilégios!), etc. Se a estatização integral da economia é uma forma de totalitarismo, a sua privatização também (Mário Vieira de Carvalho in Público).

Tudo aquilo que o PS foi, o PSD será em dobro. E se por um lado não haverá mais Sócrates como cabeça de cartilha para descarregar nele uma enjoativa frustração social até à náusea (há quem diga que o ex-primeiro ministro não se despediu com dignidade…), pelo menos saberá desculpabilizar-se com as culpas de um passado socialista (assim como os/as Republicanos/as o fazem com os/as Democratas sobre as despesas estatais).

A uma vitória inexplicável da direita, aquela que, paradoxalmente, nos conduziu a esta crise económico-financeira mundial, soma-se, em sentido inverso, a derrota da esquerda. Uma esquerda desunida, frágil e anedótica. Jerónimo e Louça preferiam atacar a centro-esquerda socialista e entregar o país ao vandalismo capitalista do PSD; que ninguém esqueça a moção de censura bloquista. Esta esquerda (a esquerda tem um historial relevante no que toca à revelia das gramáticas institucionais) foi a grande responsável pela crise política que conduziu o país à situação que teve início ontem. Foi aquilo que ela própria critica na direita: arrogante.

Comecei por dizer que ontem tratou-se do pior dia da nossa democracia. Alguns irão retorquir dizendo que o voto afinal é a expressão mais simbólica da democracia. Concerteza, mas a questão não é essa. Para mim (e para os/as Gregos/as, por exemplo), Democracia significava igualdade de circunstâncias (exceptuando o caso das mulheres e dos escravos). É assim que eu a encaro, uma forma de justiça, rectidão e igualdade (ou pelo menos, menos desigualdade). Não a limito ao sentido do voto. Mas, mesmo conhecendo os altos índices de abstenção e ficar indignado com tal facto, pela primeira vez na minha vida, desejei que não tivessem votado.

2 comentários:

João Roque disse...

Muito bem!

............................ disse...

Sinceramente, nenhum dos partidos me interessava... Mas votei no partido menos mau, penso eu