sexta-feira, 17 de julho de 2009

Até onde o feminismo pode ser homofóbico (em relação a gays)


Recebi este comentário ao meu poste sobre a "teoria bi":


em relação ao pedacinho que precede"....basta ir a um bar gay (ou neste caso, LGBT)."eu (bi) e as amigas (les) há muito que desejavamos uma sauna les, ou poder usar as gay (tipo....se não gostam, não olhem). Mas a entrada na segunda está vedada e a primeira não existe. Em barcelona, cidade muito mais desinibida e movimentada, experimentou-se fazer uma sauna les mas fechou. Qual a explicação que circula no senso comum? A maioria das mulheres encara a busca de sexo como algo !"masculino". Mas deixa-me rodar o mapa para vermos isto de outro ângulo.A nossa cultura encara as mulheres como a excepção; gramaticalmente, são a excepção. Quando uma empresa de comunicações fornece um serviço "erotico", ie, pornográfico por telefone, escusa-se a classifica-lo como heterosexual ou masculino. Por definição, nesse caso como na literatura séria, o espectador é masculino. Uma mulher e um cão diz-se "eles". A identidade duma fêmea vive permanentemente numa hibridização com o masculino (não com o neutro, mas com o masculino), salvo num extremo onde só há feminino (e bichas e doidas).No campo da sexualidade, penso ser necessario recordar que a nossa cultura (portuguesa, não ocidental. os nordicos até o fazem +/-) falha em conceber o sujeito mulher civilmente aquando da maternidade e continuam a não garantir a sua individualidade perante o estado e o trabalho, continuam a anexa-lo a um homem.Por isso, a sexualidade da fêmea continua a carregar uma seriedade social (ficar desvalida em caso de gravidez) e continuam a haver virgens e putas.Como o "onus da prova" recai sobre a mulher_face ao homem em questão em vez de face ao estado (pensão de alimentos VS equiparação ao mercado de trabalho)_, a cultura continua a achar-los livres, e pior, que as "nescias" são inferiores e podem ser castigadas por fazerem aquilo que eles mesmos fazem_por serem iguais numa situação social diferente. Daí que haja uma cultura feminina em que o sexo deva vir acompanhado de provas de afectividade e confiança. Mais estranho é que as les vivam essa cultura.Em todo o caso, tratamento social a uma les "bicho" (como em bicha) é muito distinto de uma femme, mas ambos são caracterizados por alguma violencia, comum às heteros em certos territorios (de novo, os que estão fora da comunidade de entes queridos).Pelo menos por cá, já sofri insultos por parte de gays, fazendo-me compreender que a minha presença nesse sítio era mal vinda, independentemente da minha orientação sexual mas não do meu sexo. Para não falar do mal entendido permanente de gostar de homens vaidosos que sabem que são carne (atitude tipicamente solicitada ao feminino, mas rarissima em homens de identidade hetero_mas não bi_mas que prontos, não passa de azares de caça).Bem, espero ter deixado mais algumas perspectivas para o teu texto.My point is:Uma coisa são as pessoas com quem se faz sexo, a outra são as pessoas com que essas relações sexuais envolvem "custos" de confiança e comunidade. Outra ainda a orientação (a identidade: sou uma pessoa que faz x com y, e se fizer diferente já não sou isto que digo ser). A 1ª pode ser abrasiva, a segunda custosa, a terceira injusta. Ossos do oficio.A costela bi, não duvido em TODA A GENTE. Mas a identidade é suficientemente importante para cada um de nós para que não admitamos os comportamentos sexuais que a desmentem, às vezes nem para nós mesmos.Já isso dos originadores desse comentários costumam ser uns cordeiros em pele de lobos, que se vêem como livres (excessivos amantes da vida) e que são uns pobres complexados que infelizmente se tornam violentos quando confrontados com esse tal de excesso de verdade.



A minha resposta:



Bem, eu acho que não me expressei da melhor forma. Se leste bem o meu texto reparaste concerteza que este pretendeu ser uma afronta à heteronormatividade e ao ego chauvinista masculino heterossexual. Lamento se soei misógino mas… essa era a minha intenção! Não de uma forma directa, com o intuito de “ofender” as mulheres de qualquer orientação sexual, mas propondo uma forma de ultraje ao homem heterossexual, criticando o fetiche máximo deste: o acto lésbico.


Contudo, penso ser até muito razoável tendo em conta que muitas lésbicas/bissexuais são, elas próprias, “gayfóbicas” e “bichafóbicas”:


"Sob o tropo da inversão ou liminaridade, em contraste, homens gays procuraram identificar-se com mulheres heteros (com base em que elas são também “femininas” e também desejam homens); ou com lésbicas (com base em que elas ocupam posição semelhante em termos de liminaridade); ao passo que as lésbicas, de maneira análoga, procuraram identificar-se com homens gays, ou, embora esta última identificação não seja forte a partir do feminismo da segunda onda, com homens heteros (É óbvio que os resultados políticos de todas essas trajectórias de identificação potencial foram radicalmente, e às vezes violentamente, modificados por diferentes forças históricas, principalmente a homofobia e o sexismo)." (Epistemologia do Armário)


Tal como a tua indignação vai no sentido de achares que eu excluí as mulheres, ignorando assim a pretensa igualdade do status quo da mulher em relação ao homem (no que concerne às relações sociais e às expressões da sexualidade), a minha intenção primordial, embora subscreva a primeira, é equiparar a defesa da homossexualidade masculina à defesa da sua homóloga, a heterossexualidade masculina, nem que para isso seja misógino, exclua as mulheres e entre numa linha de sobrevalorização sexual do masculino (hetero ou gay), derrubando, por consequência, aquilo que queremos em comum: igualdade entre géneros.


A base da homofobia é o machismo e ela tem padrões diferenciados se dirigida a um homem gay ou a uma mulher lésbica. No homem gay ela é explícita, politicamente incorrecta, agressiva, sem pudor. Aliás, a homofobia por excelência. No caso das lésbicas, embora reconheça que possa ser tudo o que mencionei atrás, ela é invisibilizante.E a minha expressão (que não deixa de ser uma realidade) para me referir ao facto de a parcela feminina do segmento LGBT ser uma minoria em bares LGBT não foi com más intenções e concordo com todos os teus argumentos sobre a educação “repressiva” das mulheres, embora não concorde inteiramente com a hipótese repressiva. A minha intenção foi chocar a heterossexualidade masculina, realçando a minha homossexualidade de uma forma feérica (um bocadinho como o Brüno) e para isso fui misógino, embora tradicionalmente não o seja (quem me conhece sabe).


Às vezes acho que algumas lésbicas/bissexuais falam de barriga cheia. Reclamam do machismo social, do patriarcado, etc e até o “L” em primeiro lugar conseguiram na sigla LGBT, mas não são mais discriminadas do que nós, homens gays. Pelo contrário, devido à vossa orientação sexual (semelhante à do homem heterossexual) são privilegiadas socialmente. Não são opositoras directas do protótipo de “humano ideal” (homem heterossexual) como o homem gay e, principalmente, efeminado.O único problema da homossexualidade feminina é a sua falta de visibilidade, como já referi. E basta ver os exemplos históricos (ou a ausência deles). Compreendo que o lesbianismo puro, exclusivo, seja uma afronta à sexualidade masculina heterossexual mas teoricamente, na prática, sabemos que vocês são beneficiadas no processo social, mesmo sendo invisibilizadas.


Não concordo totalmente quando generalizas no que diz respeito às mulheres. É um erro crasso. E não sei até que ponto em que algumas mulheres não estão satisfeitas com a sua posição (sem juízo de valor). Um dos problemas das feministas, na minha óptica, é que elas acham que todas as mulheres, TODAS sem excepção, querem se igualizar aos homens naquilo que é mais simbólico. Esta luta incessante de igualdade não será a certeza de que o homem é, de facto, um ser perfeito? Não é a confirmação de que as mulheres são seres imperfeitos, logo querem igualdade? Essa interiorização da desigualdade sexista não será uma concepção da feminista? Eu contra mim falo, na minha ofensiva contra a heterossexualidade masculina.


Outra coisa: tens que convir que a sexualidade (hetero ou homo) não é vivenciada por todas as pessoas (homem ou mulher) de forma igual. Dessa forma, existem homens quase assexuais e mulheres sem grandes problemas no campo da expressão libidinal.Quando falas em homens “livres”, estás a falar de homens gays? Até que ponto os homens gays são livres? Certos homens gays atracam-se à conduta heteronormativa (e a culpa não é propriamente deles, é uma culpa estrutural e relativa), muito mais do que as lésbicas. Se uma lésbica recusa um homem “uau!”, se um gay recusa uma mulher “paneleirote!”. E estamos a falar de gays e lesbicas não assumidos. Dentro da comunidade LGBT, um gay recusar uma mulher para outros gays é terrível. Soa a bicha. Soa a passivona. Soa a nojo. Se uma lésbica recusa um homem para as outras lésbicas não é propriamente trágico.


Repara, expressões típicas de homens heterossexuais enojam-me porque carregam com elas dinâmicas machistas fortíssimas: “não tenho nada contra gays (a expressão raramente é “homossexuais”, porque aí englobaria as lésbicas também) logo que não se metam comigo”; “não tenho nada contra gays logo que não se exibam (vulgo, sejam “bichonas”) ”; etc.Já ouviste algum gay a dizer: “não tenho nada contra heteros (quando utilizo o vocábulo heteros refiro-me sempre a homens heteros, lamento se excluo as mulheres heterossexuais e te cause indignação; é propositado) logo que não se metam comigo”? “Não tenho nada contra heteros (homens) logo que não sejam machões”.As próprias mulheres heterossexuais absorvem uma certa “bichafobia” e ridicularizam em certos gays o reflexo delas próprias (ou daquilo que lhes é convencionado). Porque é, nesse sentido, não posso também criticar as mulheres heterossexuais? Estarei a ser “anti-mulher”?


"Observe-se, contudo, que essa esquematização sobre“apenas o problema da definição de gênero” também influi sobreo problema da definição homo/heterossexual, e de uma maneirainesperada. Modelos separatistas de gênero, como o de Rich ou ode Friedlander, parecem tender a um entendimento universalizantedo potencial homo/heterossexual. Na medida em que modelos deinversão ou liminaridade, integrativos em relação ao gênero, como o modelo do “terceiro sexo” de Hirschfeld, sugerem uma aliançaou identidade entre lésbicas e homens gays, por outro ladotendem aos modelos minoritarizantes e separatistas de política eidentidade especificamente gays. Steakley faz uma série útil decomparações entre o Comitê Humanitário Científico de Hirschfelde a Comunidade dos Especiais de Friedlander:Dentro do movimento de emancipação homossexual haviaum profundo fracionamento entre o Comitê e aComunidade... O Comitê era uma organização de homense mulheres, ao passo que a Comunidade eraexclusivamente masculina... O Comitê chamava oshomossexuais de terceiro sexo num esforço para obter osdireitos básicos atribuídos aos outros dois; a Comunidademenosprezava isso como atitude de mendigar piedade epromovia a noção de uma bissexualidade superviril (Epistemologia do Armário)


Já isso dos originadores desse comentários (pseudo-feministas) costumam ser uns cordeiros em pele de lobos, que se vêem como aprisionadas (não amantes da vida o suficiente) e que são umas pobres complexadas que infelizmente se tornam violentas, machistas, homofóbicas e bichafóbicas quando confrontadas com esse tal de excesso de verdade.

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